Vida de São Nuno - Tempos de Paz

TEMPOS DE PAZ (1403-1431)

  • 1403-09-29 - Sentença sobre o litígio entre o Rei e o Condestável, quanto aos terrenos no termo de Almada.
    Considerando-os seus, por incluídos na doação que o Rei lhe fizera em 8 de outubro de 1385, Dom Nuno começara a construir neles casas e azenhas. Os oficiais de justiça embargaram as obras e Nuno apelou ao Rei. Este, a fim de evitar processos e demandas intermináveis, propôs uma composição amigável: o Condestável e os seus herdeiros teriam as terras por título de aforamento, podendo fazer nelas azenhas e todo o edifício que julgassem conveniente.
    Anualmente, pagaria 8 alqueires de trigo, de cada par de rodas de azenhas em função.
    O próprio instrumento contém a licença de doar essas terras e moinhos ao Mosteiro de Santa Maria, em Lisboa, sem embargo das leis em contrário.
  • 1404-07-28 - Nos seus paços de Almada, o Condestável fez a doação de um valioso património ao Mosteiro de Santa Maria, em Lisboa.
    Bens doados: Quinta da Alcaidaria, no termo de Ourém, com os bens de Pombal, Leiria, Tomar e Ourém; os bens que foram de David Negro e que o Conde obteve por doação feita em 6 de março de 1384; o moinho de Corroios, no termo de Almada, que ele ali fizera; os esteiros de Algenoa, Amora, Arentela e Corroios, com todas as suas rendas, direitos e pertenças.
    Condições: Três Missas diárias: uma cantada em honra de Deus, e duas rezadas em honra da Virgem Maria, por intenção da alma do Condestável, dos pais dele, e das pessoas de sua obrigação.
    O usufruto dos bens que foram de David Negro pertenceria a D. Iria Gonçalves, enquanto vivesse; depois seriam do mosteiro.
    O Condestável reservava-se o direito de administração dos ditos bens, durante a sua vida; depois da sua morte, toda a administração passaria para o mosteiro.
    Os Superiores e demais moradores do mosteiro, em tempo algum, poderiam vender ou alienar de outra maneira qualquer os ditos bens, nem parte deles.
    As rendas deviam ser aplicadas na construção do mosteiro e da igreja, no culto divino, no sustento dos frades, na conservação dos bens e no pagamento dos foros.
    A quem? A presente doação não foi feita à Ordem do Carmo, senão ao Mosteiro de Santa Maria.
    Nele estariam frades, ou freiras, ou outras pessoas eclesiásticas, da escolha do Condestável. O seu testamento indicaria a que Ordem ia pertencer o mosteiro.
  • 1404-09-29 - O Mosteiro de Santa Maria foi metido na posse dos bens doados, cuja administração continuou nas mãos do Fundador, na pessoa de Vasco de Moura, seu procurador.
  • 1405-08-31 - A pedido do Condestável e querendo fazer mercê ao Mosteiro de Santa Maria, o Rei dispensou, para sempre, os foros que se deviam pagar, de oito alqueires de trigo, de cada par de rodas em função. Havia então 3 pares de rodas.
  • 1405-09-09 - Fez-se, nos paços de Almada, uma alteração bastante importante na doação feita em 28 de julho de 1404.
    Ao examinar os papéis do seu cartório, Nun'Álvares descobriu que a quinta da Alcaidaria, no termo de Ourém, pertencia directamente à Capela da Flor de Rosa, da Ordem do Hospital, e que ele era apenas o usufrutuário. Portanto, a sua doação tinha sido nula nesta parte.
    Não obstante o seu pesar, reparou o erro imediatamente, revogou a doação feita e devolveu os bens à dita Capela.
    A favor do seu mosteiro fez uma nova disposição: ficaria desde já com todas as rendas e frutos dos bens que foram de David Negro, que até então recebia D. Iria Gonçalves. À sua mãe Nuno fez uma nova doação no mesmo valor.
    Quanto ao resto, manteve e renovou a sua doação de 1404.
