Mestre Eckhart – Aquele que me serve 3


  1. O terceiro ponto: nós estaremos atentos a esta recompensa de que fala Nosso Senhor: «Onde eu estou, lá o meu servidor estará comigo.»
  2. Onde é a residência de Nosso Senhor Jesus Cristo?
  3. Na união com o Pai.
  4. É uma recompensa por demais grande, que todos aqueles que o servem, devam residir com Ele na união.
  5. É por isso que São Filipe diz, quando Nosso Senhor falou do seu Pai: «Senhor, mostra-nos o teu Pai, isso chega-nos.»
  6. Como se ele dissesse que vê-lo ser-lhe-ia suficiente.
  7. Mas nós teremos uma bem maior satisfação em residir com Ele.
  8. Quando Nosso Senhor foi transfigurado sobre a montanha, e deu um vislumbre da glória do céu, São Pedro também pediu a Nosso Senhor para ficar lá eternamente.
  9. Nós deveríamos ter um desejo infinitamente grande de união com o Nosso Senhor Deus.
  10. Deve-se reconhecer a união com o Nosso Senhor Deus por esta distinção: da mesma forma que Deus é três, nas suas Pessoas, Ele é um, na sua natureza.
  11. Deve-se compreender assim a união de Nosso Senhor Jesus Cristo com o Pai e com a alma.
  12. Da mesma forma que o branco e o preto são diferentes - um não se pode conciliar com o outro, o branco não é preto – é assim de qualquer coisa e de nada.
  13. «Nada» é aquilo que não pode receber nada de nada.
  14. «Qualquer coisa» é aquilo que pode receber qualquer coisa de qualquer coisa.
  15. É assim absolutamente em Deus.
  16. Tudo aquilo que é «qualquer coisa» está em Deus, absolutamente, lá nada falta.
  17. Quando a alma está unida a Deus, ela tem nele, em toda a sua perfeição, tudo aquilo que é qualquer coisa.
  18. A alma esquece-se lá dela própria tal qual ela é nela própria, e todas as coisas, ela reconhece-se divina em Deus enquanto Deus está nela, ela ama-se n'Ele como sendo divina e ela está unida a Ele sem distinção, por forma que ela não saboreia nada a não ser Ele, e encontra a sua alegria n'Ele.
  19. O que é que o ser humano quer desejar ou saber mais quando está assim feliz na união com Deus?
  20. É para esta união que Nosso Senhor criou o ser humano. 1
  21. Quando monsenhor Adão desobedeceu ao mandamento e foi expulso da Paraíso, Nosso Senhor colocou dois tipos de guardas diante do Paraíso: um anjo e uma espada de fogo de duplo corte.
  22. Isto significa dois meios pelos quais o ser humano deve regressar ao céu, do qual ele caiu.
  23. A primeira: pela natureza do anjo.
  24. São Dioniso diz que a natureza angélica significa a revelação da luz divina.
  25. Com os anjos, graças aos anjos, e pela luz, a alma deve tender de novo para Deus até que ela retorne à sua primeira origem.
  26. A segunda: pela espada de fogo, quer dizer que a alma deve regressar graças a obras boas e divinas realizadas no amor ardente por Deus e pelos outros cristãos. 2
  27. Que Deus nos ajude afim de que seja assim para todos. Amém. 3

Notas
  1. Terceiro ponto: « Onde eu estou, lá o meu servidor estará comigo.» A residência de Nosso Senhor é na união com o seu Pai. Esta recompensa é tão grande, parece demasiado grande a São Filipe, o que lhe faz dizer: «Senhor, mostra-nos o teu Pai, isso chega-nos.» Com efeito, como se essa visão pudesse ser suficiente para ele. Mas a nossa satisfação será bem maior em residir com Ele. Também, a quando da Transfiguração, São Pedro pediu a Nosso Senhor para ficar com Ele eternamente.

    Deus é três nas suas Pessoas e um na sua natureza, assim se deve compreender a união de Nosso Senhor com o seu Pai e com a alma. «Qualquer coisa» e «nada» opõem-se como o branco e o preto. Nada é aquilo que nada pode receber de nada; qualquer coisa é aquilo que recebe qualquer coisa de qualquer coisa... Tudo o que é qualquer coisa está em Deus, absolutamente. Assim, quando a alma está unida a Deus, ela tem n'Ele tudo o que é «qualquer coisa» em toda a sua perfeição e esquece o «nada», quer dizer ela própria e todas as criaturas. Eckhart passou aqui para o plano místico, no sentido pleno que se dá geralmente a este termo. Nós não leremos mais nitidamente, em Santa Teresa de Ávila, o estado da alma nesta união. É preciso insistir sobre toda esta passagem:

    «A alma esquece-se lá dela própria tal qual ela é nela própria, e todas as coisas, ela reconhece-se divina em Deus enquanto Deus está nela, ela ama-se n'Ele como sendo divina e ela está unida a Ele sem distinção, por forma que ela não saboreia nada a não ser Ele, e encontra a sua alegria n'Ele. O que é que o ser humano quer desejar ou saber mais quando está assim feliz na união com Deus? É para esta união que Nosso Senhor criou o ser humano.» [  ]
  2. O pregador evoca em seguida «monsenhor Adão» quando ele foi expulso do Paraíso. O anjo e a espada de duplo corte, colocados como guardas diante da entrada do Paraíso, significam duas coisas pelas quais o ser humano deve regressar ao céu. Uma é a natureza do anjo. Segundo São Dioniso, o anjo é a revelação da luz divina; pelos anjos, a alma deve tender para Deus para regressar à sua primeira origem. A espada de fogo simboliza as obras divinas que a alma deve realizar num amor ardente por Deus e pelos outros cristão. [  ]
  3. Esta tradução foi realizada a partir da tradução francesa de Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 31-59 - Tome II», Éditions du Seuil, Paris, 1978, p. 183-188. [  ]


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