Mestre Eckhart – Feliz o ventre que te trouxe 7


  1. O terceiro ponto deste sermão, é o que disse Nosso Senhor: «João Batista é grande, ele é o maior que alguma vez apareceu entre todos os filhos das mulheres, mas se alguém fosse menor do que João, seria maior do que ele no reino dos céus.»
  2. Pois bem! notem quanto são estranhas e singulares as palavras de Jesus Cristo: ele louvou a grandeza de João, ele diz que ele era o maior daqueles que nasceram alguma vez da mulher, e ele diz no entanto: «Se alguém fosse menor do que João, seria maior do que ele no reino dos céus.»
  3. Como devemos nós compreender isto? Eu vou vos mostrar.
  4. Nosso Senhor não contradiz a sua própria palavra.
  5. Quando ele louvava João de ser o maior, queria dizer que ele era pequeno em verdadeira humildade: tal era a sua grandeza.
  6. Nós podemos constatá-lo porque o próprio Cristo diz: «Aprendam de mim que eu sou manso e humilde de coração.»
  7. Tudo o que em nós é virtudes, é em Deus um ser puro, e a sua própria natureza.
  8. É por isso que Cristo diz: «Aprendam de mim que eu sou manso e humilde de coração.»
  9. Tão humilde que fosse João, havia no entanto uma medida, e para além dessa medida, ele não era mais humilde, nem maior, nem melhor do que aquilo que ele era.
  10. Ora Nosso Senhor diz: «Se alguém fosse menor do que João, seria maior do que ele no reino dos céus.»
  11. É como se ele quisesse dizer: «Se alguém quisesse ultrapassar a humildade, nem que fosse da espessura de um cabelo, ou do que quer que seja, e fosse por isso mais humilde do que João, seria eternamente maior no reino dos céus.»
  12. Notem bem! Nem João, nem nenhum entre todos os santos, nos é proposto como um fim que nós deveríamos perseguir, ou como um fim limitado abaixo do qual nós deveríamos ficar.
  13. Cristo, Nosso Senhor, é o nosso fim único que nós devemos seguir, o nosso objetivo abaixo do qual nós devemos permanecer, e ao qual nós devemos estar unidos, semelhante a toda a sua honra, assim como uma tal união nos assenta.
  14. Nenhum santo, no reino dos céus, é tão santo, e tão perfeito, que na sua vida aqui em baixo, as suas virtudes não tenham tido uma medida.
  15. A grandeza da sua vida eterna é de acordo com essa medida, e toda a sua perfeição corresponde absolutamente a essa mesma medida.
  16. Verdadeiramente, na verdade, se qualquer pessoa ultrapassasse a medida do mais elevado dos santos que viveu nas virtudes e recebeu a sua beatitude em consequência disso - se qualquer pessoa ultrapassasse mesmo que fosse pouco a medida da virtude, ela seria segundo o modo da virtude ainda mais santa e mais feliz que esse santo alguma vez foi.
  17. Eu digo-o por Deus - é tão verdadeiro quanto é verdadeiro que Deus vive - não há no céu santo tão perfeito que tu não possas ultrapassar o modo da sua santidade pela tua santidade e pela tua vida, e que tu não possas estar acima dele no céu e aí permanecer eternamente.
  18. É por isso que eu digo: se alguém fosse mais humilde e menor que João, seria eternamente maior que ele no reino dos céus.
  19. A verdadeira humildade, é que um ser humano, sendo tudo aquilo que ele é, naturalmente criado a partir de nada, não pretenda absolutamente fazer ou omitir o que quer que seja se ele não o obtém da luz da graça.
  20. Que se saiba o que é preciso fazer e omitir, eis a verdadeira humildade da natureza.
  21. A humildade do espírito, é quando o ser humano se apropria e atribui a si tão pouco, todo o bem que Deus alguma vez lhe fez, quanto ele o fazia quando ele não tinha. 1
  22. Que Deus nos ajude a sermos assim tão humildes. Amém. 2

Notas
  1. Terceira parte do sermão: sobre o texto de Mateus 11, 11. Cristo louva João Batista: ele é o maior entre todos os filhos das mulheres, mas «se alguém fosse menor que João, seria maior que ele no reino dos céus.»

    Quando Cristo louvou João de ser tão grande, era por causa da sua humildade. Ora tão grande que tenha sido João, a sua santidade tinha uma medida, e nenhum limite é proposto à santidade.

    Só Cristo é o nosso modelo e o nosso fim. Se a tua humildade é maior que a de tal ou tal santo, tu podes ultrapassar a sua santidade. «Que se saiba o que é preciso fazer e omitir, eis a verdadeira humildade da natureza. A humildade do espírito, é quando o ser humano se apropria e atribui a si tão pouco, todo o bem que Deus alguma vez lhe fez, quanto ele o fazia quando ele não tinha (todo o bem que Deus alguma vez lhe fez).» [  ]
  2. Esta tradução foi realizada a partir da tradução francesa de Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 31-59 - Tome II», Éditions du Seuil, Paris, 1978, p. 115-125. [  ]


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