Mestre Eckhart – Nosso Senhor levantou os olhos 4


  1. É por isso que ele diz: «Ele dirigiu o seu olhar para cima, em direção ao céu».
  2. Um mestre grego diz que «céu» significa «habitáculo do sol».
  3. O céu derrama a sua potência no sol e nas estrelas, e as estrelas derramam a sua potência no seio da terra e produzem o ouro e as pedras preciosas, de tal forma que as pedras preciosas têm o poder de realizar obras maravilhosas.
  4. Umas têm o poder de atrair os ossos e a carne.
  5. Se uma pessoa se aproximasse delas, seria travada e não se poderia libertar a menos que dispusesse dos artifícios necessário para lhes escapar.
  6. Outras pedras preciosas atraem os ossos e o ferro.
  7. Cada pedra preciosa é um habitáculo das estrelas que recepta em si uma potência celeste.
  8. Assim, da mesma forma que o céu derrama a sua potência nas estrelas, da mesma forma as estrelas a derramam por sua vez nas pedras preciosas, nas plantas e nos animais.
  9. A planta é mais nobre do que a pedra preciosa porque ela tem uma vida que se desenvolve.
  10. Ela desdenharia crescer sob o céu material se não houvesse nele uma potência espiritual da qual ela recebe a vida.
  11. Assim, da mesma forma como o anjo mais baixo derrama a potência do céu, o move, dirige a sua revolução e a sua operação, da mesma forma o céu derrama a sua potência muito misteriosamente em cada planta e nos animais.
  12. Daí advém que cada planta tem uma propriedade que ela recebe do céu e que age em volta dela à roda como o céu.
  13. Os animais elevam-se mais alto, eles têm uma vida animal e sensorial e estão portanto fixos no tempo e no espaço.
  14. Mas a alma, na sua luz natural, naquilo que ela tem de mais alto, eleva-se acima do tempo e do espaço em igualdade com a luz do anjo e opera com ele espiritualmente no céu.
  15. Assim, a alma deve elevar-se sem cessar na operação espiritual.
  16. Lá onde ela encontra qualquer coisa da luz divina ou da semelhança divina, ela deve estabelecer a sua residência, e sem retorno até que ela suba ainda mais alto.
  17. E assim, ela deve elevar-se constantemente na luz divina e chegar assim acima de todos os habitáculos até à contemplação de Deus, pura e nua, com os anjos no céu.
  18. É por isso que ele (João) diz: «Ele olhou para o céu e disse: «Pai, o tempo chegou, glorifica o teu Filho para que o teu Filho te glorifique».
  19. Como o Pai glorifica o Filho, e como o Filho glorifica o Pai, mais vale calarem-se do que falarem; era preciso que fossem anjos, aqueles que devessem falar disso. 1

Notas
  1. Um mestre grego diz que «céu» significa «habitáculo do sol». Seguindo a cosmogonia do seu tempo, retirada de Aristóteles, frequentemente pelo canal de Alberto o Grande, Eckhart pensa que o céu derrama a sua potência no sol e nas estrelas, por sua vez as estrelas vertem a sua potência no seio da terra e produzem o ouro e as pedras preciosas, daí o poder que estas têm de realizar obras estranhas. O pregador dá com efeito exemplos bastante surpreendentes: «cada pedra preciosa, cada planta é um habitáculo das estrelas que recepta em si uma potência celeste».

    Já, no sermão 18, Jovem, digo-te, levanta-te, Eckhart se tinha questionado, junto com os «mestres», sobre o que é preferível: a potência das plantas, a potência das palavras ou a potência das pedras, e ele tinha-nos contado a história do combate da serpente e da doninha. Aqui também, ele compara as virtudes respetivas dos minerais, das plantas e dos animais. Estas poucas passagens são suficientemente instrutivas da forma como os medievais concebiam o universo.

    Nesta vasta ordenação do mundo material, o espírito não está ausente. A planta «desdenharia crescer sob o céu material se não houvesse nele uma potência espiritual da qual ela recebe a vida». No cume, «da mesma forma como o anjo mais baixo derrama a potência do céu, o move, dirige a sua revolução e a sua operação, da mesma forma o céu derrama a sua potência muito misteriosamente em cada planta e nos animais».

    A visão da alma completa este quadro grandioso. Ela eleva-se acima do tempo e do espaço para operar ao mesmo tempo que o anjo.

    Eckhart disse-nos noutro local que se um limite está atribuído ao anjo segundo a sua natureza e o seu nível na hierarquia celeste, pelo contrário a alma pode subir sem cessar mais alto, acima de todos os «habitáculos», até à contemplação pura e nua de Deus.

    Lá, o silêncio impõe-se: seria preciso falar a linguagem dos anjos, diz Eckhart, para mostrar como o Pai glorifica o Filho e o Filho glorifica o Pai. [  ]


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