Mestre Eckhart – Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente 3


  1. Hoje, quando vinha para aqui, eu questionava-me sobre como é que eu poderia pregar-vos suficientemente inteligivelmente para que vocês me compreendessem bem.
  2. Eu pensei então numa comparação, e se vocês conseguirem compreender, vocês compreenderão a minha maneira de ver, e o fundo de todos os pensamentos que eu alguma vez preguei.
  3. Era a comparação do meu olho e da madeira: quando o meu olho está aberto, é um olho; quando ele está fechado, é o mesmo olho.
  4. Quanto à madeira, quer ela seja vista ou não, não lhe acrescenta nem lhe retira nada.
  5. Compreendam-me bem! Mas se acontecer que o meu olho, que é um e simples em si próprio, estiver aberto e projetar a sua visão sobre a madeira, cada um fica aquilo que é, mas no entanto, na realização da visão, eles tornar-se-ão um, de tal forma que se pode dizer na verdade «olho-madeira», e a madeira é o meu olho.
  6. Mas se a madeira não tivesse matéria, e fosse absolutamente espiritual como a visão do meu olho, poder-se-ia dizer em verdade que na realização da visão, a madeira e o meu olho constituem um único ser.
  7. Se é verdade para as coisas materiais, é ainda bem mais verdadeiro para as coisas espirituais.
  8. Vocês devem saber que o meu olho tem muito mais unidade com o olho de uma ovelha que se encontra do outro lado do mar e que eu nunca vi, do que o meu olho tem de unidade com as minhas orelhas, com as quais ele está no entanto unido no mesmo ser; a causa disso é que o olho da ovelha tem a mesma atividade que o meu olho, e é por isso que eu lhe imputo mais unidade na operação do que eu o faço para os meus olhos e as minhas orelhas, porque eles diferem quanto às suas operações. 1

Notas
  1. «Hoje, quando vinha para aqui...» Acontece, de templos a tempos, que Mestre Eckhart fala de si próprio, das suas atividades, introduzindo os seus auditores no movimento do seu pensamento, e na intimidade da sua meditação; ele tenta com isto colocar ao alcance, daqueles que o escutam, verdades por vezes difíceis, mesmo paradoxais.

    Ele dá grande importância a isto, visto que ele chega a dizer: «Esse é o fundo de todos os pensamentos que eu alguma vez preguei.»

    Trata-se da teoria aristotélica da identidade entre o objeto conhecido e o conhecedor, da qual ele recebeu em herança através de São Tomás: a madeira e o olho que a observa tornam-se como um único; «olho-madeira, a madeira é o meu olho». Fórmula que pode surpreender os não iniciados e que por essa razão, ele a escolheu tão chocante quanto possível.

    No seu Comentário sobre São João, onde ele se refere expressamente a Aristóteles, ele escreve: «Ver e ser visto, é um mesmo ato».

    Aquilo que é verdadeiro dos objetos materiais, é ainda mais das realidades espirituais. A união reside na operação, mais do que no ser: assim, o olho humano e o de uma ovelha «do outro lado do mar» têm mais unidade entre eles do que os olhos e as orelhas que no entanto são um no ser. [  ]


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