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A mostrar mensagens de janeiro, 2013

Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 4

Da brevidade desta obra, e como não se pode chegar a ela pela curiosidade do espírito nem pela imaginação. Mas, afim de que tu não erres, nem penses que esta obra é diferente daquilo que ela é, é preciso que eu te fale dela um pouco mais longamente, segundo o meu entendimento. Esta obra não reclama um longo tempo, como crêem alguns, para a sua verdadeira realização; é com efeito a operação mais breve de todas aquelas que o ser humano possa imaginar. Ela nunca dura mais, nem menos, do que um átomo 1 , o qual átomo, segundo a definição dos verdadeiros filósofos na ciência da astronomia, é a mais pequena parte do tempo: tão pequena que por causa mesmo da sua pequenez ele é indivisível e quase incompreensível. É sobre ele, sobre esse tempo, que está escrito: Todo o tempo que te é dado a ti, a ti será perguntado como tu o gastaste. E é motivo para que tu te preocupes com isso, porque ele não é nem mais longo nem mais curto, mas ele tem a medida certa, não mais, daquilo que é por d

Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 3

Como deve ser empreendida a obra que diz este livro, da sua preeminência sobre todas as coisas. Eleva para Deus o teu coração num impulso de humildade e de amor; pensa n'Ele apenas, e não nos Seus bens 1 . Assim, considera com repugnância todos os pensamentos que não sejam d'Ele 2 . Por forma a que no teu entendimento e na tua vontade, não haja outra obra senão a Sua 3 . E aquilo que tu tens de fazer, é esquecer todas as criaturas que Deus alguma vez fez, e mesmo as obras delas 4 , a fim de que nem o teu pensamento nem o teu desejo não se levantem nem se inclinem para nenhuma delas, nem no geral nem no particular 5 ; deixa-as existirem e não te preocupes com elas. A obra da alma que mais agrada a Deus, é esta 6 . Todos os santos e os anjos têm alegria neste trabalho e eles apressam-se a ajudar nele com todas as suas forças. Os demónios entram todos em furor quando tu te dedicas a ele, e eles esforçam-se tanto que eles podem conseguir que falhemos nele. Todos os humanos

Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 2

Curta exortação à humildade e à realização da obra que este livro diz. Também agora olha, miserável criatura, e vê o que tu és. O que és tu então, e em quê então tu mereceste ser assim chamado por nosso Senhor? Que fraco e miserável coração, completamente adormecido na preguiça, o qual não será acordado pela atração desse amor e pela voz desse apelo! Mas atenção, infeliz, desconfia imediatamente do teu inimigo, e não te consideres nunca mais santo ou melhor pelo facto da excelência desse apelo e pelo género de vida solitária onde tu entraste. Que miséria, pelo contrário, e que maldição, se tu não tiras o melhor de ti mesmo, quando tu tens o suporte da graça e da direção espiritual, para viveres segundo a tua vocação! Também, quanto maior é preciso que sejam a tua humildade e o teu amor espiritual pelo esposo, quando Ele que é o Deus todo-poderoso, Rei dos reis e Senhor dos senhores, se tornou humilde ao ponto de se abaixar até ti e, de todas as ovelhas do seu rebanho, te fazer a

Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 1

Dos quatro graus da vida do cristão; e como os percorre a vocação que diz este livro. Amigo espiritual em Deus, tu deves perfeitamente compreender que, grosseiramente, eu vejo quatro graus ou estados na vida do cristão: os quais são a saber, da vida comum (ou vulgar), da vida especial (ou religiosa), da vida solitária e da vida perfeita. Os três primeiros têm o seu começo e fim nesta vida; mas o quarto, que pela graça pode começar aqui, nunca terá fim a não ser na beatitude do céu. E tais como tu os encontras ordenados aqui, e em primeiro a vida comum, depois a vida especial, em seguida a vida solitária e a perfeita no fim, tais justamente e nesta mesma ordem são os graus, segundo a minha opinião, pelos quais, na sua grande misericórdia, Nosso Senhor te chama e te conduz a Ele no desejo do teu coração. Porque tu sabes bem que quando tu vivias anteriormente no grau comum da vida cristã e na companhia dos teus irmãos do mundo, foi muito evidentemente o Seu eterno amor – pelo qua

