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A mostrar mensagens de outubro, 2011

Mestre Eckhart – Antigamente vocês eram trevas

Os profetas hesitavam em transmitir o conhecimento que tinham de Deus O Pai gera o seu Filho único, e dessa efusão desabrocha o Espírito Santo que é o Espírito de um e do outro No nascimento eterno, onde o Pai gera o seu Filho, a alma fluiu no seu ser, e a imagem da Divindade é impressa na alma Não há devir em Deus, é um «agora», um devir sem devir, um novo sem renovação: eis o devir que é o seu ser Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Antigamente vocês eram trevas

Mestre Eckhart – Antigamente vocês eram trevas 1

Sermão 50 - Antigamente vocês eram trevas São Paulo diz: «Antigamente vocês eram trevas, mas agora uma luz em Deus.» (Ef 5, 8) 1 Os profetas que caminham na luz conhecem e encontram, sob a influência do Espírito Santo, a verdade escondida. Eles eram, por vezes, levados a voltarem-se para o exterior e a falar, para a nossa beatitude, das coisas que eles conheciam, e nos ensinarem a conhecer Deus, depois acontecia-lhe que se calavam porque eles não conseguiam falar. Isto por três causas. A primeira : o bem que eles conheciam e contemplavam em Deus era tão grande e tão escondido que não se podia formar no entendimento deles, porque tudo aquilo que aí se podia formar era tão desigual àquilo que eles contemplavam em Deus, e tão falso, comparado com a verdade, que eles se calavam, não querendo mentir. A segunda causa: tudo aquilo que eles viam em Deus era tão igualmente grande e nobre que eles não lhe conseguiam tirar nem imagem, nem forma, para falar daquilo. A terceira c

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Ora Paulo diz: «Antigamente vocês eram trevas, mas agora uma luz em Deus.» « Aliquando », para aquele que consegue plenamente sondar esta palavra, significa «antigamente» e designa o tempo que obstrui para nós a luz, porque nada é tão contrário a Deus como o tempo. Não apenas o tempo, ele quer dizer também uma ligação ao tempo; ele também não quer dizer apenas uma ligação ao tempo, ele quer dizer também um contato com o tempo. Não apenas um contato com o tempo, menos ainda: um cheiro e um odor do tempo, da mesma forma que um odor fica lá onde uma maçã foi colocada: entende assim o contato com o tempo. Os nossos melhores mestres dizem que o céu material, o sol e também as estrelas têm tão pouco a ver com o tempo que eles apenas tocam no tempo. Aqui eu penso que a alma é absolutamente criada longe acima do céu e que, naquilo que ela tem de mais elevado e de mais puro, ela não tem nada a ver com o tempo. Eu falei frequentemente da operação em Deus e do nascimento: o Pai gera

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É o que pensa Paulo quando diz: «mas agora uma luz em Deus». Ele não diz: «vocês são uma luz», ele diz: «mas agora uma luz». Ele quer dizer aquilo que eu disse frequentemente: é preciso que aquele que deve conhecer as coisas, as conheça na sua causa. Os mestres dizem: as coisas têm uma ligação ao seu nascimento, porque lá elas podem ter do ser a visão mais pura. Porque, onde o Pai gera o seu Filho, é um «agora» presente. No nascimento eterno, onde o Pai gera o seu Filho, a alma fluiu no seu ser, e a imagem da Divindade é impressa na alma. 1 Notas Eckhart passa ao comentário da segunda parte do texto: «Mas agora uma luz». Ele dá certamente uma grande importância à forma na qual São Paulo exprime o seu pensamento, e sublinha o facto de Paulo não dizer «vocês são uma luz», mas antes «agora uma luz em Deus». No sermão 21, Um Deus e Pai de todos , já tivemos um exemplo do comentário que ele fez desta omissão. Nesse sermão, o verbo «ser» parece a Eckhart ter para São Pa

