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A mostrar mensagens de julho, 2011

Mestre Eckhart – Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado

Deus criou o mundo para que Deus nasça na alma, e a alma nasça em Deus A Palavra eterna é expressa interiormente no coração da alma Para que Deus nasça na alma, todo o tempo deve ter desaparecido Deus faz agora o mundo todo como no primeiro dia em que criou o mundo O intelecto é vasto sem vastidão Só Deus pode operar o nascimento do Filho na alma Cada anjo tem uma natureza que lhe é própria Tudo o que Deus é enquanto potência, verdade, sabedoria, Ele reprodu-lo absolutamente na alma Se a alma não se torna semelhante a Deus, é a ela própria que a responsabilidade incumbe Aquele que está sem criatura está sem sofrimento e sem inferno A menor obra de graça é mais elevada do que todos os anjos Uma presença interior, uma ligação, uma união com Deus, tal é a graça Não deve parecer impossível a ninguém que o Filho nasça nele Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado

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«Nesse tempo.» Quando a palavra é em primeiro lugar recebida no meu intelecto, ela é tão nítida e tão sublime que ela é uma verdadeira palavra, antes de ser representada no meu pensamento. Em terceiro lugar, ela é expressa exteriormente pela minha boca, e é portanto apenas uma manifestação da palavra interior. Assim, a Palavra eterna é expressa interiormente no coração da alma, no mais íntimo, no mais puro, na cabeça da alma, sobre a qual eu falei recentemente, no intelecto, é aí que interiormente se realiza o nascimento. Aquele que sobre isso não tivesse uma plena intuição, e uma esperança, gostaria bem de saber como se realiza esse nascimento, e o que o favorece. 1 Notas «Nesse tempo.» O pregador adivinha a curiosidade daquele que o escuta «e gostaria bem de saber como se realiza esse nascimento» do Filho. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado 2

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Sermão 38 - Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado São Lucas escreve estas palavras: «Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus.» (Lc 1, 26 e 28) 1 Em que tempo? No sexto mês desde que João Batista estava dentro do seio da sua mãe. Àquele que me perguntasse: porque rezamos nós, porque jejuamos nós, porque realizamos nós todas as nossas obras, porque somos nós batizados, porque Deus se fez homem - o que foi o mais sublime! -, eu direi: para que Deus nasça na alma e que a alma nasça em Deus. Foi por isso que toda a escritura foi escrita, foi por isso que Deus criou o mundo, e toda a natureza angélica: afim de que Deus nasça na alma, e de que a alma nasça em Deus. 2 A natureza de todos os grãos tem o milho por fim, a natureza te todos os metais tem o ouro por fim, e todos os nascimentos têm o ser humano por fim. Foi por isso que um mestre disse: não se encontra nenhum animal que não tenha alguma semelhança com o ser humano. 3 Notas No antigo missal dominicano

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São Paulo diz: «Na plenitude do tempo, Deus enviou o seu filho.» Santo Agostinho explica o que é «a plenitude do tempo». «Quando não há mais tempo, é a "plenitude do tempo".» Assim, o dia é realizado quando já não há mais nada do dia. É absolutamente verdadeiro: todo o tempo deve ter desaparecido quando começa esse nascimento, porque nada entrava tanto esse nascimento como o tempo e a criatura. É uma verdade certa que o tempo não pode ter contato com Deus, e com a alma, devido à natureza deles. Se a alma pudesse ser tocada pelo tempo, ela não seria a alma, e se Deus pudesse ser tocado pelo tempo, Ele não seria Deus. Mas se o tempo pudesse tocar na alma, Deus nunca poderia nascer nela, e ela nunca poderia nascer em Deus. Para que Deus nasça na alma, todo o tempo deve ter desaparecido, ela deve ter escapado ao tempo pela vontade ou pelo desejo. 1 Notas Eckhart cita então a epístola de São Paulo aos Gálatas (4, 4), sobre «a plenitude do tempo», para tent