  • 1406 a 1410 - Enquanto o Condestável passava a sua vida no Alentejo, ou se ocupava com as igrejas que estava a construir, a Corte de Lisboa começara a sentir as influências renovadoras de uma nova geração, a ínclita dos Infantes. Crescidos num meio heróico, recusavam-se eles a receberem a ordem da Cavalaria em uns simples torneios. Ceuta devia ser o cenário!
    O Rei procurava moderar os filhos, mas ... não tivera ele sempre o desejo de combater os Mouros? Se fosse serviço de Deus, consentiria.
    Consultou os letrados, os teólogos, algumas pessoas com fama de santidade. Todos se manifestavam a favor da empresa: era serviço de Deus.
    Antes de iniciar os preparativos, o Rei quer falar com mais duas pessoas: a Rainha e o Condestável.
    A Rainha não tinha impedimentos a opôr — mal suspeitava ela que também o marido quisesse tomar parte.
    Faltava Dom Nuno ... O Rei ponderou: «O segundo impedimento é o Condestável, — disse aos Infantes — o qual sabeis, que por sua mui boa vida e bem-aventurados agradecimentos que houve, tem assim as gentes do Reino chegadas à sua amizade que, se ele por ventura contradisser esse projeto, todos terão que não era feito direitamente, a qual coisa lhes faria menos esforço pera nos ajudarem a elo, quando fosse requerido. Porém, antes de nenhuma coisa é bem que vejamos por que maneira lhe faremos saber a determinação que em elo havemos, porque ao depois, por seu desprazimento, não recebamos algum pejo».
    Os Infantes não estavam muito de acordo; receavam: O Conde já é velho, fez muito quando novo, depois teve o seu repouso «com grande e proveitoso galardão»; por isso talvez duvide do êxito desta empresa.
    Combinaram irem falar pessoalmente com Nun’Álvares. Para encobrirem o motivo, diriam que iam caçar no Alentejo. Primeiro foram D. Duarte e D. Henrique. O Rei e D. Pedro seguiriam dois ou três meses depois. Nuno estava em Arraiolos. O Rei chamou-o a Montemor o Novo, muito em segredo, e explicou-lhe a verdadeira razão do encontro. A resposta foi surpreendente: «O que a mim me parece é, que este feito não foi achado por vós, nem por outra nenhuma pessoa deste mundo, somente que lhe foi revelado por Deus, querendo-vos abrir azo e caminho, para que lhe fizésseis este tão especial serviço, para que a vossa alma ante Ele possa receber grande merecimento. Pois que a Ele praz de o servirdes neste feito, não há mais que esquadrinhar, cá assim como a Ele prouve de o trazer ante os olhos do vosso entendimento, assim lhe prazerá, por sua mercê, não leixeis de obrar em elo, de guisa que, por vossa míngua, não faleça nenhuma coisa do que para semelhante feito pertence».
  • 1411-10-31 - Tratado de paz entre Portugal e Castela, com a cláusula de que o Rei de Castela o aprove, quando tiver a idade requerida.
  • 1413-07-17 - O Papa conciliar João XXIII concede a sua licença apostólica, para Nun'Álvares poder doar o seu Mosteiro de Santa Maria, com a dispensa de ultrapassar os trâmites do direito comum, quanto às restrições estabelecidas referentes à largueza dos bens doados.
  • 1414-04-12? - Quando os preparativos para a expedição de Ceuta — feitos com tanto segredo, que todos, dentro e fora do país, ignoravam os verdadeiros motivos — já andavam bastante adiantados, o Rei resolveu convocar o seu Conselho, a fim de revelar aos seus conselheiros, sob solene juramento de guardar o segredo, a finalidade dos trabalhos.
    O Conselho reuniu-se em Torres Vedras, em uma quinta-feira, logo depois da Páscoa, e após ser cantada a Missa do Espírito Santo.
    Durante uma conferência preliminar e particular, o Rei e o Condestável combinaram que este falaria logo a seguir ao Rei, antes dos Infantes, e de maneira que já ninguém contradissesse os projetos, que pelo Rei seriam propostos como certos e cujo modo de realização devia ser estudado agora.