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Quando se falou disto na Escola, alguns mestres disseram que Deus imprimiu a imagem na alma como aquele que pinta uma imagem na parede, e que se apaga. Isto foi contradito. Outros mestres falaram melhor e disseram que Deus imprimiu uma imagem permanente, como um pensamento que permanece nela. Como por exemplo: hoje eu tenho uma vontade, e eu tenho amanhã o mesmo pensamento, e eu retenho a imagem pela minha representação permanente. Eles disseram portanto que as obras de Deus são perfeitas. Se o carpinteiro fosse perfeito na sua obra, ele não teria necessidade de materiais: assim que ele pensasse nela, a casa estaria acabada. Tais são as obras de Deus: assim que Ele pensa nelas, as obras são completadas num «agora» presente. Veio o quinto mestre, ele foi o melhor a falar, e disse: não há devir (em Deus), é um «agora», um devir sem devir, um novo sem renovação: eis o devir que é o seu ser. Em Deus há uma subtileza na qual não pode haver renovação. Há também na alma uma

Mestre Eckhart – Feliz o ventre que te trouxe

A pessoa que escuta a palavra de Deus, e que a guarda, é mais feliz do que foi Maria Quem escuta a palavra de Deus, para a guardar, deve possuir quatro coisas Aquele que escuta a palavra de Deus, e a guarda, recebe uma tal honra, e infinitamente mais Com o Pai, na potência do Filho, tu geras sem descanso a ti próprio, e todas as coisas, num contínuo presente Se o grão de milho caído na terra não perece, fica sozinho e não dá fruto, mas se cai na terra e perece, produz fruto em cêntuplo Quem quer lançar a sua alma no campo da humanidade de Jesus Cristo, afim de que ela aí pereça, e se torne fecunda, deve-se corromper também segundo dois modos Se alguém fosse mais humilde e menor que João, seria eternamente maior do que ele no reino dos céus Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Feliz o ventre que te trouxe

Mestre Eckhart – Feliz o ventre que te trouxe 1

Sermão 49 - Feliz o ventre que te trouxe Lê-se hoje no evangelho que uma mulher, uma mulher casada, diz a Nosso Senhor: «Feliz o corpo que te trouxe, felizes as mamas que te amamentaram.» Então Nosso Senhor diz: «Tu dizes a verdade. Feliz é o corpo que me trouxe e felizes são as mamas que me amamentaram. Mas mais feliz ainda é aquele que escuta a minha palavra e a guarda.» (Lc 11, 27) 1 Prestem bem atenção a esta frase que disse Cristo: «Mais feliz é aquele que escuta a minha palavra e a guarda, do que o corpo que me trouxe, e as mamas que me amamentaram.» Se eu tivesse dito isso, e se fosse a minha própria frase - que a pessoa que escuta a palavra de Deus, e que a guarda, é mais feliz do que foi Maria nesse nascimento que a tornou corporalmente mãe de Cristo - eu repito; se eu tivesse dito isso, as pessoas poderiam espantar-se, mas é o próprio Cristo que o diz. É por isso que devemos acreditar nele como sendo a verdade, porque Cristo é a verdade. Notem o que entende aque

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São Gregório escreve-nos que quem escuta a palavra de Deus, para a guardar, deve possuir quatro coisas. A primeira , é que ele se deve ter mortificado a ele próprio em todos os seus movimentos carnais, ter morto em si todas as coisas corruptíveis, e estar ele próprio morto a tudo o que é corruptível. A segunda condição, é que ele se tenha totalmente e absolutamente elevado em Deus pelo conhecimento, pelo amor, e pela interioridade verdadeira e total. A terceira , é que ele não faça a ninguém aquilo que lhe seria penoso se lhe fizessem a ele. A quarta , é que ele seja generoso quanto às coisas temporais e ao bem espiritual, que ele dê tudo isso generosamente. Muitas pessoas parecem dar, mas na verdade não dão. Essas pessoas são aquelas que fazem o seu dom àqueles que até possuem mais desse bem do que elas próprias dão, do qual elas próprias não possuem, enquanto que talvez até não seja desejado, ou apenas com o fim de que lhes seja prestado algum serviço em troca do seu d