Nuvem de Desconhecimento – Advertência

Amigo espiritual em Deus, eu te peço e te adjuro de teres uma constante e sustida consideração e um perpétuo olhar sobre a maneira e a matéria da tua vocação. E que no teu coração tu dês graças a Deus de poder, pela assistência da Sua graça, te manter firmemente no estado, no grau e na forma de vida que tu plenamente escolheste contra todos os assaltos subtis dos inimigos espirituais e corporais, e triunfar até à coroa da vida que não tem fim. Amém. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Nuvem de Desconhecimento » Advertência

Nuvem de Desconhecimento – Prólogo

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo! Eu te peço e te adjuro, com toda a energia e força compatíveis com a caridade, a ti que terás este livro entre as tuas mãos, quer ele tenha chegado à tua posse por propriedade ou quer tu o tenhas à tua guarda, quer tu o vás transmitir ou quer tu o tenhas recebido de alguém, qualquer caso que seja eu te intimo, tanto quanto está no poder da sabedoria e da vontade, de não o leres, de não o copiares e de não o dares em leitura a alguém, e também de não permitires que ele seja lido, ou copiado, ou que seja dado em leitura, a menos que seja por alguém, ou a alguém, que tu presumes retamente que ele tem a intenção única e o desejo verdadeiro de se tornar num discípulo perfeito de Cristo, não apenas na vida ativa, mas ainda no ponto supremo da vida contemplativa, ao qual possa chegar nesta vida, pela graça, com a alma ainda completamente aprisionada, no entanto, neste corpo mortal; e que para isso o tenham preparado, e no teu conhecimento desd

Nuvem de Desconhecimento – Oração do prólogo

Ó Deus, para quem estão abertos todos os corações, e a quem falam todas as vontades, e para quem nada de secreto permanece escondido: eu Vos suplico de purificar os desígnios do meu coração pelo inefável dom da Vossa graça, por forma a que eu possa perfeitamente Vos amar, e dignamente Vos louvar. Amém. 1 Nota São quase os mesmos termos da Oração da Missa Votiva do Espírito Santo. [ ↑ ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Nuvem de Desconhecimento » Oração do prólogo

Nuvem de Desconhecimento – Capítulos 1 a 9

Introdução Oração do prólogo Prólogo Advertência Dos quatro graus da vida do cristão; e como os percorre a vocação que diz este livro Curta exortação à humildade e à realização da obra que este livro diz Como deve ser empreendida a obra que diz este livro, da sua preeminência sobre todas as coisas Da brevidade desta obra, e como não se pode chegar a ela pela curiosidade do espírito nem pela imaginação Que no tempo desta obra, todas as criaturas que alguma vez existiram, existem agora ou existirão, e todas as obras dessas mesmas criaturas, devem estar escondidas sob a nuvem do esquecimento Curta consideração da obra que se trata, tirada de uma questão Como o ser humano se guardará, nesta obra, contra todos os pensamentos, e particularmente contra aqueles saídos da curiosidade e da astúcia do espírito natural Um bom esclarecimento de certas dúvidas que podem surgir nesta obra, tirado de uma questão, pela refutação da própria curiosidade e astúcia do espírito humano natural

Nuvem de Desconhecimento

Imagem
Um livro de contemplação chamado Nuvem de Desconhecimento no qual a Alma é unida a Deus Capítulos 1 a 9 Capítulos 10 a 19 Capítulos 20 a 29 Capítulos 30 a 39 Capítulos 40 a 49 Capítulos 50 a 59 Capítulos 60 a 69 Capítulos 70 a 75 Índice Analítico Início » Espiritualidade » Nuvem de Desconhecimento