    Após o seu discurso sobre a empresa, o Rei pediu o parecer dos conselheiros, dirigindo-se logo a Nun’Álvares. Com algumas fingidas cerimónias, para que ninguém percebesse o motivo da circunstância insólita, de ele falar antes do Infante D. Duarte, o Conde levantou-se para dar o seu parecer:
    «Só podemos dizer com o Profeta: “isto é feito do Senhor e é maravilhoso ante os nossos olhos”. A presente causa não pode ser comparada às outras, em que pedíeis conselho, pois nelas tratava-se de buscar certos caminhos, por que mais ligeiramente se pudessem segurar vidas e honras. Nesta causa trata-se do serviço de Deus e da salvação das almas.
    Eu não tenho, nem sinto, outro conselho, que vos em isso dar, somente que o cargo deste feito deixeis a Deus, remerecendo-lhe o cuidado, que teve e tem, de vossa salvação. E eu, de minha parte, ponho lei em mim mesmo de lhe dar muitas graças por isso, pela parte que a mim acontece. E assim como vos servi em todas as outras coisas, assim vos servirei em esta agora, e ainda quanto a coisa é melhor e mais proveitosa, tanto porei em ela maior vontade e diligência.»
    Terminado o seu discurso, ajoelhou-se diante do Rei, beijou-lhe as mãos e disse: «eu vos faço esta reverência, tendo-vos muito em mercê, de me azardes coisa em que vos sirva em meu ofício de Cavalaria, em que me Deus por sua mercê pôs, sendo coisa tanto de seu serviço».
    A seguir, falou D. Duarte e depois todos os outros, concordando com a empresa projetada. Discutiram ainda os meios que a pudessem encobrir e terminaram com a resolução de embarcarem na festa de São João do ano seguinte.
  • 1415 - Em data ignorada, mas em 1415, segundo afirma o cronista carmelita Frei José Pereira de Sant'Ana, faleceu a filha de Nun’Álvares, a Condessa D. Brites, esposa de D. Afonso, Conde de Barcelos. A morte ocorreu em Chaves, em consequência de um parto.
    O Condestável, que se encontrava em Vila Viçosa, ocupado na construção da igreja da Imaculada Conceição, sentiu tão profundamente este golpe, «que se ouuera de perder com nojo, se Deos nom guardara o grande e boom juizo, que lhe Deos dera».
  • 1415-07-10 - Vinda da frota de D. Henrique , do Porto. Por ordem do Rei, oito galés sairam a recebê-lo. Na última encontrava-se o Condestável.
    Ao ancorarem no Restelo, os Infantes foram avisados d a gravíssima doença da Rainha, atacada de peste. Moribunda, ela mesma deu ordem de continuar a expedição, marcando-lhe até a data: 25 de julho, festa de São Tiago.
  • 1405-07-19 - Morte da Rainha.
  • 1415-07-20 a 23 - Confusão em Lisboa e divisão no Conselho: os presságios eram funestos!
    Dos conselheiros, metade apenas estava a favor da partida imediata, com o Rei: eram os três Infantes e mais quatro conselheiros. Sete conselheiros pronunciaram-se contra. Diziam que Nuno era contrário à participação do Rei, que devia permanecer no país tão duramente provado. Parece que o Infante D. Pedro falou asperamente com o Condestável. O cronista não tem certeza, nem D. Henrique nunca lhe quis falar nisso.
  • 1415-07-24 - Numa quarta-feira, véspera de São Tiago, o Rei deixa Alhos Vedros, na galé de D. Afonso, decidido agora a tomar parte na expedição, e à tarde do mesmo dia embarca em Sta. Catarina.
  • 1415-07-25 - Quinta-feira e festa de São Tiago, partida da frota.
  • 1415-07-27 - Dois dias depois, no sábado, dobraram o Cabo de São Vicente e de noite entraram a baía de Lagos.
  • 1415-07-28 - Domingo, em Lagos. O Conselho reuniu-se em terra e resolveu revelar a todos o destino da viagem. Numa cerimónia religiosa, o pregador Fr. João de Xira anunciou o verdadeiro destino da expedição: Ceuta.