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Toda a santa cristandade presta a Nossa Senhora grande honra e dignidade porque ela é corporalmente a mãe de Cristo, está certo. A santa cristandade pede-lhe a graça, e ela pode obtê-la, e está certo. E se a santa cristandade lhe presta uma tão grande honra, o que está bem certo, a santa cristandade pode oferecer ainda muito mais louvor e honra àquele que escutou a palavra de Deus, e a guardou, porque ele é ainda mais feliz do que Nossa Senhora por ter sido corporalmente a mãe de Cristo, tal como Cristo o disse ele próprio. Aquele que escuta a palavra de Deus, e a guarda, recebe uma tal honra, e infinitamente mais. Eu fiz este prólogo para que vocês se recolhessem durante este tempo. Perdoem-me por vos ter assim retido. Eu quero agora pregar. Nós pegamos em três pontos do evangelho sobre os quais eu quero pregar. O primeiro é: «Aquele que escuta a palavra de Deus, e a guarda, esse é feliz.» A segunda é: «Se o grão de milho não cai na terra e não perece, fica sozinho

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E Cristo diz: «Aquele que escuta a palavra de Deus, e a guarda, esse é feliz.» Ora apliquem-se a compreender o sentido! O próprio Pai não escuta nada a não ser esse Verbo, Ele não conhece nada a não ser esse mesmo Verbo, Ele não diz nada a não ser esse mesmo Verbo, Ele não gera nada a não ser esse mesmo Verbo. Nesse mesmo Verbo, o Pai escuta, e o Pai conhece, e o Pai gera-se a Ele próprio, e também gera esse mesmo Verbo, e todas as coisas, e a sua Divindade até ao seu fundo, Ele próprio segundo a natureza, e esse Verbo com a mesma natureza numa outra Pessoa. Pois bem! notem o modo dessa Palavra! O Pai pronuncia segundo o modo do conhecimento, em fecundidade, a sua própria natureza, totalmente, no seu Verbo eterno. Ele não pronuncia voluntariamente o Verbo como um ato da vontade, como quando qualquer coisa é dita ou feita pela faculdade da vontade e que, nessa mesma faculdade, se pode também omitir caso se queira. Não é assim para o Pai, e para o seu Verbo eterno: quer E

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Agora eu pego no outro ponto. É o que diz Nosso Senhor: «Se o grão de milho caído na terra não perece, fica sozinho e não dá fruto, mas se ele cai na terra e perece, ele produz fruto em cêntuplo.» «Em cêntuplo», isto significa no sentido espiritual: produz fruto sem número. Mas o que é o grão de milho que cai na terra, e o que é a terra no qual ele deve cair? Como eu quero provar desta vez, é o espírito, esse grão de milho a quem se nomeia ou que se chama uma alma humana, e a terra na qual ele deve cair, é a toda louvável humanidade de Jesus Cristo, eis com efeito o campo mais nobre que foi alguma vez criado da terra ou preparado para alguma fecundidade. O próprio Pai, e esse mesmo Verbo e Espírito Santo, prepararam o campo. Pois bem! qual era o fruto desse precioso campo de Jesus Cristo na sua humanidade? Era a sua nobre alma a partir do momento em que aconteceu, pela vontade de Deus e o poder do Espírito Santo, o serem formados a nobre humanidade e o nobre corpo, para

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Eis que vocês acabaram de escutar como foi que a nobre alma de Nosso Senhor Jesus Cristo se tornou fecunda na sua santa humanidade. Ora vocês devem para alem disso ainda notar agora como é que o ser humano também deve aí chegar. Esse ser humano que quer lançar a sua alma, o grão de milho, no campo da humanidade de Jesus Cristo, afim de que ela aí pereça, e se torne fecunda, deve-se corromper também segundo dois modos. Um deve ser corporal, o outro espiritual. Deve-se compreender assim o modo corporal : o que quer que ele sofra quanto à fome, à sede, o desprezo e muitos sofrimentos imerecidos, de qualquer maneira que Deus lho inflija, ele deve acolhê-lo de bom grado e alegremente, tal como se Deus só o tivesse criado para o sofrimento, as vicissitudes e a pena, e ele não deve aí procurar e desejar em nada o seu bem próprio, nem no céu nem sobre a terra, e todo o seu sofrimento lhe deve parecer bem mínimo, tal como uma gota de água em relação com o mar encapelado. Também míni

