Mestre Eckhart – O amor de Deus manifestou-se por nós 6

  1. É por isso que este pequeno texto que eu aqui vos apresentei diz isto: «Deus enviou o seu Filho único para o mundo»; vocês não devem entender isto como um mundo exterior, onde ele comia e bebia conosco, vocês devem entendê-lo do mundo interior.1
  2. Tão verdadeiramente que, na sua natureza simples, o Pai engendra naturalmente o seu Filho, também verdadeiramente ele o engendra dentro do mais íntimo do espírito, e é esse o mundo interior.
  3. Aqui, o fundo de Deus é o meu fundo, e o meu fundo é o fundo de Deus.
  4. Aqui eu vivo segundo o meu ser próprio, como Deus vive segundo o seu ser próprio.
  5. Para aquele que alguma vez lançou num instante um olhar para dentro desse fundo, para esse ser humano mil marcos de ouro vermelho cunhado são como um heller falso.
  6. É a partir desse fundo mais íntimo que tu deves operar todas as tuas obras, sem «porquê».2
  7. Eu digo-o em verdade: todo o tempo que tu realizas as tuas obras pelo reino celeste, ou por Deus, ou pela tua eterna beatitude, quer dizer a partir do exterior, tu não és verdadeiramente tal como tu deves ser.
  8. Tu podes bem ser aceite assim, é verdade, mas não é o melhor.
  9. Porque na verdade, se tu imaginas receber de Deus para dentro da tua interioridade, a piedade, a doçura ou uma graça particular, mais do que ao pé do teu fogo ou dentro do estábulo, tu não fazes mais senão como se tu tomasses Deus, lhe enrolasses um cobertor em volta da cabeça e o empurrasses para debaixo dum banco.3
  10. Porque aquele que procura Deus segundo um modo, toma o modo e deixa Deus que está escondido dentro do modo.
  11. Mas aquele que procura Deus sem modo, toma-o tal como ele é em si próprio, e esse ser humano vive com o Filho e ele é a própria vida.
  12. Aquele que perguntasse à vida durante mil anos: «Porque vives tu?», se ela pudesse responder, ela não diria outra coisa senão isto: «Eu vivo porque eu vivo».
  13. É porque a vida vive a partir do seu próprio fundo e jorra do seu ser próprio, eis porque ela vive sem porquê porque ela vive por ela própria.
  14. Àquele que perguntasse a um ser humano sincero que opera a partir do seu próprio fundo: «Porquê operas tu as tuas obras?» para responder corretamente, ele não deveria responder outra coisa que não fosse: «Eu opero para operar.»

Notas

  1. «Ele enviou-o para o mundo.» Joga, como no sermão 5a, com o duplo sentido da palavra «mundum». Eckhart interpreta esta palavra no sentido de «mundo interior». [  ]
  2. Encontramos nele a necessidade constantemente do desprendimento. A expressão que ele lhe dá aqui será ainda mais desenvolvida num outro sermão: é preciso vivermos «sem porquê». Regressaremos a este assunto mais adiante. [  ]
  3. «...se tu imaginas receber de Deus para dentro da tua interioridade, a piedade, a doçura ou uma graça particular, mais do que ao pé do teu fogo ou dentro do estábulo, tu não fazes mais senão como se tu tomasses Deus, lhe enrolasses um cobertor em volta da cabeça e o empurrasses para debaixo dum banco.» Já encontramos esta imagem no sermão 5a, mas aqui ela está mais desenvolvida. [  ]
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