  • 1415-07-31 - A frota zarpou de Lagos a Faro, onde ficou retida durante uma semana, por causa de uma calmaria.
  • 1415-08-07 - Deixaram Faro e iniciaram a viagem do estreito.
  • 1415-08-09 - Sexta-feira; pouco antes do pôr do sol avistaram a terra dos Mouros, e de noite começaram a caminhar pela boca do estreito.
  • 1415-08-10 - Na tarde do sábado, a armada ancorou entre as Algeciras.
  • 1415-08-12 - Na segunda-feira, apesar da cerração, a frota foi sobre a cidade de Ceuta. Houve tiros, um desembarque e uma escaramuça na praia, sem consequência de maior.
  • 1415-08-14 - Como ali estivessem muito expostos ao vento, resolveram passar para o outro lado da península, de nome Barbaçote. Nesta manobra, as naus foram levadas pelas correntes a Málaga. O Infante D. Henrique foi buscá-las.
  • 1415-08-16 - Chegada das naus, que derivaram.
  • 1415-08-17 - Uma tempestade muito forte obrigou-os a fazer voltar uma parte da armada a Algeciras; ao dobrarem o Cabo da Almina, as galés estiveram em perigo grave, enquanto as naus, mais uma vez, foram arrastadas do seu rumo.
  • 1415-08-17 e 18 - O Condestável continuou ali mesmo com o resto da frota, apesar da tormenta e do perigo que fazia garrar os barcos e cortava as amarras e os cabos nos recifes.
    Ao perdurar a tempestade, com a mesma violência, ainda no dia seguinte, os demais capitães insistiram com Nuno que, ou se saísse à terra, ou seguissem o Rei a Algeciras. Nuno acalmou-os com palavras brandas e doces: de boa vontade iria com eles a terra, se isto não desagradasse ao Rei, mas, como estavam as coisas, não o podia permitir; quanto ao ir a Algeciras, de forma alguma o queria, enquanto não fosse possível levar os navios todos.
    Espantados e maravilhados, os capitães ouviram esta resposta e voltaram às suas naves. Durante um dia e duas noites tiveram que suportar o temporal.
  • 1415-08-19 - Somente ao receber uma chamada do Rei, o Conde dirigiu a frota à baía de Gibraltar, onde estavam o Rei e os Infantes. Reuniram o Conselho, que logo se dividiu em três frações: uns queriam continuar o assalto a Ceuta (os Infantes, o Conde D. Afonso e dois ou três conselheiros); outros sugeriram que se fosse sobre Gibraltar, que estava logo aí à mão; outros ainda, que se voltasse para Portugal, pois tudo indicava que a empresa não era do agrado de Deus.
    E o Condestável? Protagonista mais ardoroso «deste serviço de Deus», só podia apoiar a primeira opinião, embora nada conste das crónicas.
  • 1415-08-20 - O Rei dirimiu a questão com a palavra de ordem: amanhã tomaremos a terra, depois o resto.

Tomada de Ceuta

  • 1415-08-21 - A Armada foi sobre Ceuta e, desembarcados os primeiros, iniciou-se logo uma escaramuça.
    Guiadas pelos Infantes e o Conde de Barcelos, as tropas conseguiram passar as portas da cidade, num movimento muito rápido em perseguição dos Mouros que retiravam.
    Uma vez dentro dos muros, a luta continuou pelas ruas da cidade. Luta bastante desigual, pois as tropas auxiliares de Ceuta haviam sido despedidas, quando o Rei voltara a Algeciras no dia 17. Tinham interpretado mal essa manobra, julgando-a uma desistência do assalto.
    Aos poucos vinham chegando os barcos, reforçando continuamente as forças lusitanas. O Rei postou-se à porta da cidade. O Condestável entrou e tomou parte na peleja. A pedido do Infante, que comandava o ataque, tomou conta do cerco do castelo, que se lhe entregou poucas horas depois.