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O terceiro ponto deste sermão, é o que disse Nosso Senhor: «João Batista é grande, ele é o maior que alguma vez apareceu entre todos os filhos das mulheres, mas se alguém fosse menor do que João, seria maior do que ele no reino dos céus.» Pois bem! notem quanto são estranhas e singulares as palavras de Jesus Cristo: ele louvou a grandeza de João, ele diz que ele era o maior daqueles que nasceram alguma vez da mulher, e ele diz no entanto: «Se alguém fosse menor do que João, seria maior do que ele no reino dos céus.» Como devemos nós compreender isto? Eu vou vos mostrar. Nosso Senhor não contradiz a sua própria palavra. Quando ele louvava João de ser o maior, queria dizer que ele era pequeno em verdadeira humildade: tal era a sua grandeza. Nós podemos constatá-lo porque o próprio Cristo diz: «Aprendam de mim que eu sou manso e humilde de coração.» Tudo o que em nós é virtudes, é em Deus um ser puro, e a sua própria natureza. É por isso que Cristo diz: «Aprendam de mim q

Mestre Eckhart – Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente

Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente e unem-se entre elas No ser humano que profundamente se renunciou, é preciso que Deus se derrame totalmente A união reside na operação, mais do que no ser Há uma luz que está na alma, que é incriada e incriável Essa centelha recusa todas as criaturas, e só quer Deus na sua nudez Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente

Mestre Eckhart – Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente 1

Sermão 49 - Todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente Um mestre diz: todas as coisas semelhantes amam-se reciprocamente e unem-se entre elas, e todas as coisas dissemelhantes afastam-se e odeiam-se reciprocamente. 1 Um outro mestre diz que nada é tão dissemelhante quanto o céu e a terra. A terra sentiu na sua natureza que ela está longe do céu e lhe é dissemelhante. É por isso que ela fugiu dele até ao lugar mais baixo, e é por isso que a terra é imóvel, afim de não se aproximar do céu. O céu constatou na sua natureza que a terra fugiu dele, e que ocupou o lugar mais baixo. É por isso que ele se derrama totalmente na terra em fecundidade, e os mestres consideram que o largo e vasto céu não contém nada, mesmo na largura de uma ponta de agulha, que ele não o dê totalmente à terra em fecundidade. É por isso que a terra se chama a criatura mais fecunda entre todas as coisas temporais. 2 Notas É bastante raro que um sermão não seja introduzido por um texto d

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Da mesma maneira, portanto, eu digo do ser humano que se aniquilou a si próprio, em Deus, e em todas as criaturas: esse ser humano ocupou o lugar mais baixo, e nesse ser humano, é preciso que Deus se derrame totalmente, ou então Ele não é Deus. Eu digo-o de boa vontade, e em eterna verdade, e em perdurável verdade: em todo o ser humano que profundamente se «renunciou» (deixou), é preciso que Deus se derrame totalmente segundo todo o seu poder, tão completamente e absolutamente que em toda a sua vida, em todo o seu ser, na sua natureza, e em toda a sua Divindade, Ele não reserve nada que Ele não deva absolutamente derramar em fecundidade no ser humano que está «abandonado» (deixado) a Deus, e ocupou o lugar mais baixo. 1 Notas Como no sermão 22, Salve, cheia de graça , com uma força singular, como no sermão 26, Mulher, a hora chegará , e noutros lugares ainda, Eckhart insiste sobre a necessidade na qual se encontra Deus de se derramar no ser humano humilde, ele não encontra

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Hoje, quando vinha para aqui, eu questionava-me sobre como é que eu poderia pregar-vos suficientemente inteligivelmente para que vocês me compreendessem bem. Eu pensei então numa comparação, e se vocês conseguirem compreender, vocês compreenderão a minha maneira de ver, e o fundo de todos os pensamentos que eu alguma vez preguei. Era a comparação do meu olho e da madeira: quando o meu olho está aberto, é um olho; quando ele está fechado, é o mesmo olho. Quanto à madeira, quer ela seja vista ou não, não lhe acrescenta nem lhe retira nada. Compreendam-me bem! Mas se acontecer que o meu olho, que é um e simples em si próprio, estiver aberto e projetar a sua visão sobre a madeira, cada um fica aquilo que é, mas no entanto, na realização da visão, eles tornar-se-ão um, de tal forma que se pode dizer na verdade «olho-madeira», e a madeira é o meu olho. Mas se a madeira não tivesse matéria, e fosse absolutamente espiritual como a visão do meu olho, poder-se-ia dizer em verdade que