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Eis um outro sentido da «plenitude do tempo»: aquele que tivesse o saber fazer e o poder de concentrar em um «agora» presente o tempo e tudo o que sempre se passou no tempo de seis mil anos e deve passar-se ainda até ao fim, seria «a plenitude do tempo». É o «agora» da eternidade onde a alma conhece todas as coisas em Deus, novas, e frescas, e presentes na mesma alegria que eu tenho agora presente. Eu li recentemente num livro - quem o poderia penetrar a fundo! - que Deus faz agora o mundo todo como no primeiro dia em que Ele criou o mundo. Nisso, Deus é rico e tal é o reino de Deus. Da alma, na qual Deus deve nascer, o tempo deve escapar, e ela deve escapar ao tempo, e ela deve levantar voo, e deve permanecer na contemplação dessa riqueza de Deus: lá está a amplitude sem amplitude, e a largura sem largura; a alma conhece lá todas as coisas, e ela conhece-as perfeitamente. 1 Notas «A plenitude do tempo» é o «agora» da eternidade onde Deus cria todas as coisas hoje, c

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Os mestres descrevem a que ponto o céu é vasto - seria inacreditável dizer - a menor potência que está na minha alma é mais vasta que o vasto céu; eu não falo do intelecto: ele é vasto sem vastidão. Na cabeça da alma, no intelecto, nele eu estou tão próximo do local a mais de mil léguas para lá do mar do que do local onde eu me encontro agora. Nessa vastidão, e nessa riqueza de Deus, a alma é conhecedora, lá nada lhe escapa, e lá ela não tem mais nada a procurar. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Nesse tempo, o anjo Gabriel foi enviado 5

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«O anjo foi enviado.» Os mestres dizem que a multidão dos anjos é um número acima do número. A sua multidão é tão grande que nenhum número os pode conter; o seu número não pode mesmo ser concebido. Para aquele que pudesse alcançar a distinção sem número e sem multidão, «cem» seria tanto quanto «um». Mesmo se existissem cem pessoas na Divindade, aquele que pudesse alcançar a distinção sem número e sem multidão, reconheceria aí no entanto só um Deus. As gentes que não são crentes e certos cristão ignorantes espantam-se, e mesmos certos clérigos sabem sobre esse assunto tão pouco quanto uma pedra; eles consideram «três» como três vacas ou três pedras. Mas aquele que pode considerar a distinção sem número e sem multidão reconhece que três pessoas são «um» Deus. 1 Notas «O anjo foi enviado.» Num dos sermões que precedem imediatamente este, que parecem ter uma ligação com este e entre eles pelo lugar e o tempo onde foram pregados, Eckhart falou muito dos anjos. A sua a

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O anjo também é tão elevado que os melhores mestres dizem que cada anjo tem uma natureza que lhe é própria. Tal como se existisse um ser humano que possuísse tudo o que os seres humanos alguma vez possuíram, possuem agora e possuirão sempre em matéria de potência, de sabedoria e de todas as coisas - seria uma maravilha, no entanto não passaria de um ser humano. Porque, mesmo se ele possuísse aquilo que possuem todos os seres humanos, ele estaria no entanto longe dos anjos. Assim, portanto, cada anjo tem uma natureza que lhe é própria, e ele é diferente de outro tal como um animal é doutro que é de uma espécie diferente. Deus é rico desta multidão de anjos, e quem reconhece isso, reconhece o reino de Deus. Ela manifesta o reino de Deus, da mesma forma que um senhor é manifestado pela multidão dos seus cavaleiros. É por isso que ele é chamado «Senhor, Deus dos exércitos». Toda essa multidão de anjos, tão elevados quando sejam, devem cooperar e prestar o seu auxílio ao na

