Mestre Eckhart – O amor de Deus manifestou-se por nós 8

  1. Agora, coloca-se a questão: essa nobre vontade escorre de tal forma que ela não possa mais regressar?
  2. Os mestres dizem comumente que ela nunca regressa na medida em que ela escorreu com o tempo.
  3. Mas eu digo: Quando essa vontade se afasta um instante dela própria, e de todo o criado, para se voltar para a sua primeira origem, a vontade encontra-se no seu modo reto e livre, e ela é livre, e nesse instante, todo o tempo perdido é de novo reintegrado.1

Notas

  1. Para o especialista Josef Quint, a questão levantada no fim deste sermão, e que não tem paralelo no sermão 5a, pertence a um outro contexto. Ela relaciona-se ao problema tratado no sermão 44 e que ocupa inteiramente aquele sermão. Esse sermão esclarece o nosso texto.
    Nós lemos neste sermão 5b: «Essa nobre vontade escorre de tal forma que ela não possa mais regressar?» Dito de outra forma: as obras realizadas fora do estado de graça ficam definitivamente perdidas?
    Eis alguns pontos essenciais da argumentação no sermão 44.
    Se o ser humano realiza obras boas em estado de pecado mortal, ele não realiza essas obras a partir do pecado, mas sim a partir do fundo do seu espírito que é bom por natureza, apesar desse ser humano não estar em estado de graça e das obras que ele então realiza não merecerem o céu. O espírito não recebe o prejuízo, porque o fruto da obra, desprendido da obra e do tempo, que não têm ser em si, permanece dentro do espírito e não pode ser aniquilado, assim como o espírito também não pode ser aniquilado.
    Ao realizar as suas obras, o ser humano não perde nem as suas obras nem o seu tempo, porque ele dá assim um passo que o aproxima de Deus quando recuperar o estado de graça. «Quando essa vontade se afasta um instante dela própria, e de todo o criado, para se voltar para a sua primeira origem, a vontade encontra-se no seu modo reto e livre, e ela é livre, e nesse instante, todo o tempo perdido é de novo reintegrado.»
    Já no nosso sermão, Eckhart não temia opor-se: «Os mestres dizem comumente.. mas eu digo...» No sermão 44, ele defende ainda com mais vigor a sua opinião, porque ela é «a verdadeira verdade», mesmo se ela vai contra todos os mestres que vivem atualmente. (Ao falar apenas dos mestres vivos, quer ele evitar parecer que se insurge contra São Tomás que defende uma tese contrária?)
    Johann Tauler (1300-1361), discípulo de Eckhart, conheceu esta passagem do sermão 5b. Ele menciona a opinião dos outros mestres e prossegue: «Mas um grande e nobre mestre diz: «Desde que o ser humano se volta com o fundo do seu ser e da sua vontade, e leva o seu espírito para dentro do espírito de Deus, acima do tempo, tudo o que estava perdido é reintegrado nesse instante.»
    Este ponto de vista parece importante para aquilo a que se chamou «a ressurreição dos méritos.» [  ]
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