Mestre Eckhart – Jesus entrou num castelo 1
Sermão 2 - Jesus entrou num castelo
- «Jesus entrou num castelo e uma mulher, chamada Marta, recebeu-o em sua casa.» (Lucas 10, 38)1
- Eu pronunciei uma pequena frase, em primeiro lugar em latim, escrita no Evangelho, e que significa: «Nosso Senhor Jesus Cristo subiu a um pequeno castelo forte e lá foi recebido por uma pessoa virgem que era uma mulher.»2
- Bem! Estejam agora atentos a esta palavra: é necessário que o ser humano, por quem Jesus foi recebido, seja uma ‘virgem’.
- ’Virgem’, quer dizer um ser humano que seja desobstruído de todas as imagens estrangeiras, tão desobstruído quanto ele era quando ele ainda não existia.3
- Vejam, poderíamos então perguntar como é que uma pessoa que nasceu e que chegou a uma vida racional pode estar assim desobstruída de todas as imagens como quando ela ainda não existia, e no entanto ela sabe muitas coisas que todas são imagens, como pode ela então ser desobstruída delas?4
- Ora notem o ensinamento que eu vos quero dar.
- Se eu tivesse um intelecto tal que todas as imagens que todos os seres humanos alguma vez acolheram, e aquelas que estão no próprio Deus, se encontrassem dentro do meu intelecto, e se eu estivesse, com respeito a elas, sem apego por forma que, naquilo que eu faço ou omito, eu não tenha retido nenhuma delas com apego, com um antes e um depois, e que, pelo contrário, nesse momento presente, eu esteja livre e desprendido pela muito querida vontade de Deus, a fim de a realizar sem parar, na verdade, eu seria virgem sem ser entravado por nenhuma imagem, tão verdadeiramente quanto eu estava quando eu ainda não existia.5
Notas
- O ponto de partida do sermão é o versículo de Lucas 10, 38: «Intravit Iesu in quoddam castellum et mulier quaedam, Martha nomine, excepit illum in domum suam.» Lucae II. [ ↑ ]
- Este sermão é um dos mais característicos de Mestre Eckhart e um dos mais célebres. [ ↑ ]
- No início do sermão, Eckhart retoma, com outro vocabulário, o tema que encontramos no sermão anterior: é virgem o intelecto que expulsou todas as representações das coisas, todas as «imagens» criadas. É virgem «um ser humano... tão desprendido quanto ele estava quando ele ainda não existia». Isto não é uma formula banal. Ela procede de um pano de fundo doutrinal. Eckhart quer dizer: quando o ser humano não estava dentro do tempo, quando o ser humano permanecia imutável dentro do pensamento eterno de Deus. [ ↑ ]
- Apesar de, por vezes, Eckhart ser acusado de falta de sentido psicológico, ele sabe bastante bem que esse despojamento total das «imagens» revela-se praticamente impossível. Ele não propõe portanto uma proeza intelectual às monjas que o escutam, mas uma ascese: o desprendimento, a desapropriação dessas mesmas imagens, mesmo sendo elas infinitamente numerosas. [ ↑ ]
- Segue-se uma daquelas amplificações oratórias tão frequentes em Eckhart: «... todas as imagens que todos os seres humanos alguma vez acolheram, e aquelas que estão no próprio Deus». Assim, o intelecto estaria disponível para realizar «sem antes e sem depois», em cada momento presente, a muito querida vontade de Deus. Nessa condição ele seria virgem e poderia receber Jesus. [ ↑ ]
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