Mestre Eckhart - Sermão da Pobreza 14


  1. Nós dizemos portanto que o ser humano deve ser tão pobre que ele não seja, nem tenha nele, nenhum lugar onde Deus possa operar.
  2. Enquanto ele reservar um lugar, ele guarda uma distinção.
  3. É por causa disso que eu peço a Deus que ele me liberte de "Deus", porque o meu ser essencial está acima de "Deus" enquanto nós apreendemos Deus como sendo o princípio das criaturas.
  4. Neste mesmo ser de Deus, onde Deus está acima do ser e acima da distinção, eu era eu próprio, eu queria-me a mim próprio, eu conhecia-me a mim próprio para fazer este ser humano [que eu sou].
  5. É por isso que eu sou a causa de mim próprio segundo o meu ser que é eterno, e não segundo o meu devir que é temporal.
  6. É por isso que eu sou não-nascido (ungeboren), e segundo o meu modo não-nascido, eu nunca posso morrer.
  7. Segundo o meu modo não-nascido, eu existi eternamente, e eu sou agora, e eu devo permanecer eternamente.
  8. Aquilo que eu sou segundo o meu nascimento, deve morrer e ser aniquilado, porque é mortal, é por isso que isso se deve corromper com o tempo.
  9. No meu nascimento [eterno], todas as coisas nasceram, e eu fui a causa de mim mesmo, e de todas as coisas, e se eu tivesse querido eu não existiria, e todas as coisas não existiriam, e se eu não existisse, "Deus" também não existiria.
  10. Que Deus seja "Deus", eu sou uma causa; se eu não existisse, Deus não seria "Deus". Não é necessário saber isto. 1

Notas
  1. O «deserto», a «solidão» acima de Deus é uma causa não ativa, eficiente, mas passiva, ideal de Deus.

    A expressão «eu era a causa de mim próprio» é muito forte: segundo o ensinamento tradicional, apenas Deus é causa sui.

    Mas no meu ser incriado, anterior à distinção entre Criador e criatura, eu fico para além do Deus criador.

    O fundo da alma, idêntico ao fundo de Deus, é o único organismo do ser humano, de Deus, do mundo...

    Na obra latina, encontra-se também o ebullitio, o escoamento das criaturas a partir da sua causa, à qual se opõe o bullitio intra-divino: na origem, para além do Deus criador «nasceram também todas as coisas», quer dizer que todas as coisas «buliriam» na origem no estado de sementes.

    Enquanto não há mundo criado, ou ser mortal para invocar Deus, Deus não é "Deus".

    Deus aparece só no frente a frente com a criatura.

    «Que Deus seja Deus, disso eu sou uma causa» - cada uma das criaturas é uma causa.

    «Qualquer que seja o sendo criado, desde que qualquer coisa existe, a dualidade aparece entre Deus e essa qualquer coisa» (Reiner Schürmann). [  ]


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