Mestre Eckhart – Jesus entrou no templo 5

  1. Quando esse templo se liberta assim de todos os obstáculos, quer dizer, do agarrar ao eu e da ignorância, o seu brilho é tão belo, brilha com tanta pureza e claridade acima de tudo o que Deus criou e através de tudo o que Deus criou, que nada pode ter tanto brilho, senão apenas o Deus incriado.
  2. E com toda a verdade: ninguém é realmente semelhante a esse templo, senão apenas o Deus incriado.
  3. Tudo o que está por baixo dos anjos não se assemelha absolutamente nada a esse templo.
  4. Os próprios anjos mais elevados assemelham-se um pouco a esse templo da alma nobre, mas não completamente.
  5. É exato que eles se assemelham à alma nalgum grau, quanto ao conhecimento e ao amor.
  6. No entanto, é-lhes fixada uma finalidade, eles não a podem ultrapassar.
  7. A alma pode ir bem mais além.
  8. Se a alma dum ser humano que ainda vive no tempo fosse igual ao anjo mais elevado, esse ser humano poderia ainda, segundo a sua livre possibilidade, chegar incomparavelmente mais alto acima do anjo, de novo, em cada instante, sem número, quer dizer sem modo, acima do modo dos anjos e de todo intelecto criado.
  9. Só Deus é livre e incriado, e é por isso que apenas ele é semelhante à alma quanto à liberdade, mas não quanto ao caráter de incriado, porque ela é criada.1
  10. Quando a alma chega à luz sem mistura, ela penetra no seu nada, tão longe desse nada da sua qualquer coisa de criada que ela não pode absolutamente nada regressar pela sua própria força à sua qualquer coisa de criada.2
  11. E Deus, pelo seu ser incriado, sustém o nada da alma e mantém a alma na sua própria qualquer coisa.
  12. A alma correu o risco de ser aniquilada e também não pode regressar por ela própria a ela própria, tanto ela se escapou para longe dela própria antes que Deus a tivesse sustentado.3
  13. É necessário que isto seja assim.
  14. Porque, assim como eu disse anteriormente, Jesus tinha penetrado no Templo e tinha expulsado de lá aqueles que compravam e vendiam e começou a dizer aos outros: «Tirem isso!»
  15. Sim, vejam, agora eu pego nesta pequena frase: «Jesus entrou e começou a dizer: «Tirem isso!» e eles tiraram.»
  16. Vejam, não havia lá mais ninguém senão Jesus e ele começou a falar no Templo.
  17. Vejam, saibam com verdade! se alguém outro, para além de Jesus apenas, quer falar no templo, quer dizer dentro da alma, Jesus cala-se como se não estivesse em sua casa, e ele também não está em sua casa dentro da alma, porque ela tem hospedes estrangeiros com os quais ela fala.
  18. Mas se Jesus deve falar dentro da alma, é preciso que ela esteja sozinha e que ela própria se cale se ela quer ouvir falar Jesus.
  19. Ah! e então ele entra e começa a falar.
  20. O que diz o Senhor Jesus? Ele diz aquilo que ele é.
  21. Então, o que ele é? Ele é o Verbo do Pai.
  22. Nesse mesmo Verbo, o próprio Pai exprime-se e exprime toda a natureza divina, e tudo o que Deus é e tal como o Verbo conhece Deus, e o Verbo conhece Deus tal como ele é.
  23. E como o Verbo é perfeito no seu conhecimento e no seu poder, o Verbo é perfeito também na sua palavra.
  24. Ao exprimir o Verbo, o Pai exprime-se a si próprio e todas as coisas numa outra Pessoa.
  25. O Pai dá ao Verbo a mesma natureza que ele próprio tem, e exprime nesse mesmo Verbo todos os espíritos dotados de intelecto, semelhantes a esse mesmo Verbo segundo a imagem, na medida em que esta imagem permanece no interior, não no entanto semelhante de toda a maneira a esse mesmo Verbo; quando a imagem se expande para fora, cada imagem tem o seu ser próprio, mas as imagens receberam a possibilidade de obter pela graça uma semelhança com esse mesmo Verbo.
  26. E esse mesmo Verbo, tal como ele é nele próprio, o Pai o exprimiu totalmente: exprimiu o Verbo, e tudo o que está dentro do Verbo.

Notas

  1. Desde as primeiras linhas do sermão, Eckhart falou da alta nobreza da alma citando o texto da Génese que a diz criada à imagem de Deus. Só Deus está acima da alma humana, mas o mestre marca, com uma palavra, o limite da semelhança entre a alma e Deus: o fato que a alma é criada enquanto que Deus é incriado. [  ]
  2. Em seguida encontramos uma passagem na qual Eckhart tenta fazer compreender aquilo que as palavras humanas não são completamente capazes de exprimir: «Quando a alma chega à luz sem mistura, ela penetra no seu nada, tão longe desse nada da sua qualquer coisa de criada que ela não pode absolutamente nada regressar pela sua própria força à sua qualquer coisa de criada.» É preciso que Deus a leve lá.
    A alma sai do seu estado normal para penetrar na «luz sem mistura», quer dizer na natureza inefável de Deus, na Divindade, e não pode regressar de lá senão sustentada pelo Deus incriado. Nós compreendemos bem que esse «nada» de que Eckhart fala aqui não deve ser interpretado no mesmo sentido que o «nada» de todo o criado. O contexto mostra-nos que esse «nada» é a «qualquer coisa» na alma que o mestre não tem o costume de designar assim. Os termos estão mesmo invertidos: a alma penetra no seu «nada», no seu nada de nada, no seu «fundo» onde ela se une ao «fundo» divino. [  ]
  3. Neste processo, a alma corre o risco de se aniquilar em Deus e é preciso que o Deus incriado retorne a alma ao «qualquer coisa» de criado da alma. Esta passagem trata portanto da identidade do «fundo» da alma e do «fundo» de Deus. [  ]
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