Livro da Vida Perfeita – Oração final

Afim de que nós nos possamos renunciar a nós próprios e morrer à nossa própria vontade e viver apenas por Deus e pela sua vontade, que nos ajude Aquele que entregou a sua vontade ao seu Pai celeste e que vive e reina eternamente com Deus Pai na unidade do Espírito Santo na perfeita Trindade. Amém. [ Anterior ] [ Índice ] [ ◊ ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » Oração final

Livro da Vida Perfeita – Estar de guarda sempre

É preciso igualmente observar isto: quando o ser humano chega a este ponto, onde ele pensa e imagina estar no objetivo, é altura para ele estar de guarda por forma a que o diabo não semeie aí as suas cinzas. Que ele tome guarda para que a natureza não procure e tome então a sua satisfação, o seu repouso e o seu bem-estar, e que ela não se deixe arrastar para uma liberdade e uma indiferença loucas e desordenadas que são estranhas e desconhecidas à vida verdadeiramente divina. É o que acontece ao ser humano que não seguiu o bom caminho e que não quer entrar pela boa porta – quer dizer por Cristo, como nós mostramos. É o que acontece ao ser humano que imagina poder ou querer chegar à suprema Verdade de outra forma ou por outro caminho – e que pensa já lá ter chegado antes de lá ter chegado verdadeiramente... Cristo, ele próprio, atestou-o quando disse: « Aquele que quer entrar de outra forma sem ser por mim, esse nunca entrará e não chegará à suprema verdade: é um ladrão e um

Livro da Vida Perfeita – Ser a mão de Deus

Uma curta frase ainda: tornarmo-nos para Deus aquilo que a mão é para o ser humano, é nisso que o ser humano deve encontrar o seu contentamento. É isso verdadeiramente que ele deve fazer. É isso que todas as criaturas devem a Deus, na verdade e na justiça, e particularmente todas as criaturas inteligentes, na primeira fila das quais está o ser humano. É isso que vocês podem observar em tudo aquilo que foi escrito aqui. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » Conclusão » Ser a mão de Deus

Livro da Vida Perfeita – O que deveria ser o ser humano

Este longo discurso, que se acaba agora de escrever, quer fazer compreender, muito brevemente, como é que o ser humano deveria ser na verdade e na justiça. Não deveria haver nada no ser humano que ele se atribua, queira, deseje, ame ou pense, o que quer que seja, fora de Deus apenas e da Divindade –, quer dizer do Bem eterno, único e perfeito. Desde que haja no ser humano qualquer coisa que ele se atribua, queira, pense ou deseje, o que quer que seja, para além ou mais do que o Bem eterno, essa «qualquer coisa» é demasiada. É um mal. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » Conclusão » O que deveria ser o ser humano

Livro da Vida Perfeita – A passagem para o inefável

Se o melhor é o que nós devemos amar e imitar mais, é preciso que o Bem único e eterno seja amado unicamente e mais do que tudo. É preciso que o ser humano se agarre a Ele apenas, e se una a Ele tanto quanto isso seja possível. Se devemos atribuir todo o bem ao Bem único e eterno – como é verdadeiro e justo que se faça –, também é verdade atribuir-Lhe todo começo, todo progresso e toda realização. Tudo isso Lhe deve ser plenamente reconhecido e atribuído, por forma a que não fique nada que seja devido ao ser humano e à criatura. Sim, na verdade, deve ser assim, que se diga e cante tudo o que se quiser! Porque é assim que se acede a uma verdadeira vida interior. Mas o que advém em seguida – o que é então revelado e provado –, ninguém o sabe cantar nem dizer. Não há boca que alguma vez o tenha exprimido, nenhum coração que alguma vez o tenha pensado nem conhecido tal qual é na verdade. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Pe