  • 1415-08-24 - Três dias depois da tomada de Ceuta, uma chusma de Mouros apareceu diante da cidade, por parte da porta de Fez. O Rei e os Infantes acudiram imediatamente. D. Pedro, impaciente, saiu-Ihes em perseguição. O Rei e D. Duarte tentaram reunir os soldados, que tinham saído da cidade, sem muito resultado, pois na embriaguez da vitória perdera-se a disciplina. Apareceu o Condestável, que estava aquartelado em outra parte da cidade. Ao chegar, compreendeu o perigo, deixou uma guarnição na porta e, com licença do Rei, encarregou-se de fazer recolher em poucos momentos toda a gente dentro dos muros de Ceuta. Desde então, ficou ali mesmo na guarda desta porta.
  • 1415-08-25 - Os Infantes foram armados Cavaleiros, na antiga mesquita moura, purificada já e dedicada a Santa Maria de Agosto.
  • 1415-08-27 ou 28 - Três ou quatro dias depois, reapareceram mais uma vez os Mouros. Nuno reuniu a sua tropa e muitos fidalgos; já estava pronto a sair com a sua bandeira, quando o Rei apareceu e proibiu a surtida, muito contra a vontade do Condestável.
  • 1415-09-02 - Neste dia, uma segunda-feira, a frota deixou Ceuta, de volta para Portugal. Uma parte foi direitamente a Lisboa, outra a Faro. Em Tavira foram criados os primeiros Duques de Portugal: D. Pedro e D. Henrique.
  • 1415-09-13 antes - Do Algarve, o Rei partiu para Évora, acompanhado provavelmente do Condestável.
  • 1415 a 1422 - O Condestável, sempre no Alentejo, ocupado na construção das suas igrejas e capelas, em Monsaraz, Portel, Sousel, Camarate, Estremoz, Orada, no concelho de Borba, Vila Viçosa e Lisboa.
  • 1422-04-04 - Em Borba, Nun'Álvares fez elaborar as escrituras das doações a seus netos, de que nos fala a Crónica do Condestável: «E quando se quis apartar a seruir Deos, em cujo seruiço morreo, repartvo todas suas terras em esta guisa:»
    Terra de Lousada e de Tendães, a vila de Almada e as rendas de Loulé, à Infanta D. Isabel, sua neta e mulher do Infante D. João.
    O condado de Ourém, com todas as suas terras da Estremadura e as que havia em Lisboa e os seus termos, e mais os seus paços de Lisboa, ao neto D. Afonso.
    O condado de Arraiolos, com todas as terras que havia no Alentejo, deu a seu neto D. Fernando.
  • 1422-07-05 - Por escritura feita em Vila Viçosa, fez doação, ao Mosteiro de Santa Maria, em Lisboa, de uma Relíquia da Santa Cruz, a célebre, que pertencera ao Rei de Castela: «que meu Senhor El-Rey me fez mercee... depois da batalha que el houve com El-Rey de Castela».
  • 1422-07 e 08 - Afirma o cronista carmelita, Fr. José Pereira de Sant'Ana, baseando-se em crónicas anteriores, agora desaparecidas, que o Santo Condestável passou a residir no Carmo, em fins de julho, ou em princípios de agosto.
    Nessa época deve ter feito doação de todo o ouro e prata, do seu dinheiro, das jóias, armas e roupas a escudeiros e pobres, «pollo amor de Deos. E mujto pam e azeite, e camas de roupa, ante que se apartasse. E fez mujtas quytas de dinheiros e de pam e de sal, que lhe era diuido, asy por seus almoxeriffes e officiaaes, como per outros, que foron seus rendeiros pollos tempos, e per outras pessoas, que nom ficou com elle nenhuma cousa».
  • 1422-08-22 - Dom Fernando, o neto do Condestável, fez doação ao Mosteiro de Santa Maria, de uma pensão anual de seis moios de trigo.
  • 1422-08-24 - Dom Afonso, o outro neto do Condestável, fez semelhante doação ao mosteiro: pensão anual de quatro moios de trigo e cinco tonéis de vinho.
