Mestre Eckhart – Assim se manifestou o amor de Deus 2

  1. Um mestre diz: Quando eu penso que a nossa natureza é elevada acima das criaturas e se encontra no céu acima dos anjos, adorada por eles, eu rejubilo do mais profundo do meu coração que Jesus Cristo, meu caro Senhor, me tenha dado em próprio tudo aquilo que ele possui nele próprio.
  2. Esse mestre diz também que o Pai, em tudo aquilo que ele alguma vez deu ao seu Filho Jesus Cristo dentro da natureza humana, me teve mais em vista a mim, amou-me mais a mim do que a ele e deu-mo mais a mim do que a ele.1
  3. Como assim? Ele deu-lhe por minha causa e porque aquilo me era necessário.
  4. É por isso que tudo aquilo que ele lhe deu era com a minha intenção e ele deu-me tudo aquilo a mim como lhe deu a ele; eu não excetuo nada, nem a união, nem a santidade da Divindade, nem o que quer que seja.
  5. Tudo aquilo que ele alguma vez lhe deu, dentro da natureza humana, não me é mais estrangeiro, nem mais distante, que a ele, porque Deus não pode dar poucas coisas; ou ele dá tudo, ou ele não dá nada.
  6. O seu dom é absolutamente simples e perfeito, sem partilha e fora do tempo, incessantemente dentro da eternidade.2
  7. Estejam tão certos disto como da minha existência.
  8. Para receber assim dele, é preciso que nós estejamos dentro da eternidade, elevados acima do tempo.
  9. Dentro da eternidade, todas as coisas são presente.
  10. Aquilo que está acima de mim é-me tão próximo e tão presente como aquilo que está aqui ao pé de mim; e lá, nós receberemos o que nós devemos ter de Deus.
  11. Deus também não conhece nada de exterior a ele e o seu olhar só se fixa nele próprio.
  12. É por isso que Deus não nos vê quando nós estamos dentro do pecado.
  13. Deus conhece-nos, portanto, na medida em que nós estamos sem pecado.3
  14. E todas as obras que Nosso Senhor alguma vez realizou, ele as deu a mim de tal forma em próprio que elas não são menos meritórias para mim do que as obras que eu próprio realizo.
  15. Porque toda a sua nobreza nos pertence igualmente a todos e está igualmente ao nosso alcance, a mim como a ele, porque não recebemos nós uma parte igual?
  16. Ah! compreendam isto! Quando qualquer um pretende apropriar-se desse dom, receber igualmente esse bem e essa natureza humana comum que está da mesma forma ao alcance de todos – da mesma forma que não há dentro da natureza humana nada de estrangeiro, de mais distante ou de mais próximo – é necessário que tu te comportes com a mesma igualdade dentro da comunidade humana, sem estares mais próximo de ti próprio do que de um qualquer outro.
  17. Tu deves amar todos os seres humanos como a ti próprio, estimá-los e considerá-los da mesma maneira; aquilo que acontece a um outro, de bem ou de mal, é preciso que tu o consideres como tendo acontecido a ti próprio.4

Notas

  1. Tudo o que o Pai deu ao Filho, «ele deu-o ao Filho por causa de mim e porque isso me era necessário.» Pode estar aqui uma definição da Redenção conforme à teologia clássica, e o Mestre responderá aos seus críticos com um texto de São Tomaz: Deus não enviou o seu filho para dentro da carne por outra razão que não fosse a salvação dos seres humanos. Esta é uma das fórmulas que traduzem a união do ser humano com Cristo e a Divindade. [  ]
  2. O dom de Deus é absolutamente simples e perfeito, sem partilha e fora do tempo. Esse dom de Deus, é Deus ele próprio. É preciso portanto que, nós também, vivamos já na eternidade. A condição permanece sempre a mesma: o desprendimento. E primeiro, essa exigência elementar: o afastamento do pecado. [  ]
  3. Porque Deus vê todas as coisas em si próprio, ele não nos vê quando nós estamos dentro do pecado. [  ]
  4. Toda a nobreza de Nosso Senhor pertence a todos, é preciso, para participar nela plenamente, que tu te comportes com a mesma igualdade para com todos os seres humanos «sem estares mais próximo de ti próprio do que qualquer outro». A exigência evangélica não é tomada com ligeireza: amar todos os seres humanos como a si próprio, é considerar que aquilo que acontece a um outro, de bem ou de mal, acontece a ti próprio. [  ]
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