Livro da Vida Perfeita - A natureza e a graça


  1. «É preciso, diz-se igualmente, rejeitar e afastar ao mesmo tempo a vida de Cristo e todos os mandamentos, as leis, as instruções e as regras, etc.»
  2. Isso é falso e mentiroso.
  3. «Mas, poder-se-á dizer, visto que nem Cristo nem os outros não podem atingir nem obter nada de útil ao seguirem a vida de Cristo quer pelas instruções, regras, etc., visto que já possuem tudo o que há para atingir nelas, o que os pode impedir de se livrarem delas? Devem eles apesar disso continuar a preocupar-se com elas e a observá-las?»
  4. É preciso estar aqui bem atento. Existem dois tipos de luz: uma luz que é verdadeira e uma outra que é falsa.
  5. A verdadeira luz é a luz eterna - Deus - ou então uma luz criada e portanto divina - a que se chama a «graça». Tudo isto é a luz verdadeira.
  6. Quanto à falsa luz, é a luz natural - a natureza.
  7. «Porque é que uma é verdadeira e a outra falsa?»
  8. Sente-se mais do que se pode escrever ou dizer...
  9. Deus, enquanto Divindade, não tem nada de próprio: nem vontade, nem saber, nem manifestação, nem nada que se possa nomear, dizer ou pensar.
  10. Mas Deus, enquanto Deus, deve conhecer-se, amar-se e manifestar-se a Si próprio em Si próprio - tudo isto em Deus, enquanto essência e não enquanto ação: antes mesmo que exista qualquer criatura. É nesta revelação e nesta manifestação que aparece a distinção das pessoas divinas.
  11. Quando Deus enquanto Deus se torna homem-Deus, quando Ele vive num homem santificado, «qualquer coisa» lhe é própria então que lhe pertence a Ele apenas e não à criatura.
  12. Qualquer coisa que tem nela própria, antes de qualquer criatura, a sua origem e a sua essência, mas não a sua forma e a sua realidade.
  13. E Deus quer que «essa coisa» seja cumprida, porque ela está lá para se realizar e se cumprir.
  14. O que faria ela de outra forma? Se ela ficasse ociosa, para que serviria ela? O que não serve para nada, é vão: nem Deus nem a criatura o querem.
  15. Deus quer portanto que ela se realize e se cumpra.
  16. E isso não se pode produzir sem a criatura. Se não existisse nem isto nem aquilo, se não houvesse nenhuma ação, nenhuma atualidade, nenhuma realidade, etc., que faria Deus? O que seria ele? De quê seria ele Deus?
  17. É preciso parar aqui, e fazer marcha atrás.
  18. Porque, se quiséssemos continuar assim, em breve não saberíamos mais onde estávamos, nem como sair de lá...

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