Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 35



De três vias às quais se deve empregar um aprendiz contemplativo: leitura, pensamento e oração.
  1. Estas contudo, são vias às quais se deve empregar um aprendiz contemplativo, as quais são: Lição, Meditação e Oração; ou doutra forma chamadas, afim de que tu compreendas: leitura, reflexão e oração 1. Dessas três, tu encontrarás que foi escrito num outro livro por um outro homem 2 muito melhor do que eu seria capaz de dizer; e é por isso que não é necessário que eu te fale aqui das qualidades delas. Mas há aqui algo que te posso dizer: essas três estão a tal ponto atreladas e ligadas em conjunto que para os iniciantes, os quais são os beneficiários delas – e não os perfeitos, não! perfeitos tanto quanto se pode ser aqui – o exercício do pensamento não seria benfazejo sem uma prévia leitura ou audição da leitura; porque é exatamente a mesma coisa, ler ou ouvir ler: os letrados lêem nos livros, e os não letrados lêem pela audição dos letrados quando eles pregam a palavra de Deus. E também não, a oração não é obtida boamente por esses mesmos principiantes, sem prévio exercício do pensamento.
  2. Vê-o nesta prova: neste mesmo curso, a palavra de Deus tanto escrita como falada, é comparada a um espelho. Espiritualmente, os olhos da tua alma são a tua razão, e é a tua consciência que é o teu rosto espiritual. Ora, assim como se o teu rosto físico tem uma mácula, os olhos do teu rosto não podem ver essa mancha nem pensar que ela existe sem um espelho ou o ensinamento de um outro que não tu próprio; igualmente o mesmo também acontece espiritualmente: sem leitura ou audição da palavra de Deus, não é possível ao entendimento humano que uma alma, a qual é cega por hábito do pecado, possa ver a mancha e a sujidade na sua consciência.
  3. E assim prosseguindo: quando o ser humano vê no espelho, material assim como espiritual, ou quando ele aprende pelo ensinamento de um outro ser humano da existência e da localização da mácula no seu próprio rosto tanto físico quanto espiritual, é então, e então apenas que ele corre para a fonte para se lavar. E se essa mancha é um pecado pessoal, então a fonte será a santa Igreja, e a água, a confissão com as suas circunstâncias. Mas se é uma raiz obscura e um movimento do pecado, então a fonte será o Deus de misericórdia e a água, a oração com as suas circunstâncias. E é assim que tu podes ver que o exercício do pensamento, os iniciantes não o podem bem ter e com proveito sem a leitura prévia ou a audição da leitura; nem tão pouco a oração, sem o exercício do pensamento.

Notas
  1. A Lectio divina, ou Leitura Orante, é uma prática e método de oração, reflexão e contemplação praticada desde tempos antigos, particularmente nos mosteiros beneditinos. Consiste na prática de oração e leitura das Escrituras e tem o intuito de promover a comunhão com Deus e aumentar o conhecimento da Palavra de Deus. Guigo II, prior da Grande Cartuxa de 1174 até 1180, na sua famosa Scala Claustralium, a Escada do Claustro, construiu uma escada de quatro degraus, a saber: 1. Lectio - Leitura, 2. Meditatio - Meditação, 3. Oratio - Oração, e 4. Contemplatio - Contemplação. A Contemplação é a "obra" deste livro. [ ]
  2. Talvez Richard Rolle, o eremita de Hampole, no De Emendatione vitæ. [ ]



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