    As duas doações foram feitas a pedido do Condestável, como consta expressamente da renovação que fez D. Fernando, herdeiro do irmão, em 1470: «E esto lhe faço, porque o Condestabre meu Avoo, depois que entrou no dito Mosteiro, e nos tinha dado as terras, a meu irmão e a my, nos encomendou, que lhe desemos o dito trigo e vinho...».
  • 1423-04-30 - O Rei de Castela, finalmente, ratificou o Tratado de Paz, concluído em 1411, restringindo-o embora quanto à duração. É significativo que Nun'Álvares, pouco depois, pediu a sua admissão na Ordem Carmelitana. Só agora considerava definitivamente terminada a sua missão no serviço de Deus, ao serviço da Pátria.
    Fazemos esta observação, conscientemente, contra Oliveira Martins, sempre tão infeliz na interpretação da mentalidade de Nun'Álvares, que considerava essa resolução como um fruto do abatimento pela morte da filha. Fruto bem fora da época!
  • 1423-07-23 - Celebrou-se o primeiro Capítulo Provincial do Carmo Português, que com isso se constituiu em uma Província independente.
    Mui fidalgamente, os Padres Capitulares ofereceram a Dom Nuno a administração dos dois conventos, de Moura e de Lisboa, e dos bens da Província.
  • 1423-07-28 - Por seu lado, Nun’Álvares Pereira fez agora a doação definitiva da igreja e do mosteiro à Ordem do Carmo, cuja escritura se lavrou em 28 de julho de 1423: «E que, porquanto ele no dito mosteiro via Frades bons e virtuosos e que vivem bem, e em serviço de Deus, que ele declarava a sua vontade, que até ora em tempo tivera guardada. E que daqui em diante provocava o dito mosteiro ser da Virgem Maria e da sua Ordem do Carmo, e que fazia dele pura doação, para sempre, à dita Ordem, com todas as rendas e direitos, que o ele há dotado, para os Frades da dita Ordem...».
    Até este momento, Dom Nuno jamais dera a entender que os Carmelitas deveriam continuar sempre com o serviço da igreja de Santa Maria. Só agora, depois de ter observado longamente a vida dos Frades, resolveu fazer a doação à Ordem do Carmo.
    Poucos dias depois, o Santo Condestável procurou o Provincial recém-eleito, Fr. Afonso de Alfama, ou Leitão, e abriu-lhe o desejo de seu coração: entrar na Ordem como simples Donato!
    Admirado e confuso, o Provincial ouviu-lhe o pedido; tentou dissuadi-lo, que escolhesse o sacerdócio, ou ao menos o lugar de corista. Em vão: Nuno mostrou-se inabalável em ambicionar o último lugar e fazer os serviços mais humildes.

A última batalha

  • 1423-08-15 - Consultada a comunidade e por ela admitido, o Condestável recebeu o hábito de Donato, ou mais exactamente de meio-Irmão Carmelita, no dia 15 de agosto de 1423.
  • 1425 - Estava há dois anos na vida religiosa, quando uma notícia inquietadora lhe veio perturbar o sossego: o Rei de Túnis preparava-se para atacar Ceuta, por terra e por mar. O Rei e os Infantes iam socorrer essa praça de Portugal em África. O próprio D. Duarte confirmou-lhe as notícias. Nuno não se conteve; a sua grande dedicação ao Rei e ao Infante fê-lo exigir o seu lugar na expedição. Não encontrou dificuldades, nem por parte do Rei, nem por parte da Ordem. Pessoalmente, no seu hábito de meio-Irmão do Carmo, foi inspecionar o barco em que havia de ir, e mandou aprontar tudo conforme a sua vontade. Dom Duarte forneceu-lhe as armas necessárias.
    Porém, «em esta obra nom se fez mais, porque el rey de Tunez nom veeo ... e o Condestabre continuou sua vida em seruir Deos».
  • 1423 a 1431 - Qual teria sido a vida religiosa de Frei Nuno de Santa Maria no claustro do Carmelo?
    Deve ter sido uma vida extremamente simples, tão simples, que dela não sabemos quase nada, se afastarmos todos os ouropéis da influência lendária.