Livro da Vida Perfeita – Outro caminho para a vida interior

Uma outra via de acesso excelente seria esta: apercebermo-nos que o Melhor deve ser o mais amado, escolhermos o Melhor, persistirmos e unirmo-nos a Ele – em primeiro lugar nas criaturas. « Mas o que é o Melhor nas criaturas? » Ele está lá, onde o Bem eterno e perfeito, e tudo o que lhe pertence, brilha e age mais, lá onde Ele é o mais conhecido e o mais amado. « Mas o que é de Deus, e Lhe pertence? » É tudo o que se pode, verdadeiramente e justamente, chamar «bom». Vê: quando nos agarramos assim ao que conhecemos como sendo o melhor nas criaturas, ao mantermo-nos lá sem voltarmos para trás, chegaremos brevemente a qualquer coisa de melhor, depois a uma outra ainda melhor – até que o ser humano conheça e saboreie que o Eterno, o Um, o Perfeito é sem medida, sem número e está para lá de todo o bem criado. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » A vontade eterna » Outro caminho para a vida interior

Livro da Vida Perfeita – O caminho para a verdadeira vida interior

Tudo o que se disse aqui diz respeito ainda à vida exterior. É um caminho e um acesso em direção à verdadeira vida interior. Porque a vida interior começa depois da vida exterior. Quando o ser humano saboreia o Perfeito, tanto quanto é possível, todas as coisas criadas e o ser humano ele próprio tornam-se para ele num nada. Quando sabemos na verdade que o Perfeito é Tudo em tudo e para além de tudo, segue-se necessariamente que devemos atribuir todo o bem – o ser, a vida, o conhecimento, o saber, o poder, etc. – ao único Perfeito e não às criaturas. Daí resulta que o ser humano não atribui a ele mais nada: nem vida nem ser, nem poder nem saber, nem ação nem omissão – nem nada a que se possa chamar um bem. O ser humano torna-se assim completamente pobre, ele aniquila-se a si próprio e com ele todas as coisas, quer dizer todas as coisas criadas. Apenas então começa uma verdadeira vida interior. A partir desse momento, Deus torna-se no próprio homem. Não há aí mais nada q

Livro da Vida Perfeita – A atração do Pai

Observa agora como o Pai atrai para Cristo. Quando qualquer coisa desse Bem perfeito é revelada e manifestada à alma ou ao ser humano – como numa intuição ou num êxtase –, nasce no ser humano o desejo de se aproximar desse Bem perfeito e de se unir a Ele. Quanto mais esse desejo cresce nele, mais revelação ele recebe. Quanto mais ele recebe de revelação, mais ele deseja e sente atração. É assim que o ser humano é atraído e chamado à união com o Bem eterno. É o que se chama «a atração» do Pai. E, Aquilo que o atrai, ensina-lhe que ele não pode aceder à união se não vem pela vida de Cristo. É então que ele começa a seguir essa vida de que falamos mais acima. Tem atenção agora a estas frase de Cristo. A primeira: « Ninguém vai ao Pai sem ser por mim » (Jo 14, 6), quer dizer «pela minha vida», como se disse mais acima. A segunda: « Ninguém vem a mim , quer dizer, ninguém adota a minha vida e me segue, se ele não é movido e atraído pelo meu Pai » (Jo 6, 44), quer dizer «p

Livro da Vida Perfeita – O Pai

« Ninguém vem a mim, disse Cristo, se o Pai não o trouxer a mim » (Jo 6, 44). Estejam bem atentos: por «o Pai», eu entendo o Bem simples e perfeito que é Tudo e para lá de tudo, sem o qual e fora do qual não existe nenhum ser verdadeiro, nenhum verdadeiro bem, sem o qual não se produz nem se produzirá nunca nenhuma boa ação. Visto que Ele é Tudo, Ele deve também estar em tudo e para lá de tudo. Ele não pode ser nenhuma das coisas que a criatura, como tal, pode apreender ou compreender. Porque o que a criatura como tal – quer dizer, segundo a sua natureza criada – pode apreender e compreender é sempre qualquer coisa – isto ou aquilo –, e portanto sempre criatura. Se o Bem simples e perfeito fosse alguma coisa – isto ou aquilo – que a criatura compreende, Ele não seria Tudo nem estaria em tudo, Ele não seria «perfeito». É por isso que lhe chamam também «nada». Querem dizer com isto que Ele não é nada do que a criatura – segundo a sua natureza criada – pode apreender, conh

