Imitação de Cristo - 4.1. Com que respeito devemos receber Jesus
- Alma: Estas são as vossas palavras, ó Jesus! verdade eterna! apesar delas não terem sido ditas ao mesmo tempo, e de não estarem escritas no mesmo lugar.
- E porque elas vêm de vós e são verdadeiras, eu devo recebê-las todas com uma fé plena de reconhecimento.
- Elas são vossas, porque sois vós que as proferistes; mas elas também são minhas porque vós as dissestes para a minha salvação.
- Eu recebo-as com alegria da vossa boca, para que elas se gravem profundamente no meu coração.
- Essas palavras, cheias de tanta bondade, de ternura e de amor, animam-me; mas o pensamento dos meus crimes assusta-me, e a minha consciência impura distancia-me dum mistério tão santo.
- A doçura das vossas palavras atrai-me, mas o peso dos meus pecados detém-me.
- Vós ordenais que eu vá até vós com confiança, se quero «ter parte convosco» (João 13, 8), se me quero alimentar com o pão da imortalidade, e se quero obter a vida e a glória eterna.
- «Vinde a mim», dizeis, «todos os que viveis em trabalhos e estais oprimidos, e eu vos aliviarei» (Mateus 11, 28).
- Ó doces e amáveis palavras ao ouvido dum pecador! vós convidais, Senhor meu Deus, os pobres e os necessitados a participarem do vosso corpo sagrado.
- Mas quem sou eu, Senhor, para me ousar aproximar de vós?
- «Eis que os céus não vos podem conter» (3 Reis 8, 27), e vós dizeis: «Vinde todos a mim»!
- O que significa essa condescendência misericordiosa, e esse convite tão terno?
- Como ousarei ir até vós, eu que não sinto em mim próprio nada de bom que me possa dar alguma confiança?
- Como vos receberia em minha casa, eu que tantas vezes ultrajei a vossa bondade?
- Os anjos e os arcanjos vos adoram com tremor, os santos e os justos são tomados de medo; e vós dizeis: «Vinde todos a mim»!
- Se não fôsseis vós a dizer isso, Senhor, quem acreditaria? E se vós próprio não ordenásseis para nos aproximarmos de vós, quem teria a audácia de fazê-lo?
- Noé, esse homem justo, trabalhou cem anos para construir a arca, para se salvar com poucas pessoas; e eu, como poderia preparar-me numa hora para receber dignamente o Criador do mundo?
- Moisés, o maior dos vossos servos, para quem vós fostes como um amigo, fez uma arca de madeira incorruptível, a qual revestiu com ouro puríssimo, para nela colocar as tábuas da lei; e eu, vil criatura, ousaria receber tão facilmente o fundador da lei e o autor da vida!
- Salomão, o mais sábio dos reis de Israel, passou sete anos a construir um templo magnífico para a glória do vosso nome.
- E celebrou durante oito dias a festa da sua dedicação; ofereceu mil hóstias pacíficas e, ao som das trombetas, entre gritos de alegria, colocou solenemente a arca da aliança no lugar preparado para ela.
- E eu, miserável que sou e o mais pobre dos seres humanos, como vos introduziria dentro da minha casa, eu que mal sei passar meia hora com devoção? E, agradaria a Deus que eu tivesse, uma única vez, empregue dignamente ainda menos tempo!
- Ó meu Deus! o que essas santas pessoas não terão feito para vos agradar.
- Ai! E quanto o que eu faço é pouco! quão curto é o tempo que dedico a preparar-me para a comunhão!
- Raramente estou bem recolhido, ainda mais raramente estou livre de todo o tipo de distrações.
- E certamente, na vossa divina e salutar presença, nenhum pensamento profano deveria apresentar-se ao meu espírito, nenhuma criatura deveria ocupá-lo, porque não é um anjo, mas o Senhor dos anjos que devo receber dentro de mim.
- Além disso, que distância infinita entre a arca da aliança, com o que ela continha, e o vosso corpo puríssimo, com as suas virtudes inefáveis; entre os sacrifícios que virão e a verdadeira hóstia do vosso corpo, realização de todos os antigos sacrifícios!
- Porque, então, não estou mais inflamado na vossa adorável presença?
- Porque não tenho o cuidado de me preparar melhor para a participação nos vossos santos mistérios, quando aqueles antigos patriarcas e aqueles santos profetas, aqueles reis e príncipes com todo o seu povo, mostraram tanto zelo pelo culto divino?
