Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 51



Que os seres humanos devem ter grande atenção e prudência, afim de não compreenderem corporalmente uma coisa dita espiritualmente; e que é particularmente bom estar atento e prudente a estas duas palavras: «dentro» e «em cima».
  1. É por isso que tu deves obedecer humildemente a esse cego impulso de amor dentro do teu coração. E eu não compreendo aqui o teu coração corporal e de carne, mas o teu coração espiritual, o qual é a tua vontade. E tem bastante atenção, que tu não concebas nada corporalmente daquilo que é dito espiritualmente. Porque eu te digo na verdade, essas concepções e ideias corporais e carnais, daqueles que têm a inteligência imaginativa e o espírito da curiosidade, elas são causa de muito erro.
  2. Tu pudeste ver um exemplo disso, porque eu te disse e pedi para esconderes de Deus o teu desejo dentro daquilo que está em ti. Porque podia acontecer, se eu te tivesse dito para mostrares o teu desejo a Deus, que tu tivesses concebido a coisa mais corporal do que fazes quando eu te peço para o esconderes. Porque tu sabes bem que tudo o que é voluntariamente escondido, se encontra enterrado e lançado na profundeza do espírito. Também é a minha opinião de que é grandemente necessário o ter uma extrema prudência e atenção a escutar bem as palavras que são ditas com uma intenção espiritual, afim de que tu as compreendas e concebas não corporalmente mas espiritualmente, no sentido que elas têm; e muito particularmente, é preciso vigiar bem esta palavra «dentro» e a esta palavra «em cima». Porque, ao compreender mal estas duas palavras, acontecem inúmeros erros e ilusões àquele que se propõe ser operário na obra espiritual, segundo o meu julgamento; o que eu sei bastante bem, em parte por experiência, e em parte por ouvir dizer. E dessas ilusões, eu acho que te devo falar um pouco, segundo o meu julgamento.
  3. Um jovem discípulo na escola de Deus, recentemente afastado do mundo, esse vai imaginar que, durante o pouco tempo em que ele está entregue à penitência e à oração, segundo o conselho tomado na confissão, ele é então capaz de empreender e de tomar sobre ele o trabalhar na obra espiritual da qual ele ouviu falar quer por palavras quer por leituras (de outrem), quer ainda porque ele tenha lido qualquer coisa por ele próprio. E de seguida, quando ele lê ou ouve qualquer descrição do trabalho espiritual – e nomeadamente como (é que) um ser humano «deve reentrar dentro de si próprio» ou como ele deve «se ultrapassar a si próprio» - imediatamente, tanto por cegueira da alma quanto por curiosidade carnal do espírito, ele imagina, ouvindo mal e equivocando-se sobre essas palavras, ser chamado pela graça para trabalhar nessa obra, porque ele sente nele um desejo e uma inclinação natural para as coisas escondidas. E é a tal ponto que, se o seu diretor espiritual não lhe quiser nada conceder o meter-se à obra nessa obra, imediatamente ei-lo resmungando contra esse diretor e pensando – talvez mesmo, sim, afirmando aos seus semelhantes – que ele não consegue encontrar ninguém que saiba e possa plenamente compreendê-lo. E é por isso que imediatamente, por temeridade e presunção da sua curiosidade, ele irá abandonando a humilde oração e a penitência para se meter, crê ele, num trabalho todo espiritual dentro da sua alma. O qual trabalho, se for bem e verdadeiramente compreendido, não é nem um trabalho corporal nem um trabalho espiritual, e, em resumo, é um trabalho contra a natureza, do qual o diabo é o patrão. E é esse o mais curto caminho para a morte do corpo e da alma, porque é loucura e não é sabedoria, e que conduz o ser humano à demência. E no entanto, eles (que são assim) não acredita em nada disto: porque eles não têm outro propósito, fazendo assim, senão pensar em Deus.


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