Livro da Vida Perfeita – O bom caminho

Aquele que vivesse essa vida, iria e viria por Cristo. Porque ele seria o seu sucessor. Com ele e por ele, ele iria ao Pai. Ele seria um verdadeiro servidor de Cristo, segundo aquilo que ele próprio disse: « Aquele que quer servir-me, que me siga! » (Jo 12, 26), o que quer dizer: «Aquele que não me segue, também não me serve!» Portanto, aquele que segue e que serve Cristo, esse chega lá onde está Cristo: no Pai. É o que o próprio Cristo disse: « Pai, eu quero que lá onde eu estou, esteja também o meu servidor. » (Jo 17, 24). Aquele que segue este caminho, entrará pela porta do redil – quer dizer, na vida eterna – e o guarda lhe abrirá a porta. Aquele que segue um outro caminho – aquele que imagina querer ou poder ir ao Pai ou à Felicidade eterna sem ser por Cristo –, esse engana-se. Ele não segue o bom caminho e não entrará pela boa porta. É por isso que não lhe abrirão a porta, porque ele é um ladrão e um brigão, segundo as próprias palavras de Cristo (Jo 10, 1-3). Ag

Livro da Vida Perfeita – Estar atento a si próprio

« Ninguém vem ao Pai, disse Cristo, sem ser por mim » (Jo 14, 6). Observem agora como se deve, por Cristo, ir ao Pai. O ser humano deve estar atento a ele próprio e a tudo o que é seu, no interior como no exterior. Ele deve conter-se e guardar-se – tanto quanto é possível – afim de que não surjam e não permaneçam nunca no interior dele outra vontade, desejo ou amor, outro pensamento, ideia ou desejo que o que pertenceria e conviria a Deus se Ele fosse Ele próprio esse ser humano. Quando ele se apercebe que surge nele qualquer outra coisa – que não pertence e não convêm a Deus –, ele deve aniquilá-la nele e resistir-lhe o mais rápido e o melhor que pode. Devemos ser iguais no exterior, quando se trata de fazer ou de não fazer, de parecer ou de se calar, de vigiar ou de dormir – em resumo de todos os atos e comportamentos do ser humano com respeito a ele próprio e aos outros seres humanos. Ele deve estar atento a tudo isto: ele não se deve voltar para nenhuma outra coisa

Livro da Vida Perfeita – Tomar a cruz

Tudo o que se escreveu aqui, Cristo ensinou-o com uma longa vida – trinta e três anos e meio – e com esta simples palavra: « Segue-me! » (Mc 2, 14). Aquele que o quer seguir tem que abandonar tudo. Porque nele tudo estava abandonado também completamente, tanto quanto isso foi e será alguma vez possível numa criatura. Aquele que o quer seguir deve carregar a sua cruz: e essa cruz não é outra senão a própria vida de Cristo. Ela é uma cruz amarga à natureza toda. É por isso que ele disse: « Aquele que não abandona tudo e não toma sobre si a sua cruz, esse não é digno de mim. Ele não é meu discípulo e não me segue » (Mt 10, 38). A natureza falsamente livre imagina que abandonou tudo. Mas ela não quer a cruz. Ela pretende que já a teve bastante e não tem mais necessidade dela. Ela engana-se! Se ela tivesse uma única vez provado a cruz, ela não desejaria mais deixá-la. Quem acredita em Cristo deve acreditar em tudo o que está escrito aqui. Amém. [ Anterior ] [ Índi

