Mestre Eckhart – Feliz o ventre que te trouxe 6


  1. Eis que vocês acabaram de escutar como foi que a nobre alma de Nosso Senhor Jesus Cristo se tornou fecunda na sua santa humanidade.
  2. Ora vocês devem para alem disso ainda notar agora como é que o ser humano também deve aí chegar.
  3. Esse ser humano que quer lançar a sua alma, o grão de milho, no campo da humanidade de Jesus Cristo, afim de que ela aí pereça, e se torne fecunda, deve-se corromper também segundo dois modos.
  4. Um deve ser corporal, o outro espiritual.
  5. Deve-se compreender assim o modo corporal: o que quer que ele sofra quanto à fome, à sede, o desprezo e muitos sofrimentos imerecidos, de qualquer maneira que Deus lho inflija, ele deve acolhê-lo de bom grado e alegremente, tal como se Deus só o tivesse criado para o sofrimento, as vicissitudes e a pena, e ele não deve aí procurar e desejar em nada o seu bem próprio, nem no céu nem sobre a terra, e todo o seu sofrimento lhe deve parecer bem mínimo, tal como uma gota de água em relação com o mar encapelado.
  6. Também mínimo te deve parecer todo o teu sofrimento, comparado ao grande sofrimento de Jesus Cristo.
  7. Assim, o grão de milho, a tua alma, torna-se fecundo no nobre campo da humanidade de Jesus Cristo, e aí perece de tal forma que renuncia totalmente a si próprio.
  8. Tal é o primeiro modo da fecundidade do grão de milho caído no campo e na terra da humanidade de Jesus Cristo.
  9. Notem o segundo modo de fecundidade do espírito, do grão de milho!
  10. É toda a fome e a amargura espirituais nas quais Deus o faz cair; ele deve suportar tudo isso pacientemente; mesmo quando ele faz tudo o que ele pode, interiormente e exteriormente, ele não deve esperar nada em retorno.
  11. E se Deus o quisesse aniquilar ou lançar no inferno, ele não deve querer, nem desejar, que Deus o mantenha no seu ser ou que Ele o preserve do inferno, mas ele deve deixar Deus fazer dele aquilo que Ele quer, ou como se ele não existisse.
  12. Deus deve ter tanto poder sobre tudo aquilo que tu és, como sobre a sua própria natureza incriada.
  13. Tu deves ter outra coisa ainda.
  14. Eis: se Deus te tirasse a tua pobreza interior, te cumulasse de riqueza interior, e de graça, e te unisse a Ele próprio numa altura tão grande que a tua alma pudesse suportar, que então tu te consideres destituído dessa riqueza e dês a Deus apenas a honra, como quando a tua alma estava destituída quando Deus fez dela qualquer coisa a partir de nada.
  15. Tal é o outro modo da fecundidade que o grão de milho, a tua alma, recebeu da terra que é a humanidade de Jesus Cristo que, em toda a nobreza da sua fruição, permanecia desprendido como ele próprio diz aos fariseus: «Se eu procurasse a minha honra, a minha honra não seria nada. Eu procuro a honra do meu Pai que me enviou.» 1

Notas
  1. Como nele, o grão de milho da alma humana deve ser lançado ao campo da humanidade de Cristo, para que essa alma pereça como a sua, e produza também fruto no cêntuplo.

    Segundo dois modos: primeiro dando-se plenamente a Deus, quer dizer aceitando de bom grado todas os sofrimentos que Deus lhe quer enviar. Eles devem-lhe parecer mínimos, comparados com os de Cristo.

    Espiritualmente também, aceitando a fome e a amargura da alma, a sua aniquilação ou a sua danação se Deus quisesse assim. «Deus deve ter tanto poder sobre tudo aquilo que tu és, como sobre a sua própria natureza incriada.»

    E se Deus quiser conceder-te uma grande riqueza interior, que tu te consideres como destituído dessa riqueza, e prestes honra a Deus apenas. [  ]


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