Imitação de Cristo - 4.1. Com que respeito devemos receber Jesus

  1. Alma: Estas são as vossas palavras, ó Jesus! verdade eterna! apesar delas não terem sido ditas ao mesmo tempo, e de não estarem escritas no mesmo lugar.
  2. E porque elas vêm de vós e são verdadeiras, eu devo recebê-las todas com uma fé plena de reconhecimento.
  3. Elas são vossas, porque sois vós que as proferistes; mas elas também são minhas porque vós as dissestes para a minha salvação.
  4. Eu recebo-as com alegria da vossa boca, para que elas se gravem profundamente no meu coração.
  5. Essas palavras, cheias de tanta bondade, de ternura e de amor, animam-me; mas o pensamento dos meus crimes assusta-me, e a minha consciência impura distancia-me dum mistério tão santo.
  6. A doçura das vossas palavras atrai-me, mas o peso dos meus pecados detém-me.
  7. Vós ordenais que eu vá até vós com confiança, se quero «ter parte convosco» (João 13, 8), se me quero alimentar com o pão da imortalidade, e se quero obter a vida e a glória eterna.
  8. «Vinde a mim», dizeis, «todos os que viveis em trabalhos e estais oprimidos, e eu vos aliviarei» (Mateus 11, 28).
  9. Ó doces e amáveis palavras ao ouvido dum pecador! vós convidais, Senhor meu Deus, os pobres e os necessitados a participarem do vosso corpo sagrado.
  10. Mas quem sou eu, Senhor, para me ousar aproximar de vós?
  11. «Eis que os céus não vos podem conter» (3 Reis 8, 27), e vós dizeis: «Vinde todos a mim»!
  12. O que significa essa condescendência misericordiosa, e esse convite tão terno?
  13. Como ousarei ir até vós, eu que não sinto em mim próprio nada de bom que me possa dar alguma confiança?
  14. Como vos receberia em minha casa, eu que tantas vezes ultrajei a vossa bondade?
  15. Os anjos e os arcanjos vos adoram com tremor, os santos e os justos são tomados de medo; e vós dizeis: «Vinde todos a mim»!
  16. Se não fôsseis vós a dizer isso, Senhor, quem acreditaria? E se vós próprio não ordenásseis para nos aproximarmos de vós, quem teria a audácia de fazê-lo?
  17. Noé, esse homem justo, trabalhou cem anos para construir a arca, para se salvar com poucas pessoas; e eu, como poderia preparar-me numa hora para receber dignamente o Criador do mundo?
  18. Moisés, o maior dos vossos servos, para quem vós fostes como um amigo, fez uma arca de madeira incorruptível, a qual revestiu com ouro puríssimo, para nela colocar as tábuas da lei; e eu, vil criatura, ousaria receber tão facilmente o fundador da lei e o autor da vida!
  19. Salomão, o mais sábio dos reis de Israel, passou sete anos a construir um templo magnífico para a glória do vosso nome.
  20. E celebrou durante oito dias a festa da sua dedicação; ofereceu mil hóstias pacíficas e, ao som das trombetas, entre gritos de alegria, colocou solenemente a arca da aliança no lugar preparado para ela.
  21. E eu, miserável que sou e o mais pobre dos seres humanos, como vos introduziria dentro da minha casa, eu que mal sei passar meia hora com devoção? E, agradaria a Deus que eu tivesse, uma única vez, empregue dignamente ainda menos tempo!
  22. Ó meu Deus! o que essas santas pessoas não terão feito para vos agradar.
  23. Ai! E quanto o que eu faço é pouco! quão curto é o tempo que dedico a preparar-me para a comunhão!
  24. Raramente estou bem recolhido, ainda mais raramente estou livre de todo o tipo de distrações.
  25. E certamente, na vossa divina e salutar presença, nenhum pensamento profano deveria apresentar-se ao meu espírito, nenhuma criatura deveria ocupá-lo, porque não é um anjo, mas o Senhor dos anjos que devo receber dentro de mim.
  26. Além disso, que distância infinita entre a arca da aliança, com o que ela continha, e o vosso corpo puríssimo, com as suas virtudes inefáveis; entre os sacrifícios que virão e a verdadeira hóstia do vosso corpo, realização de todos os antigos sacrifícios!
  27. Porque, então, não estou mais inflamado na vossa adorável presença?
  28. Porque não tenho o cuidado de me preparar melhor para a participação nos vossos santos mistérios, quando aqueles antigos patriarcas e aqueles santos profetas, aqueles reis e príncipes com todo o seu povo, mostraram tanto zelo pelo culto divino?