Livro da Vida Perfeita – Não ter nada de próprio

Se não existisse vontade própria, não haveria nada de próprio. No Reino celeste, não há nada de próprio. É por isso que lá reside o contentamento, a verdadeira paz e a felicidade. Se existisse lá alguém que atribuísse a si alguma coisa de próprio, seria preciso que ele saísse do céu e caísse no inferno: seria preciso que ele se tornasse num diabo. No inferno, inversamente, cada um quer ter a sua própria vontade. É por isso que tudo lá é infelicidade e perdição. Passa-se o mesmo no mundo. Mas se existisse alguém no inferno que não tivesse vontade própria e não tivesse nada de próprio, ele sairia imediatamente do inferno e passaria para o Reino celeste. O ser humano está, neste mundo, entre o Reino celeste e o inferno. Ele pode voltar-se para um ou para o outro. Quanto mais ele possui de próprio, mais ele se encontra no inferno e na perdição. E quanto menos ele tem de vontade própria, menos ele está no inferno e mais ele está próximo do Reino celeste. Se o ser humano pud

Livro da Vida Perfeita – A nobre liberdade não existe sem sofrimento

Quando a vontade pode usar a sua liberdade no ser humano, ela aí realiza a sua obra própria – que é o querer. Ela aí quer aquilo que ela quer sem ser entravada. Também, ela quer o que é melhor e o mais nobre em todas as coisas, e tudo o que não é bom e nobre lhe é contrário, ela entristece-se e deplora isso. Quanto mais a vontade é livre e desentravada, mais aquilo que é mau, injusto, maldoso e vicioso – tudo aquilo a que se chama e que é «pecado» – a entristece e a esforça. Observa-se isto em Cristo, em quem a vontade era a mais livre, a mais desprendida, a mais desapropriada que existiu e que alguma vez existirá em qualquer ser humano. Assim, a humanidade de Cristo foi a criatura mais livre e mais desprendida, e no entanto ela conheceu devido ao pecado – quer dizer, de tudo o que é contra Deus – os maiores sofrimentos, aflições e esforços que não conhecerá nunca nenhuma criatura. Inversamente, quando nos apropriamos da liberdade – quando não nos entristecemos nem nos afl

Livro da Vida Perfeita – Não se apropriar da única vontade

Aquilo que é livre não pertence a ninguém. Aquele que se apropria disso (daquilo que é livre) age injustamente. Entre tudo o que é livre, não há nada tão livre quanto a vontade. Quem se apropria dela, aquele que não a deixa à sua nobre liberdade, na sua livre nobreza, na sua livre condição, esse age injustamente. É o que fazem o diabo, Adão e todos os seus sucessores. Mas aquele que deixa a vontade na sua nobre liberdade, esse age justamente. É o que fazem Cristo e todos os seus sucessores. Aquele que rouba à vontade a sua nobre liberdade e se apropria dela, esse só terá por salário as preocupações e as aflições, os descontentamentos e as perturbações, as inquietações de todos os tipos de infelicidades. E isto durará todo o tempo em que ele agir assim – neste mundo e na eternidade. Aquele que deixa a vontade na sua livre condição, esse tem o contentamento, a paz, o repouso e a felicidade, neste mundo e na eternidade. Aquele que não se apropria da vontade, mas a deixa na su

Livro da Vida Perfeita – A dentada

O diabo e Adão – quer dizer, a falsa natureza – vêem apropriar-se desta falsa vontade e tornam-na sua. Eles utilizam-na para eles próprios e para o que é deles. Isto é o mal, a injustiça. Esta é a dentada de Adão na maçã. Isto é o que é interdito, o que é contra Deus. Enquanto a vontade própria permanecer em qualquer um, nunca haverá verdadeiro repouso. Isto tanto pode ser observado no ser humano como no diabo. Lá onde reside esta vontade própria – que é a apropriação pela qual nós atribuímos a nós próprios a vontade e a fazemos nossa –, nunca haverá verdadeira Felicidade, nem no mundo nem na eternidade. Se não abandonamos esta vontade própria neste mundo, se a levamos para lá do tempo, é de prever que nunca a possamos abandonar. Na verdade, não conhecemos nunca a paz nem o contentamento, nem o repouso, nem a felicidade. É o que se observa no diabo. Se não existisse a inteligência e a vontade nas criaturas, Deus permaneceria desconhecido. Ele não receberia o amor, o lo