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Eu algumas vezes falei de uma luz que está na alma, que é incriada e incriável. Dessa luz, eu falo sempre nos meus sermões, e essa mesma luz apreende Deus sem intermediário, sem que nada o recubra e na sua nudez, tal qual Ele é Ele próprio, e é esse o apreender na realização do nascimento. Então, eu posso verdadeiramente dizer que a luz tem mais unidade com Deus do que ela tem unidade com qualquer faculdade humana, no entanto com a qual ela é «um» no ser. Porque vocês devem saber que esta luz não é mais nobre no ser da minha alma do que a potência mais baixa ou a mais grosseira de todas, como o ouvido ou a vista, ou uma outra potência que respeita à fome ou à sede, ao frio ou ao calor; a razão disso é que o ser é simples. De tal forma que se se considera as potências no ser, elas são todas «um» e igualmente nobres, mas se se considera as potências nas suas operações, uma é muito mais nobre e mais elevada do que a outra. 1 Notas Como outro exemplo da unidade na operaçã

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Eu digo portanto: quando o ser humano se afasta de si próprio, e de todas as coisas criadas - tanto tu ages assim, tanto tu estás unido e bem-aventurado na centelha da alma que nunca toca no tempo, nem no espaço. Essa centelha recusa todas as criaturas, e só quer Deus na sua nudez, tal qual Ele é n'Ele próprio. Não lhe chega nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo, nem as Três Pessoas, na medida em que cada uma delas fica na sua particularidade. Eu digo na verdade que para essa luz não é suficiente a unicidade da natureza divina enquanto fecunda. Eu direi mais, o que dará um aspeto ainda mais estranho; eu digo-o em boa verdade, e em eterna verdade, e em perdurável verdade: a essa mesma luz não é suficiente nem mesmo o ser divino simples e impassível que não dá nem recebe; ela quer saber de onde vem esse ser; ela quer penetrar no fundo simples, no deserto silencioso onde nunca a distinção lançou um olhar, nem Pai, nem Filho, nem Espírito Santo, o mais íntimo onde nad

Mestre Eckhart – O Espírito do Senhor encheu o globo da terra

As criaturas trazem em si uma marca da natureza divina da qual elas emanam Um carpinteiro que faz uma casa formou-a nele previamente O que Deus opera de mais nobre em todas as criaturas, é o ser Com as potências superiores a alma toca na eternidade, mas com as potências inferiores ela toca no tempo Como é que a alma pode suportar, sem morrer, que Deus a aperte a Ele? Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » O Espírito do Senhor encheu o globo da terra

Mestre Eckhart – O Espírito do Senhor encheu o globo da terra 1

Sermão 47 - O Espírito do Senhor encheu o globo da terra «O Espírito do Senhor encheu o globo da terra.» (Sb 1, 7). Um mestre diz que todas as criaturas trazem em si uma marca da natureza divina da qual elas emanam, por forma que elas possam operar segundo a natureza divina de onde elas fluíram. 1 As criaturas emanam segundo dois modos. O primeiro modo dessas emanações está nas suas raízes, da mesma forma que as raízes produzem a árvore. O segundo modo da emanação é segundo um modo unificador. Vejam, a emanação da natureza divina produz-se também segundo dois modos. Uma dessas emanações é a do Filho a partir do Pai, ela ocorre segundo o modo da geração. A outra emanação é segundo um modo unificador, o Espírito Santo; esta emanação é a do amor do Pai e do Filho: é o Espírito Santo porque os dois se amam nele. Vejam, todas as criaturas manifestam que elas emanaram e fluíram da natureza divina, e elas trazem uma marca dela nas suas obras. Um mestre grego diz que Deus