  29. Davi, aquele rei piedoso, dançou com grande entusiasmo diante da arca, recordando-se dos benefícios que Deus derramou sobre os seus pais.
  30. Mandou fazer vários instrumentos musicais, compôs salmos que o povo cantava com alegria, segundo as suas ordens, e, animado pelo Espírito Santo, muitas vezes ele próprio cantava com a sua harpa.
  31. Ele ensinou os filhos de Israel a louvarem a Deus com todo o coração, e a unirem as suas vozes todos os dias para celebrá-lo e bendizê-lo.
  32. Se a visão da Arca da Aliança inspirava tanto fervor, tanto zelo pelos louvores de Deus, que respeito, que amor não me deve inspirar a mim, e a todo o povo cristão, a presença do vosso Sacramento, ó Jesus! e a recepção do vosso corpo adorável!
  33. Muitos de nós correm por vários lugares para visitarem as relíquias dos santos; e ouvirem avidamente o relato das suas ações.
  34. Admiram os vastos templos construídos em sua honra, e beijam os seus ossos sagrados, envoltos em ouro e seda.
  35. E eis que vós próprio, ó meu Deus! vós estais aqui presente diante de mim sobre o altar, vós o Santo dos Santos, o Criador dos homens, o Rei dos anjos.
  36. Muitas vezes é a curiosidade, o desejo de ver coisas novas, que nos levam a empreendermos essas peregrinações; e é por isso que, guiados por esse motivo frívolo, sem verdadeira contrição, tiramos pouco fruto delas para a reforma dos nossos costumes.
  37. Mas aqui, no sacramento do altar, vós estais presente todo inteiro, ó Cristo Jesus! verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
  38. E todas as vezes que nós vos recebemos com dignidade e fervor, recolhemos com abundância os frutos da salvação eterna.
  39. Não é a leviandade, nem a curiosidade, nem a atração dos sentidos, que conduz a este banquete sagrado; mas uma fé firme, uma esperança viva, e uma caridade sincera.
  40. Ó Deus Criador invisível do mundo! como vós sois admirável no que fazeis por nós! com que bondade, com que ternura vós vigiais sobre os vossos eleitos, dando-vos vós próprio a eles como alimento no vosso Sacramento!
  41. Isto supera toda a inteligência, isto mais do que qualquer outra coisa atrai a vós os corações piedosos e inflama o seu amor.
  42. Porque, os vossos verdadeiros fiéis, ocupados toda a vida em se corrigirem, obtêm, com a frequente recepção deste augusto sacramento, um fervor maravilhoso e um zelo ardente pela virtude.
  43. Ó graça admirável e oculta do sacramento, apenas conhecida pelos fiéis servos de Jesus Cristo! pois os servos infiéis, escravizados pelo pecado, não podem sentir a sua influência.
  44. A graça do Espírito Santo é dada neste sacramento; ele repara as forças da alma e devolve-lhe a beleza original que o pecado tinha apagado.
  45. Tal é, por vezes, o poder desta graça e o fervor que ela inspira, que não só o espírito, mas também o corpo lânguido recebe dela um vigor novo.
  46. E é por isso que nós devemos deplorar amargamente a tibieza e a negligência que enfraquecem em nós o desejo de receber Jesus Cristo, a única esperança dos eleitos e o seu único mérito.
  47. Porque é ele quem nos santifica e nos redime; ele é a consolação daqueles que viajam sobre a terra, e a eterna felicidade dos santos.
  48. Como, então, não devemos gemer porque muitos mostram tanta indiferença por este sagrado mistério, que é a alegria do céu e a salvação do mundo!
  49. Ó cegueira, ó dureza do coração humano! por ser tão pouco tocado por este dom inefável, que parece perder o valor quanto mais é usado!
  50. Se este adorável sacramento só se realizasse num único lugar, e apenas um único sacerdote em todo o mundo consagrasse a hóstia santa, com que ardor as pessoas não acorreriam a esse lugar, a esse único sacerdote, para verem a celebração dos santos mistérios!
  51. Mas há muitos sacerdotes, e Cristo é oferecido em muitos lugares, para que a misericórdia e o amor de Deus pelo ser humano resplandeçam ainda mais, à medida que a Sagrada Comunhão é mais difundida no mundo.
  52. Dou-vos graças, ó Jesus, pastor eterno, porque no nosso exílio e na nossa pobreza, vos dignais alimentar-nos com o vosso corpo e o vosso sangue precioso, e nos convidais com a vossa própria palavra a participar desses sagrados mistérios, dizendo: «Vinde a mim, todos os que viveis em trabalhos e estais oprimidos, e eu vos aliviarei» (Mateus 11, 28).
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