Livro da Vida Perfeita - A natureza e a graça
- «É preciso, diz-se igualmente, rejeitar e afastar ao mesmo tempo a vida de Cristo e todos os mandamentos, as leis, as instruções e as regras, etc.»
- Isso é falso e mentiroso.
- «Mas, poder-se-á dizer, visto que nem Cristo nem os outros não podem atingir nem obter nada de útil ao seguirem a vida de Cristo quer pelas instruções, regras, etc., visto que já possuem tudo o que há para atingir nelas, o que os pode impedir de se livrarem delas? Devem eles apesar disso continuar a preocupar-se com elas e a observá-las?»
- É preciso estar aqui bem atento. Existem dois tipos de luz: uma luz que é verdadeira e uma outra que é falsa.
- A verdadeira luz é a luz eterna - Deus - ou então uma luz criada e portanto divina - a que se chama a «graça». Tudo isto é a luz verdadeira.
- Quanto à falsa luz, é a luz natural - a natureza.
- «Porque é que uma é verdadeira e a outra falsa?»
- Sente-se mais do que se pode escrever ou dizer...
- Deus, enquanto Divindade, não tem nada de próprio: nem vontade, nem saber, nem manifestação, nem nada que se possa nomear, dizer ou pensar.
- Mas Deus, enquanto Deus, deve conhecer-se, amar-se e manifestar-se a Si próprio em Si próprio - tudo isto em Deus, enquanto essência e não enquanto ação: antes mesmo que exista qualquer criatura. É nesta revelação e nesta manifestação que aparece a distinção das pessoas divinas.
- Quando Deus enquanto Deus se torna homem-Deus, quando Ele vive num homem santificado, «qualquer coisa» lhe é própria então que lhe pertence a Ele apenas e não à criatura.
- Qualquer coisa que tem nela própria, antes de qualquer criatura, a sua origem e a sua essência, mas não a sua forma e a sua realidade.
- E Deus quer que «essa coisa» seja cumprida, porque ela está lá para se realizar e se cumprir.
- O que faria ela de outra forma? Se ela ficasse ociosa, para que serviria ela? O que não serve para nada, é vão: nem Deus nem a criatura o querem.
- Deus quer portanto que ela se realize e se cumpra.
- E isso não se pode produzir sem a criatura. Se não existisse nem isto nem aquilo, se não houvesse nenhuma ação, nenhuma atualidade, nenhuma realidade, etc., que faria Deus? O que seria ele? De quê seria ele Deus?
- É preciso parar aqui, e fazer marcha atrás.
- Porque, se quiséssemos continuar assim, em breve não saberíamos mais onde estávamos, nem como sair de lá...
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