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Sobre este assunto, um mestre grego diz que a natureza, porque ela age dentro do tempo e do espaço, diferencia o filho do pai. Um mestre diz: um carpinteiro que faz uma casa formou-a nele previamente, e se a madeira estivesse suficientemente submetida à sua vontade, logo que ele quisesse, ela (a casa) ficaria pronta, e se a matéria não existisse não existiria outra diferença a não ser entre a geração e o imediatamente gerado. Vejam, não é assim em Deus porque não há nele nem tempo nem espaço, é por isso que elas (as Pessoas divinas) são um em Deus, e não existe outra diferença a não ser entre a emanação e o emanado. 1 Notas Ora, o ser humano pode percorrer ao contrário esta segunda emanação. É esta a importância da comparação com o carpinteiro, muitas vezes citada: o carpinteiro traz no seu espírito a imagem da casa que ele quer construir, e para compreender essa casa, é preciso reencontrar a ideia no espírito do carpinteiro. Da mesma forma, o ser humano só se compree

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«O Espírito do Senhor». Porque é que Ele se chama Senhor? É porque ele nos enche. Porque é que Ele se chama Espírito? É porque Ele nos une a Ele. Reconhece-se a senhoria por três sinais. Um deles, é que o Senhor é rico. Rico é aquilo que possui tudo sem nenhuma falta. Eu sou um homem e se eu sou rico, eu não sou por isso um outro homem. Se eu fosse todos os homens, eu não seria por isso um anjo. Mas se eu fosse anjo e homem, eu não seria por isso todos os anjos. É por isso que não é verdadeiramente rico senão Deus apenas porque contém simplesmente todas as coisas n'Ele. É por isso que Ele pode dar totalmente: tal é o outro sinal da riqueza. Um mestre diz que Deus se oferece a Ele próprio a todas as criaturas, cada uma pode tomar d'Ele tanto quanto ela queira. Eu digo que Deus se oferece a mim como ao anjo mais elevado, e se eu estivesse tão disponível como ele, eu receberia tanto quanto ele. Eu disse frequentemente que Deus se comportou eternamente como se Ele tiv

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Um mestre diz: Deus é uma medida de todas as coisas, e segundo um ser humano tem em si mais de Deus que outro, ele é mais sábio, mais nobre, e melhor que o outro. Ter mais de Deus não é outra coisa do que ser mais semelhante a Deus; quanto mais há em nós semelhança com Deus, mais nós somos espirituais. Um mestre diz: onde terminam os espíritos mais baixos começam as coisas corporais mais altas. Tudo isto significa: Deus sendo espírito, a menor coisa que é espírito é mais nobre que a coisa corporal mais elevada. É por isso que uma alma é mais nobre que todas as coisas corporais, tão nobres quanto sejam. A alma é criada como num lugar entre o tempo e a eternidade, onde ela toca um e a outra. Com as suas potências superiores ela toca na eternidade, mas com as suas potências inferiores ela toca no tempo. Assim portanto, ela age no tempo, não segundo o tempo, mas segundo a eternidade. Isto, ela partilha-o com os anjos. Um mestre diz: o espírito é um trenó que leva a vida

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Uma questão à qual é difícil responder: como é que a alma pode suportar, sem morrer, que Deus a aperte a Ele? Eu digo: tudo o que Deus lhe dá, Ele dá-lhe n'Ele por duas razões. Eis uma: se Ele lhe desse o que quer que fosse fora d'Ele, ela desdenhá-lo-ia. Eis a outra razão: porque Ele lhe dá n'Ele próprio, ela pode recebê-lo e suportá-lo n'Ele, e não nela, porque o que é d'Ele é dela. Tendo-a subtraído a ela própria, é preciso que o que é d'Ele seja dela, e o que é dela seja verdadeiramente d'Ele. Assim, ela pode suportar a união com Deus. Tal é o «Espírito do Senhor» «que encheu toda a terra». Porque é que a alma se chama «toda a terra»? e como é preciso que seja a alma para que seja eleita, isso não é dito, mas notem bem isto: da mesma forma que Ele é «Senhor» e «Espírito», nós devemos ser uma «terra» espiritual e um «globo» que deve ser enchido pelo «Espírito do Senhor». 1 Nós rezamos ao nosso querido Senhor para que nós sejamos cheios