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O anjo chamava-se «Gabriel». Ele agia segundo o seu nome. Ele não se chamava mais Gabriel que Conrado. Ninguém pode conhecer o nome do anjo. Como se chama o anjo - nunca ainda nem mestre nem entendimento chegou a sabê-lo, talvez ele não tenha nome. A alma também não tem nome, não mais que o poder-se encontrar um nome apropriado para Deus, assim não se pode encontrar um nome apropriado para a alma, apesar de se terem escritos grossos livros sobre o assunto. Mas segundo as obras, para as quais ela volta o seu olhar, dá-se-lhe um nome. Carpinteiro, este não é o nome de um qualquer, ele tem o seu nome da obra na qual ele é mestre. 1 «Gabriel» obteve o seu nome da obra da qual ele foi o mensageiro, porque «Gabriel» significa «potência». Nesse nascimento, Deus opera poderosamente ou produz a potência. Para onde tende toda a potência da natureza? ela quer reproduzir-se a si própria. Para onde tende toda a natureza que opera o nascimento? ela quer reproduzir-se a si própri

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Santo Agostinho diz: «Àquilo que a alma ama, ela torna-se semelhante. Se ela ama coisas terrestres, ela torna-se terrestre. Se ela ama Deus, poderia-se perguntar: "torna-se ela então Deus?"» Se eu falasse assim, pareceria incrível àqueles que têm um espírito demasiado fraco e não o compreendem. Mas Santo Agostinho diz: «Eu não o digo, eu reenvio-vos para a Escritura que diz: Eu disse que vocês são deuses.» Aquele que possuísse um pouco da riqueza de que eu falei precedentemente, um resumo, ou apenas uma esperança, ou uma segurança, compreenderia-o bem! Nunca, pelo nascimento, nada esteve tão próximo de Deus, nem tão assimilado a Ele, como a alma se torna neste nascimento. Se ela for travada em alguma coisa, por forma que ela não se torna em tudo semelhante a Ele, não é a culpa de Deus; na medida em que as suas deficiências se soltam dela, nessa medida, Ele assimila-a a Ele-próprio. Se o carpinteiro não pode construir uma bela casa com madeira carunchosa, não é

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Ave , quer dizer « âne wê », sem sofrimento. Aquele que está sem criatura está « âne wê » e sem inferno, e aquele que está e que tem o menos de criatura tem o menos de sofrimento. Eu disse algumas vezes: aquele que possui a mais mínima parte deste mundo é aquele que possui mais. Ninguém possui tanto o mundo em próprio como aquele que deixou completamente o mundo. Sabem vocês o que faz que Deus seja Deus? Deus é Deus porque é sem criatura. Ele não se nomeou no tempo. No tempo estão a criatura, e o pecado, e a morte. Num sentido, eles têm entre eles um parentesco, e quando a alma escapou ao tempo, não há mais nela nem pena nem sofrimento, e mesmo a contrariedade torna-se para ela uma alegria. Tudo aquilo que poderia alguma vez ser imaginado em termos de prazer e de alegria, de felicidade e de delícias de amor, não é uma alegria, comparada com a felicidade que produz este nascimento. 1 Notas « Ave ». Eckhart faz aqui um jogo com as palavras. A Idade Média gostava

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«Cheia de graça». A menor obra de graça é mais elevada do que todos os anjos na sua natureza. Santo Agostinho diz que uma obra de graça realizada por Deus, quando Ele converte um pecador e faz dele uma pessoa boa, é maior do que se Deus criasse um mundo novo. É tão fácil a Deus girar o céu e a terra, quanto é a mim girar uma maçã na minha mão. Quando a graça está dentro da alma, é tão pura, e tão semelhante a Deus, e tão do seu parentesco, e a graça está aí tão desprovida de obra quanto o nascimento de que eu precedentemente falei. A graça não opera obras. São João «nunca produziu sinal». A obra que o anjo realiza em Deus é tão elevada que nunca nenhum mestre, nem nenhum entendimento, poderia chegar a compreender essa obra. Mas dessa obra uma lasca cai - como cai uma lasca de uma viga que se talha - um relâmpago, lá onde, da parte inferior do seu ser, o anjo toca no céu; de lá verdeja, e floresce, e vive tudo o que está no mundo. 1 Notas « Cheia de graça ». «A me