    As Constituições da Ordem de Nossa Senhora do Carmo estabelecem algumas regras especiais para os meios-Irmãos: Farão votos de obediência, de castidade e de viver sem propriedade até à morte. Dirão o Ofício com os Irmãos. Usarão, porém, um hábito algo diferente, a saber, mais curto e, em lugar da capa branca, terão uma capa da cor do hábito, igualmente mais curta. Segundo o critério do Prior da casa, poderão sair do convento como se fossem criados, sem acompanhamento. Todos os Irmãos e meios-Irmãos tratarão com respeito os clérigos e os sacerdotes, e lhes cederão o lugar.
    A Crónica do Condestável conta como, depois de ter distribuído todos os bens e propriedades, ficou sem coisa alguma e chegou ao Mosteiro de Santa Maria apenas com o seu rude hábito de meio-Irmão, que usou até à morte.
    Uma vez afastado do mundo, tratou de realizar três intenções: 1. mendigar o seu sustento pelas ruas da cidade; 2. não se chamar, nem consentir que outros o chamassem, por outro nome que não fosse o de Nuno (a isto acrescentou depois «de Santa Maria», como se vê em algumas cartas publicadas por Pereira de Sant'Ana, assinadas por «Nuno de Santa Maria»; 3. sair de Portugal e terminar a vida onde fosse desconhecido.
    Não o conseguiu, porém. Pois o Infante D. Duarte, assim que soube desses propósitos, veio procurá-lo imediatamente e falou com ele «sobre estas coisas que queria fazer; e lho disse rogando e mandando por mandamento, que as não fizesse». Que servisse a Deus em Portugal, e não em outras terras. Que continuasse com título de Condestável e não mudasse de nome. E de maneira alguma podia sair pelas ruas a pedir esmolas: que as pedisse ao Rei e a ele. Nisto insistiu muito. Por obediência, Fr. Nuno de Santa Maria conformou-se com isso, posto que fosse contra a sua vontade.
    O Rei e o Infante estabeleceram agora uma boa pensão anual para o sustento de Fr. Nuno e dos seus companheiros. Como fosse bastante abundante, aproveitou-se dela para fazer muitas esmolas.
    «E de outras muitas virtudes e boas obras usou o Condestável, tantas que se não poderiam lembrar, para se pôr em esta história».
    Eis o pouco que sabemos da sua vida religiosa, em que perseverou durante quase oito anos.
  • 1431-03-30 - Sexta-feira Santa; depois do meio dia adoeceu gravemente.
  • 1431-04-01 - Festa da Páscoa; morte de Frei Nuno de Santa Maria.
    O Rei e o Infante D. Duarte lhe mandaram fazer as exéquias, com tão grande pompa e honra, «como em Espanha não se fez a homem de seu estado». Por ordem deles, assistiram às derradeiras homenagens numerosos clérigos, no meio de um grande concurso do povo.
    O corpo foi inumado no presbitério da igreja de Santa Maria do Carmo, numa sepultura rasa, «mais chegada às cadeiras que ficam da parte da Epístola». Na campa gravou-se a seguinte inscrição:
    Aqui repousa aquele Nuno, condestavel, fundador da casa de Bragança, general exímio, depois monge bem-aventurado; o qual, sendo vivo, desejou tanto o Reino do Céu que mereceu, depois da morte, viver eternamente na companhia dos Santos; pois, após numerosos troféus, desprezou as pompas, e, fazendo-se humilde, de príncipe que era, fundou, ornou e dotou este templo.
  • 1431-10-30 - Ratificação definitiva do Tratado de Paz, por parte do Rei de Castela.
    «E ainda o dia de hoje — conclui a Crónica do Condestável — depois da sua morte, Deus por sua mercê fez e faz muitos milagres naquele lugar, onde seu corpo jaz, que são assaz denotados e manifestos. Por que devemos entender, que sua alma é com Deus na sua glória. A qual Ele por sua mercê nos dê.
    Amen. Deo Gratias — Memento mei. Mater Dei».

Bibliografia

  • Manuel M. Wermers – Nun’Álvares Pereira, A Cronologia e o Seu Itinerário
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