Mestre Eckhart – Anexo Incriado e Incriável

A alma é criada. Desde o sermão 1 que nós lemos: «O Senhor disse: "Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança." E foi também o que ele fez» (Intravit Iesus in templum).

Esta origem divina confere a sua nobreza às mais altas «potências» da alma, a inteligência e a vontade. Segundo a doutrina de Aristóteles adotada pelos escolásticos, a alma é a «forma» do corpo. «A alma é tão nobre naquilo que ela tem de mais elevado que os mestres não conseguem encontrar um nome para ela. Chamam-lhe "alma" porque ela anima o corpo» (Nunc scio vere). Ela está, portanto, introduzida na materialidade pelo corpo ao qual ela está unida, mas existe nela uma outra realidade sobre a qual o mestre retorna constantemente. No livro coletivo escrito para o sexto centenário aproximado de Eckhart,1 Bernard Dietsche informa-nos que contou, em sessenta sermões, trinta termos diferentes para designá-la, «pequena centelha da alma» (vünklin der sêle), «fundo da alma» (grunt) são os mais sugestivos e os mais frequentes. Ela é uma luz impressa do alto: «...é uma imagem da natureza divina que se opõe ao que não é divino; não é uma potência da alma como pretenderam alguns mestres e ela está sempre voltada para o bem; mesmo no inferno ela ainda está inclinada para o bem. Os mestres dizem: essa luz é de tal natureza que a sua luta é constante, ela chama-se sindérese, o que significa unir e desviar. Ela tem duas operações. Por uma delas, ela está em conflito com aquilo que não é puro. A outra operação é atrair incessantemente para o bem - e ela está impressa diretamente na alma - mesmo ainda naqueles que estão no inferno" (Homo quidam fecit cenam magnam, 20a).

Expressão idêntica no sermão paralelo 20b onde a palavra sindérese também é usada. Esta palavra designa os primeiros princípios inatos na consciência. São Boaventura liga a sindérese à vontade, São Tomás à inteligência, e chama-lhe «centelha do intelecto que não se pode extinguir». Nós não encontraremos este termo nos outros sermões de Eckhart.

Eu disse, por vezes, que existe uma potência no espírito que só ela é livre. Por vezes eu disse que era uma guarda do espírito, por vezes eu disse que era uma luz do espírito, por vezes eu disse que era uma pequena centelha, mas agora eu digo: não é nem isto nem aquilo, no entanto é uma coisa qualquer que está mais elevada acima disto e daquilo, do que o céu está acima da terra” (Intravit Jesus in quoddam castellum).

Ele situa essa «qualquer coisa» muito acima de todas as atividades da alma. Às vezes, porém, ele chama-lhe uma «potência», mas não é esse o seu pensamento profundo, como veremos muitas vezes: é apenas uma questão de vocabulário.

Nada lhe parece demasiado puro e demasiado elevado para defini-la: «Ela é qualquer coisa acima do ser criado da alma, que não toca em nada de criado, que é nada, mesmo o anjo que tem um ser puro, que é puro e imenso, não lhe toca, ela não tem nada de comum com o que quer que seja. Muitos estudiosos famosos estrebucharam neste ponto. É uma coisa estrangeira, é um deserto, não é nomeada mais do que não ter um nome, é mais ignorada do que conhecida” (Ego elegi vos de mundo).

Em várias ocasiões, ele a chamará de «incriada e incriável». «Tudo o que é criado é nada. Ora ela está longe de todas as coisas criadas e estrangeiras a ela. Se o ser humano fosse inteiramente assim, ele seria totalmente incriado e incriável» (Qui audit me).

«Existe na alma uma potência da qual eu tenho falado frequentemente. Se a alma fosse inteiramente assim, ela seria incriada e incriável. Ora não é assim. Com a outra parte dela mesma, ela tem um olhar e um apego ao tempo e por isso ela é criada» (Vidi supra montem Syon).

«Eu digo que existe qualquer coisa acima da natureza criada da alma. E alguns clérigos não entendem que existe assim algo que seja aparentado com Deus e que seja um. Ela não tem nada de comum com o que quer que seja. Tudo o que é criado ou criável é nada, mas tudo o que é criado e tudo o que é criável está longe dessa coisa e é-lhe estrangeiro» (Convescens praecepit eis).

Nós sabemos por outro lado, graças a uma citação do Mestre Geral dos Franciscanos Gonsalve de Balboa (Gonsalvus Hispanus) que durante uma disputa oratória entre ele e o Mestre Eckhart, este teria dito que «intelligere est increabile in quantum huius modi».