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Eu falo por vezes de duas fontes. Apesar disto soar estranho, nós estamos constrangidos a falar segundo o nosso entendimento. A primeira fonte, donde jorra a graça, encontra-se lá onde o Pai gera o seu Filho único; neste jorra a graça, e é da mesma fonte que jorra a graça. A segunda fonte, é quando as criaturas fluem de Deus; ela está tão longe da fonte de onde jorra a graça como o céu está da terra. A graça não opera. Quando o fogo está dentro da natureza, ele nem incomoda nem consome. O ardor do fogo brilha aqui em baixo; mesmo o ardor, quando está na natureza do fogo, não consome nem incomoda. Bem mais: quando o ardor está dentro do fogo, está tão longe da verdadeira natureza do fogo como o céu está da terra. A graça não opera obra, ela é demasiado subtil para isso. Operar uma obra está tão longe dela como o céu está da terra. Uma presença interior, uma ligação, uma união com Deus, tal é a graça. Lá, Deus está «contigo», porque é o que se segue imediatamente

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«Deus contigo» - então tem lugar o nascimento. Não deve parecer impossível a ninguém de lá chegar. Que prejuízo é esse para mim, tão difícil quanto seja, visto que é Ele que o realiza? Todos os Seus mandamentos me são fáceis de observar. Que Ele me comande tudo aquilo que Ele quiser, eu não me preocupo absolutamente nada com isso, tudo isso é para mim pouca coisa se Ele me der a graça para o realizar. Certos dizem que não a têm; eu digo: «Lamento. Mas tu desejas? - Não! - Eu lamento ainda mais.» Se não se pode possui-la, que se tenha ao menos o desejo. Se não se pode ter o desejo, que se deseje ao menos desejá-la. David disse: «Senhor, eu desejei o desejo da Tua justiça.» 1 Que Deus nos ajude, a desejar assim de Deus, que Ele queira nascer em nós. Amém. 2 Notas «Deus está contigo.» É o que se segue imediatamente na Ave Maria . Uma vez mais, Mestre Eckhart insiste para que não se tome a sua doutrina como apanágio de alguns privilegiados. Não deve parecer

Mestre Eckhart – O meu homem, teu servo, está morto

Uma mulher vem ter com o profeta Eliseu A pequena centelha do intelecto é a cabeça da alma O intelecto penetra no alto até dentro do ser A alma tem duas faces, uma voltada para o mundo, e a outra diretamente para Deus O intelecto contém em si os traços das ideias ou modelos de todas as coisas Todos os vasos emprestados devem ser cheios de sabedoria divina Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » O meu homem, teu servo, está morto

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Sermão 37 - O meu homem, teu servo, está morto Uma mulher diz ao profeta: «Senhor, o meu homem, teu servo, está morto; eis que vieram aqueles para com quem nós temos dívidas, eles levaram os meus dois filhos para fazerem deles seus servos, por causa da dívida, e eu não tenho nada a não ser um pouco de óleo.» O profeta diz: «Então pede emprestados vasos vazios e deita um pouco (do óleo) dentro de cada um deles, ele crescerá e aumentará, vende-o, paga a tua dívida e liberta os teus dois filhos. Com o que sobrar alimenta-te, assim como aos teus dois filhos.» (2Rs 4, 1) 1 Notas O texto do sermão 37 é tirado da lição da terça-feira depois do terceiro domingo da quaresma. Uma mulher vem ter com o profeta Eliseu e diz estas palavras: «Senhor, o meu homem, teu servo, está morto.» À parte alguns detalhes, a cena é completamente contada. [  ↑  ] [ ◊ ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » O meu homem, teu servo, está morto 1

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A pequena centelha do intelecto é a cabeça da alma, ela chama-se «o homem» da alma, é como uma pequena centelha de natureza divina, uma luz divina, um raio e uma imagem de natureza divina impressa (na alma). Nós lemos que uma mulher solicitou o dom de Deus. O primeiro dom de Deus, é o Espírito Santo; nele, Deus dá todos os seus dons, é «a água viva». «Aquele a quem eu a dou nunca mais terá sede.» Esta água é graça e luz, ela jorra dentro da alma, jorra interiormente, ela eleva-se e «lança-se até à eternidade». Então a mulher diz: «Senhor, dá-me dessa água.» Nosso Senhor diz: «Traz-me o teu homem.» Ela diz: «Senhor, eu não tenho.» Nosso Senhor diz: «Tu dizes a verdade, tu não tens; tu tens cinco, e aquele que tu tens agora não é o teu homem.» Santo Agostinho diz: porque é que Nosso Senhor diz: «tu dizes a verdade»? Ele quer dizer: os cinco homens, são os cinco sentidos; eles tiveram-te na tua juventude completamente segundo a sua vontade e o seu desejo. Agora, na

