Mestre Eckhart – Assim se manifestou o amor de Deus 6

  1. Encontram-se pessoas que encontram gosto em Deus, segundo um modo, mas não segundo outro; elas querem possuir Deus por um modo de piedade, não por outro.
  2. Eu deixo andar, mas é um erro total.
  3. Para acolher Deus como deve ser, é preciso acolhê-lo igualmente em todas as coisas, nas penas como na satisfação, nas lágrimas como na alegria.
  4. Em todas as coisas, ele deve ser o mesmo para ti.
  5. Se tu não tens nem piedade nem compunção, sem o teres provocado por pecados mortais, acreditas que, pelo fato de tu não teres nem piedade nem compunção, tu não tens Deus?
  6. Se tu sofres por não teres nem piedade nem compunção, é precisamente aí que agora está a tua piedade e a tua compunção.1
  7. Não atribuas portanto muita importância a tal ou tal modo, porque Deus não está em nenhum modo, nem neste nem naquele.
  8. É por isso que aqueles que acolhem Deus assim se comportam mal para com ele.
  9. Eles acolhem o modo, e não Deus.
  10. Assim, retém esta frase: considera e procura unicamente Deus.
  11. E fica completamente satisfeito com os modos que se apresentarem.
  12. Porque a nossa intenção deve ser aplicada apenas a Deus, e a nada mais.
  13. Que em seguida tu ames, ou não ames, tal coisa, pouco importa, e fica a saber que de outra forma tu estás totalmente errado.
  14. Eles relegam Deus para debaixo dum banco, aqueles que se preocupam tanto com os modos.
  15. Lágrimas, suspiros, e muitas outras coisas análogas, tudo isso não é Deus.
  16. Se essas coisas te acontecerem, aceita-as e fica satisfeito; se elas não se apresentarem, fica também satisfeito, aceita o que Deus te quer dar nesse momento, permanece em todo o tempo numa humilde aniquilação e no rebaixamento de ti próprio, e parecer-te-à sempre que és indigno de qualquer bem que ele te poderia conceder, se ele o quisesse.
  17. Assim se encontra explicado o texto de São João: «Eis como o amor de Deus por nós se manifestou.»
  18. Se nós fossemos assim, esse bem seria manifestado em nós.
  19. Se ele nos está escondido, só nós somos a causa.
  20. Nós somos a causa de todos os nossos obstáculos.
  21. Guarda-te a ti próprio, e tu terás feito uma boa guarda.
  22. E mesmo se nós não quisermos adquirir esse bem, ele no entanto escolheu-nos para o possuirmos; se nós não o tomarmos, nós nos arrependeremos, e nós seremos objeto de grandes repreensões.
  23. Depende não dele, mas de nós, que nós cheguemos, ou não, lá onde esse bem é recebido.2

Notas

  1. O fim do sermão é uma longa variação sobre o tema do desprendimento. E eis, para a consolação das monjas que o escutam: relegam Deus para debaixo dum banco, aqueles que se preocupam tanto com o modo segundo o qual Deus se dá a eles. «Lágrimas, suspiros, e muitas outras coisas análogas, tudo isso não é Deus.» «Se tu não tens nem piedade nem compunção, sem o teres provocado por pecados mortais, acreditas que, pelo fato de tu não teres nem piedade nem compunção, tu não tens Deus? Se tu sofres por não teres nem piedade nem compunção, é precisamente aí que agora está a tua piedade e a tua compunção.» [  ]
  2. Esta tradução foi realizada a partir da tradução francesa de Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 1-30 - Tome I», Éditions du Seuil, Paris, 1974, p. 68-73. [  ]
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