Ora os diversos processos de Mestre Eckhart retiveram esses termos e o acusado negou veementemente tê-los usado. Embora ele modere ligeiramente a expressão do seu pensamento - não o seu próprio pensamento - perante os juízes de Colónia e de Avignon, ele sustenta as suas propostas mais comprometedoras com tal vigor que nos perguntamos porque é que ele teria negado os termos «incriado e incriável» se ele realmente os tivesse pronunciado.

As duas listas de proposições suspeitas estabelecidas em Colónia tendo retido essas expressões, Eckhart declarará na sua primeira defesa: «É falso, é um erro... Eu não disse isso...»

E na sua segunda defesa: «É falso que uma parte da alma seja incriável. Mas é verdade que a alma é espiritual, à imagem de Deus e da raça de Deus, porque se ela fosse inteligência pura, o que só Deus é, ela seria incriada, e não uma alma.»

Ele declarará no púlpito de Colónia em 13 de fevereiro de 1327: «Que há na alma qualquer coisa tal que, se ela fosse toda inteira assim, ela seria incriada, entendi-o segundo a verdade como os doutores meus colegas, isto é, se ela fosse inteligência por essência. Mas eu nunca disse que há na alma algo da alma que seja incriado e incriável porque então a alma seria composta de criado e de incriado: eu ensinei e escrevi o contrário.»

Finalmente, o tribunal de Avignon relatou assim as palavras do acusado em conexão com esta mesma acusação: Istum articulum negat quia dicit stultum est sentire quod anima sit peciata ex creato et increato. (É insensato pensar que a alma é composta de criado e de incriado.)

Tanto que a Bula apenas citará este artigo no apêndice como tendo sido censurado a Eckhart, sem afirmar que ele o tenha pregado.

Eckhart repetiu demasiadas vezes tais palavras nos textos que chegaram até nós, os textos da acusação são muito precisos, os preconceitos acumulados em torno do seu nome, ainda muito tenazes, para que se possa apresentar os seus sermões passando por tais dificuldades em silêncio.

O que devemos pensar?

Entre os melhores intérpretes de Mestre Eckhart, Josef Quint estabelece conexões, hesita e não conclui. Vladimir Lossky escreve:

«O ser cognitivo na alma pertence, portanto, a um intermediário entre o "incriado divino" e o "criado" propriamente dito, domínio que participa dos dois e pode receber de Mestre Eckhart a qualificação ambígua de incriável.2»

Hermann Kunisch, que vê sobretudo em Eckhart o místico, no sentido em que é entendida Teresa de Ávila e especialmente João da Cruz, diz em essência que se separarmos tais palavras de todos os outros textos e, o que lhe parece ainda mais importante, da atmosfera do seu discurso, podemos concluir que ele ensinou a igualdade da natureza entre o ser de Deus e a mais alta «potência da alma». Ora, tais expressões foram-lhe inspiradas pela sua experiência que o tinham feito sair fora de si mesmo na união. Ele constantemente buscava fórmulas para expressá-la. Incapaz de traduzir por palavras aquilo que é em si próprio indizível, ele chegou a usar termos como estes: «Incriado e incriável». Não é, portanto, forçar o pensamento de Hermann Kunisch se dissermos que, segundo ele, Eckhart utilizou-as porque não conseguiu encontrar outras melhores.

Reiner Schürmann leu os textos de Eckhart sob uma luz diferente, mostrando-nos as suas fontes e as suas articulações filosóficas. Ambos os exegetas insistiram no aspecto que lhes pareceu mais cativante na personalidade e nas palavras do mestre. Nenhum deles negou o outro aspecto. Para Reiner Schürmann, Eckhart não se deixa levar pela sua chama interior. Quando sobe ao púlpito, sabe perfeitamente o que vai dizer e expressou-se com conhecimento de causa:

«Falar de "qualquer coisa da alma que é incriado e incriável", significa, na verdade, algo bem diferente do que afirmar: a operação do espírito desprendido - «na alma» e não «da alma» - é idêntico à operação divina. O ponto decisivo está aí: Mestre Eckhart de modo algum ensina uma identidade pura e simples entre o intelecto humano e Deus, mas ele faz entender o imperativo duma identidade de realização.»

Notas

  1. Meister Eckharl der Prediger, Festschrift zum Eckhart-Gedenkjahr, Herausgegeben im Auftrag der Dominikaner-Provinz «Teutonia» von P. UDO M. NIX, o. p. und P. DR. RAPHAEL OCHSLIN, o. p., Herder, Freiburg, Basel, Wien 196o. [  ]
  2. VLADIMIR LOSSKY, Théologie négative et Connaissance de Dieu chez Maître Eckart, Paris, 1960. [  ]

Bibliografia

  • Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 1-30 - Tome I», Éditions du Seuil, Paris, 1974, p. 27-30.

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