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A mulher diz: «Senhor, o meu homem, teu servo, está morto.» «Servo» designa qualquer um que recebe e guarda para o seu mestre. Se ele o guardasse para si próprio, seria um ladrão. O intelecto é mais verdadeiramente «servo» que a vontade ou o amor. A vontade e o amor projetam-se sobre Deus enquanto Ele é bom e, se Ele não fosse bom, eles não lhe prestariam atenção. O intelecto penetra no alto até dentro do ser, antes de pensar na bondade, ou no poder, ou na sabedoria, ou em tudo o que é atributo. Aquilo que é acrescentado a Deus, ele não se ocupa disso; ele agarra-O em si próprio, ele mergulha no ser e agarra Deus enquanto que Ele é puramente ser. E se Ele não fosse nem sábio, nem bom, nem justo, ele agarrá-lo-ia enquanto que Ele é puramente ser. Aqui, o intelecto é semelhante à mais alta senhoria dos anjos que abraçam os três coros: os Tronos acolhem Deus neles, e guardam Deus neles, e Deus repousa neles; os Querubins confessam Deus e ficam próximo d'Ele; os Seraf

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Ora a mulher diz: «Senhor, o meu homem, teu servidor, está morto. Eles vieram, aqueles para com quem nós temos dívidas, e levaram os meus dois filhos.» O que são estes «dois filhos» da alma? Santo Agostinho - e como ele um outro, um mestre pagão - fala de duas faces da alma. Uma está voltada para este mundo e para o corpo; nesta (face) ela (a alma) pratica a virtude, o saber, e a vida santa. A outra face está voltada diretamente para Deus, nela está sem cessar a luz divina e aí opera, só que a alma não o sabe, porque ela não está em casa dela. 1 Quando a pequena centelha da alma está agarrada em Deus na sua pureza, o «homem» vive. Então ocorre o nascimento, então o Filho nasce. Este nascimento não ocorre uma vez no ano, nem uma vez no mês, nem uma vez no dia, mas em todo o tempo, quer dizer acima do tempo, na amplitude que não é nem aqui, nem agora, nem natureza, nem pensamento. É por isso que nós dizemos «filho» e não «filha». 2 Agora falemos dos «dois filhos» nu

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Falemos ainda num outro sentido dos «dois filhos» do intelecto. Um é a «possibilidade», o outro é a «atividade». Ora um mestre pagão diz: «Nessa potência passiva, a alma pode tornar-se espiritualmente todas as coisas.» Na potência ativa, ela assemelha-se ao Pai, e faz de todas as coisas um ser novo. Deus teria querido imprimir nela a natureza de todas as criaturas, mas ela não existia antes do mundo. Deus criou espiritualmente todo este mundo em cada anjo antes que este mundo tenho sido criado nele próprio. 1 O anjo tem um conhecimento duplo. Um é uma luz matutina, o outro é uma luz vespertina. A luz matutina faz com que ele veja todas as coisas em Deus. A luz vespertina faz com que ele veja todas as coisas na sua luz natural. Se ele saísse para entrar dentro das coisas, seria a noite. Ele fica no interior, é por isso que esta luz se chama vespertina. Nós dizemos que os anjos rejubilam quando o homem realiza uma obra boa. Os mestres questionam se os anjos s