Livro da Vida Perfeita – Toda vontade criada é de Deus

É a mesma vontade eterna que está em Deus originalmente e essencialmente – sem nenhuma ação nem nenhuma atividade – e que quer e age no ser humano ou na criatura. Porque pertence à vontade, e é próprio da vontade, o querer. O que faria ela para além disso? Ela seria inútil se ela não agisse. E ela não pode agir sem criatura. É por isso que a criatura deve existir. Deus quer que ela exista para que a sua vontade atue e aí tenha a sua própria realização, senão ela permaneceria e deveria permanecer n'Ele sem ação. É por isso que a vontade que está nas criaturas – a que se chama vontade «criada» - pertence a Deus tanto quanto a vontade eterna. Ela não pertence às criaturas. Porque Deus não pode querer ativamente e efetivamente sem as criaturas, Ele quer fazê-lo em e por elas. É por isso que a criatura não deve querer nada por essa vontade, mas é Deus que quer e deve querer ativamente por essa vontade – que está no ser humano e no entanto pertence a Deus. O ser humano, qu

Livro da Vida Perfeita – A inteligência e a vontade

« Se essa árvore – a vontade própria – é tão contrária a Deus e à vontade eterna, perguntarão, porque é que Deus a criou? E porque é que Ele a plantou no Paraíso? » O ser humano – ou a criatura – que deseja apreender e compreender o conselho secreto e a vontade de Deus, que quer saber porque é que Deus faz ou não faz isto ou aquilo, etc., esse ser humano não deseja nada mais para além de Adão e do diabo. Enquanto durar esse desejo, ele não será nunca diferente de Adão ou do diabo. Ele nunca conhecerá nada. Porque esse desejo tem raramente outro motivo que não seja o de ter prazer e de se glorificar: na verdade, é orgulho! Um ser humano verdadeiramente humilde e iluminado não deseja que Deus lhe revele os Seus segredos. Ele não pergunta porque é que Ele faz ou ordena isto ou aquilo. Ele deseja apenas aniquilar-se a si próprio e torna-se sem vontade. Ele deseja apenas que a vontade eterna viva e seja poderosa nele, que ela não seja entravada por nenhuma outra vontade e que el

Livro da Vida Perfeita – O Paraíso

« O que é então o Paraíso? » É tudo aquilo que existe aqui. Porque tudo o que existe, é bom e agradável. Tudo o que existe é agradável a Deus. É por isso que se chama – e é verdadeiramente – um Paraíso. Diz-se também que o Paraíso é um posto avançado ou uma periferia do Reino celeste. Assim tudo aquilo que existe aqui, é verdadeiramente uma periferia da eternidade ou daquilo que é eterno. E particularmente aquilo que se pode observar e conhecer de Deus e da eternidade no tempo e nas coisas temporais, nas criaturas e entre as criaturas. Porque as criaturas são uma via e uma baliza em direção a Deus e em direção à eternidade. Assim tudo isto é um posto avançado e uma periferia da eternidade. É por isso que se pode chamar-lhe – e é verdadeiramente – um Paraíso. Tudo o que está dentro deste Paraíso é permitido: tudo, com exceção de uma árvore e do seu fruto. Isto significa que, em tudo o que existe, nada é interdito, nada é contra Deus, nada exceto uma coisa: a vonta

Livro da Vida Perfeita – O que quer dizer «o inferno»