- Davi, aquele rei piedoso, dançou com grande entusiasmo diante da arca, recordando-se dos benefícios que Deus derramou sobre os seus pais.
- Mandou fazer vários instrumentos musicais, compôs salmos que o povo cantava com alegria, segundo as suas ordens, e, animado pelo Espírito Santo, muitas vezes ele próprio cantava com a sua harpa.
- Ele ensinou os filhos de Israel a louvarem a Deus com todo o coração, e a unirem as suas vozes todos os dias para celebrá-lo e bendizê-lo.
- Se a visão da Arca da Aliança inspirava tanto fervor, tanto zelo pelos louvores de Deus, que respeito, que amor não me deve inspirar a mim, e a todo o povo cristão, a presença do vosso Sacramento, ó Jesus! e a recepção do vosso corpo adorável!
- Muitos de nós correm por vários lugares para visitarem as relíquias dos santos; e ouvirem avidamente o relato das suas ações.
- Admiram os vastos templos construídos em sua honra, e beijam os seus ossos sagrados, envoltos em ouro e seda.
- E eis que vós próprio, ó meu Deus! vós estais aqui presente diante de mim sobre o altar, vós o Santo dos Santos, o Criador dos homens, o Rei dos anjos.
- Muitas vezes é a curiosidade, o desejo de ver coisas novas, que nos levam a empreendermos essas peregrinações; e é por isso que, guiados por esse motivo frívolo, sem verdadeira contrição, tiramos pouco fruto delas para a reforma dos nossos costumes.
- Mas aqui, no sacramento do altar, vós estais presente todo inteiro, ó Cristo Jesus! verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
- E todas as vezes que nós vos recebemos com dignidade e fervor, recolhemos com abundância os frutos da salvação eterna.
- Não é a leviandade, nem a curiosidade, nem a atração dos sentidos, que conduz a este banquete sagrado; mas uma fé firme, uma esperança viva, e uma caridade sincera.
- Ó Deus Criador invisível do mundo! como vós sois admirável no que fazeis por nós! com que bondade, com que ternura vós vigiais sobre os vossos eleitos, dando-vos vós próprio a eles como alimento no vosso Sacramento!
- Isto supera toda a inteligência, isto mais do que qualquer outra coisa atrai a vós os corações piedosos e inflama o seu amor.
- Porque, os vossos verdadeiros fiéis, ocupados toda a vida em se corrigirem, obtêm, com a frequente recepção deste augusto sacramento, um fervor maravilhoso e um zelo ardente pela virtude.
- Ó graça admirável e oculta do sacramento, apenas conhecida pelos fiéis servos de Jesus Cristo! pois os servos infiéis, escravizados pelo pecado, não podem sentir a sua influência.
- A graça do Espírito Santo é dada neste sacramento; ele repara as forças da alma e devolve-lhe a beleza original que o pecado tinha apagado.
- Tal é, por vezes, o poder desta graça e o fervor que ela inspira, que não só o espírito, mas também o corpo lânguido recebe dela um vigor novo.
- E é por isso que nós devemos deplorar amargamente a tibieza e a negligência que enfraquecem em nós o desejo de receber Jesus Cristo, a única esperança dos eleitos e o seu único mérito.
- Porque é ele quem nos santifica e nos redime; ele é a consolação daqueles que viajam sobre a terra, e a eterna felicidade dos santos.
- Como, então, não devemos gemer porque muitos mostram tanta indiferença por este sagrado mistério, que é a alegria do céu e a salvação do mundo!
- Ó cegueira, ó dureza do coração humano! por ser tão pouco tocado por este dom inefável, que parece perder o valor quanto mais é usado!
- Se este adorável sacramento só se realizasse num único lugar, e apenas um único sacerdote em todo o mundo consagrasse a hóstia santa, com que ardor as pessoas não acorreriam a esse lugar, a esse único sacerdote, para verem a celebração dos santos mistérios!
- Mas há muitos sacerdotes, e Cristo é oferecido em muitos lugares, para que a misericórdia e o amor de Deus pelo ser humano resplandeçam ainda mais, à medida que a Sagrada Comunhão é mais difundida no mundo.
- Dou-vos graças, ó Jesus, pastor eterno, porque no nosso exílio e na nossa pobreza, vos dignais alimentar-nos com o vosso corpo e o vosso sangue precioso, e nos convidais com a vossa própria palavra a participar desses sagrados mistérios, dizendo: «Vinde a mim, todos os que viveis em trabalhos e estais oprimidos, e eu vos aliviarei» (Mateus 11, 28).
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