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A mulher diz: «Eles vieram, aqueles com quem nós temos dívidas e levaram os meus dois filhos para o serviço deles.» O profeta diz: «Pede emprestados vasos vazios aos teus vizinhos!» Esses vizinhos, são todas as criaturas, e os cinco sentidos, e todas as potências da alma - a alma tem nela muitas potências que agem muito secretamente - e também os anjos. A todos esses «vizinhos», tu deves «pedir emprestados vasos vazios». 1 Que Deus nos ajude para que nós peçamos emprestados muitos vasos vazios e que todos sejam cheios de sabedoria divina, afim de que nós possamos «pagar a nossa dívida» e viver eternamente «do que sobrar». Amém. 2 Notas O pregador regressa à cena da viuva a quem o profeta aconselhou a pedir emprestados vasos vazios aos seus vizinhos; esses vizinhos são todas as criaturas, os cinco sentidos, as diferentes potências da alma e os anjos. Todos os vasos emprestados devem ser cheios de sabedoria divina, afim de que nós compensemos a nossa dívida para vive

Mestre Eckhart – Era na noite do dia

É um puro repouso para quem está penetrado e ardente de amor divino Enquanto a alma estiver nalgum lugar, ela não está naquilo que Deus tem de mais íntimo Nada daquilo que é recolhido pelos sentidos penetra na alma, nem na potência mais elevada da alma No fundo onde Deus tem o seu próprio repouso, nós também devemos fazer o nosso repouso Tudo aquilo que nós podemos dizer de Deus é mais uma negação sobre aquilo que ele não é, do que uma afirmação sobre aquilo que ele é Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Era na noite do dia

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Sermão 36b - Era na noite do dia Era na noite do dia em que Nosso Senhor veio até aos seus discípulos, colocou-se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco!» (Jo 20, 19) Ora ele (o evangelista) diz: «era na noite do dia». Quando o calor do meio-dia penetra no ar e o aquece, o calor da noite acrescenta-se a ele e fica ainda mais quente: então a noite está no seu ardor mais forte por causa do calor que se adicionou. O ano, igualmente, tem a sua noite: o mês de agosto em que o ardor é mais forte do ano. É também a noite, numa alma que ama Deus. É um puro repouso para quem está penetrado e ardente de amor divino. Eis porque ele diz: «era na noite do dia». Nesse dia, a manhã, o meio-dia e a noite, acumulam-se e nada desaparece deles, enquanto que, num dia do tempo, a manhã e o meio-dia desaparecem e a noite sucede-lhes. Não é assim no dia da alma onde todas as coisas permanecem um. A luz natural da alma, é a manhã. Quando, nessa luz, a alma faz a sua penetração em

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«Jacob, o patriarca, chegou a um lugar e quis repousar durante a noite, quando o sol estava deitado.» Ele disse: «num local», ele não o nomeou. O lugar é Deus. Deus não tem nome próprio, ele é um lugar e o local de todas as coisas, e o lugar natural de todas as criaturas. O céu, naquilo que ele tem de mais elevado e de mais puro, não tem lugar, mas pela sua revolução, pela sua operação, ele é o lugar e o local de todas as coisas corporais que estão por baixo dele. O fogo é o lugar do ar, e o ar é o lugar da água e da terra. É o meu lugar aquilo que me rodeia, onde eu estou. Assim, o ar envolveu a terra e a água. Quanto mais uma coisa é subtil, mais ela é poderosa, assim ela pode agir em todas as coisas que são mais grosseiras e estão por baixo dela. A terra não pode ser verdadeiramente um lugar porque ela é muito grosseira e também o menor dos elementos. A água é, em parte, um lugar porque ela é mais subtil e portanto mais poderosa. Quanto mais um elemento é poder

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«Ele quis repousar naquele lugar.» Toda a riqueza, e toda a pobreza, e toda a beatitude residem na vontade. A vontade é tão livre e tão nobre que ela não aceita nenhuma coisa corporal, é pela sua própria liberdade que ela realiza a sua operação. O intelecto, esse, adquire muito das coisas corporais: nisso, a vontade é mais nobre. No entanto, é apenas numa parte do intelecto, num olhar para baixo e num abaixamento que esse conhecimento recebe a impressão das coisas corporais, mas na sua região mais elevada, o intelecto não recebe das coisas corporais. Um grande mestre diz: nada daquilo que é recolhido pelos sentidos penetra na alma, nem na potência mais elevada da alma. Santo Agostinho diz, e Platão, um mestre pagão, diz também que a alma tem naturalmente nela todo o saber, é por isso que ela não tem necessidade de atrair do exterior o saber para si, mas pelo exercício do saber exterior é manifestado o saber que está naturalmente escondido na alma: assim como um médico que a