« Não existe nada no inferno, diz-se, em tão grande quantidade quanto a vontade própria. » É verdade. Não há mais nada no inferno para além da vontade própria. Não fosse a vontade própria, não existiria nem o inferno nem o diabo. Quando se diz: «Lúcifer caiu do reino dos céus», «ele afastou-se de Deus», etc., isto significa apenas que ele quis ter uma vontade própria, que ele não quis ser uma única vontade com a vontade eterna. Passou-se o mesmo com Adão no Paraíso. Quando se fala de «vontade própria», isto significa apenas «querer diferente da simples e eterna vontade». [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » A vontade eterna » O que quer dizer «o inferno»

Livro da Vida Perfeita – O que quer dizer «acreditar»

« Aquele que não acredita, ou que não pode ou não quer acreditar, esse, disse Cristo, é e será condenado e perdido » (Mc 16, 16). Isto é perfeitamente verdadeiro. Um ser humano que vem a este mundo não compreende e não pode compreender nada, a menos que acredite primeiro. Quem quer compreender antes de acreditar nunca perceberá nada. Com esta palavra «acreditar», não queremos dizer «acreditar nos artigos da fé cristã». Todo o ser humano, todo o cristão – pecador ou bem-aventurado, mau ou bom – acredita neles: devemos acreditar neles mesmo se nunca os podermos compreender. Com esta palavra «acreditar», falamos de qualquer coisa que pertence à verdade. Aquilo que se pode compreender e saber, devemos acreditar nisso antes mesmo de o compreender e de o saber. Sem isto nunca acederemos à verdadeira compreensão. É desta fé que fala Cristo. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » A vontade eterna » O que quer dizer «a

Livro da Vida Perfeita – Tudo o que existe é bom

« Se devemos amar todas as coisas, dirão, é preciso portanto amar também o pecado? » Não! Quando se diz «todas as coisas», entende-se «tudo o que é bom». Tudo o que existe, é bom enquanto o é. O próprio diabo é bom enquanto ele o é. Neste sentido, não existe nada que seja mau, nada que não seja bom. O pecado é de querer, desejar ou amar diferente de Deus. Esse querer não é um «ser»: é por isso que ele não é bom. Todas as coisas só são boas enquanto elas estão em Deus ou com Deus. Ora todas as coisas estão essencialmente em Deus, e mais essencialmente em Deus que nelas próprias. É por isso que todas as coisas são essencialmente boas. Se existisse qualquer coisa que não estivesse essencialmente em Deus, ela não seria boa. Vê: querer e desejar o que é contra Deus, isso não pode estar em Deus. Porque Deus não pode querer e desejar contra Deus e diferente de Deus. Querer e desejar desse modo é portanto mau – ou não é bom – ou não é mesmo nada. Deus ama as ações, ma

Livro da Vida Perfeita – Amar todas as coisas no Um

Aquele que quer ou que deva amar Deus, ama todas as coisas no Um, enquanto ele é Um. Ele ama o Um e o Tudo, em todas as coisas, enquanto elas estão no Um. Aquele que ama qualquer coisa – isto ou aquilo – sem ser no Um, e pelo amor do Um, esse não ama Deus. Porque ele ama qualquer coisa que não é Deus. Ele ama as coisas, mais do que Deus. Aquele que ama uma coisa mais do que Deus, ou tanto quanto Deus, esse não ama Deus. Porque Deus quer e deve ser o único amado. Na verdade, não devemos amar mais nada a não ser apenas Deus. Quando reside num ser humano a verdadeira luz, e o verdadeiro Amor, nada é amado a não ser Deus. Ele ama Deus, enquanto Bem, e porque Ele é o Bem. Ele ama todo o bem enquanto que Um, ele ama o Um enquanto que todo o bem. Porque, na verdade, são o Um, e o Um é todas as coisas em Deus. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Vida Perfeita » A vontade eterna » Amar todas as coisas no Um