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«Jacob quis repousar naquele lugar.» Esse lugar é Deus, o ser divino que dá a todas as coisas lugar e vida, ser e ordem. Nesse lugar, a alma deve repousar no mais elevado e no mais íntimo do lugar. Nesse mesmo fundo onde Ele tem o seu repouso, nós devemos, nós também, fazer o nosso repouso e possui-lo com Ele. 1 Notas Estamos tanto mais atentos às passagens onde se crê discernir o eco discreto de uma experiência pessoal de Eckhart quanto mais elas são raras. Parece que as conseguimos perceber aqui e ali nestes dois sermões paralelos. O que é esta luz divina que inunda a alma «quando diminui a luz deste mundo, que a pessoa está concentrada em si própria e repousa»? Não é aquilo que nos mostra a imagem mística com a qual o iluminador ornamentou um manuscrito de Suso? A alma, esquecendo todas as coisas, reflui para o abismo da essência divina «nesse lugar que não tem nome... lá onde todas as coisas foram Deus em Deus, ela repousa» assim como Mestre Eckhart nos diz a

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O lugar fica inominado e ninguém pode dizer sobre ele uma palavra apropriada. Toda a palavra que nós podemos dizer dele é mais uma negação sobre aquilo que Deus não é, do que uma afirmação sobre aquilo que ele é. Foi o que compreendeu um grande mestre; pareceu-lhe que em tudo aquilo que ele pudesse dizer sobre Deus por intermédio das palavras, ele não poderia exprimi-lo verdadeiramente sem que dissesse sempre qualquer coisa falsa. Foi por isso que ele se calou sem nunca querer pronunciar uma palavra, e os outros mestre troçaram muito dele. Por esta razão, vale mais calarmo-nos sobre Deus do que falar dele. Ele disse também: «Foi na noite do dia, então Nosso Senhor apareceu no meio dos seus discípulos e disse: "A paz esteja convosco!"» 1 Que o Espírito Santo nos ajude para que nós cheguemos à paz eterna e ao lugar inominado que é o ser divino. Amém. 2 Notas No fim do seu sermão, Eckhart recorda a palavra de Cristo com a qual começou: «A paz esteja convos

Mestre Eckhart – Jesus apareceu entre os seus discípulos

É um dia total e pleno na alma quando ela fica cheia da luz divina O lugar da alma é só a Divindade Convém guardar totalmente o silêncio sobre Aquele que é a origem de todas as coisas Nós não podemos falar de Deus em termos adequados A alma traz impressa nela o modelo de todo o saber Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jesus apareceu entre os seus discípulos

Mestre Eckhart – Jesus apareceu entre os seus discípulos 1

Sermão 36a - Jesus apareceu entre os seus discípulos São João escreve-nos no seu evangelho: «No primeiro dia da semana, chegada a noite, Nosso Senhor apareceu entre os seus discípulos, estando as portas fechadas, e disse: "A paz esteja convosco!" e de novo: "A paz esteja convosco!" e a terceira vez: "Recebam o Espírito Santo!"» (Jo 20, 19) 1 Ora nunca chega a noite se não houve antes uma manhã e um meio-dia. Diz-se que o meio-dia é mais quente que a noite. Na medida no entanto em que a noite inclui em si (o calor) do meio-dia e acrescenta (o seu próprio) calor, ela é mais quente, porque com a noite se termina um dia inteiro e pleno. Mais tarde no ano, depois do solstício, quando o sol se aproxima da terra, a noite torna-se (a mais) quente. Nunca o meio-dia pode chegar se a manhã não desapareceu e a noite não pode vir se o meio-dia não desapareceu. Isto significa: quando a luz divina brilha mais e mais na alma até que se produza um dia total

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«Jacob o patriarca veio a um certo lugar quando era noite, pegou em pedras que se encontravam aí, colocou-as debaixo da cabeça e repousou. Durante o sono, viu uma escada erguer-se para o céu, os anjos subiam e desciam, e no alto Deus inclinou-se para a escada.» O lugar onde Jacob dormiu não é nomeado. Isto significa: o lugar da alma é só a Divindade, e ela não tem nome. Ora os nossos mestres dizem: o que é o lugar de uma coisa deve estar por cima dela, da mesma forma que o céu é o lugar de todas as coisas. O fogo é o lugar do ar, o ar é o lugar da água e da terra, mas a água não é plenamente o lugar da terra, e a terra não é de todo um lugar. O anjo (mais baixo) é o lugar do céu, e cada anjo que recebeu de Deus uma gotinha mais que o outro é o lugar e o sítio dos outros, e o anjo mais elevado é o lugar e o sítio e a medida de todos os outros, mas ele próprio é sem medida. No entanto, apesar dele ser sem medida, Deus é no entanto a sua medida. 1 Notas O pregador pa

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«Jacob repousou neste lugar» sem nome. Pelo facto de não se lhe dar um nome, ele é nomeado. Quando a alma chega neste lugar que não tem nome, ela toma aí o seu repouso; aí onde todas as coisas foram Deus em Deus, ela repousa. O lugar da alma, que é Deus, não é nomeado. Eu digo que Deus é inexpresso. Ora Santo Agostinho diz que Deus não é inexpresso, porque se ele fosse inexpresso, isso seria uma asserção, e o silêncio é mais apropriado que o falar. A um dos nossos mais antigos mestres (Heráclito) que encontrou a verdade já há muito tempo, e muito tempo antes do nascimento de Deus, antes que a fé cristã fosse tal como ela é agora, ele considerava que tudo aquilo que ele pudesse dizer sobre as coisas trazia em si qualquer coisa de estrangeiro e de falso, e é por isso que ele se queria calar. Ele não queria dizer: «Dêem-me pão ou dêem-me de beber!» Para ele, eram coisas de que ele não queria falar porque ele não conseguia falar delas com tanta clareza quanta elas têm quand

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Nós dizemos que Deus é um espírito. Não é assim. Se Deus fosse um espírito, ele seria, no sentido próprio, expresso. São Gregório diz: nós não podemos falar de Deus em termos adequados. Aquilo que nós dizemos dele, nós devemos balbuciá-lo. Neste lugar sem nome, todas as criaturas verdejam e florescem numa justa ordenação, e o lugar de todas as criaturas determina-se absolutamente pelo fundo deste lugar de justa ordenação, e o lugar da alma flui deste fundo. 1 Notas Seguindo o seu gosto pelo paradoxo, Eckhart cita o texto de São Gregório: Deus não é um espírito. Pretendê-lo seria querer dar uma definição de Deus, o que é impossível: falando de Deus, nós não podemos fazer mais que balbuciar. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jesus apareceu entre os seus discípulos 4

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«Jacob quis repousar.» Reparem! «ele quis repousar». Para aquele que repousa em Deus, o repouso está fora da sua vontade. Nós dizemos: a vontade não é um assunto de treino. A vontade é livre, ela não adquire nada da matéria. Neste ponto, ela é mais livre do que o conhecimento; certas pessoas insensatas tropeçam aqui e pretendem que ela está acima do conhecimento. Não é assim, mas o conhecimento adquire da matéria e das coisas corporais num lugar da alma, como eu disse na vigília da Páscoa: certas potências da alma estão ligadas aos cinco sentidos, tais como o ver e o ouvir que introduzem nela (alma) aquilo de que ela deve ser informada. Um mestre diz: Deus não quer absolutamente que os olhos e as orelhas levem o que possa carregar a parte mais nobre da alma, mas (que levem) exclusivamente o lugar sem nome que é o lugar de todas as coisas. 1 O resto é certamente uma boa preparação, favorável no sentido em que (esse levar do exterior) está misturado com a cor, com os son