Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 34



Que Deus dá esta graça, não por vias mas livremente, e que não será possível chegar lá por nenhuma via.
  1. E se tu me perguntas por quais vias tu chegarás a esta obra, eu peço ao Todo-Poderoso Deus, na Sua grande graça e cortesia, que Ele te ensine Ele próprio. Porque na verdade, eu não posso mais do que dar-te a pensar quanto incapaz eu sou de to dizer; e não há nada de espantoso nisso. Porque, com efeito, esse é o trabalho e a obra de Deus apenas, que Ele realiza Ele próprio na alma que Lhe agrada, sem nenhum mérito dessa própria alma. E sem isso, não há nem santo nem anjo que possa pensar sequer em a desejar. E eu tenho confiança que nosso Senhor tão frequentemente e tão particularmente consinta, sim! e mais particularmente mesmo e mais frequentemente, em realizar esta obra naqueles que foram acostumados pecadores, do que em outros tais que nunca O ofenderam tão gravemente quanto aqueles. O que Ele faz (assim), porque Ele quer ser visto como Todo-Misericordioso e Todo-Poderoso, e porque Ele quer ser visto como agindo como Lhe agrada, onde Lhe agrada e quando Lhe agrada.
  2. E no entanto, Ele não faz dom dessa graça, e também não realiza essa obra, em qualquer alma que não seja capaz. Mas, sem essa própria graça, não existe nenhuma alma capaz de possuir essa graça; nem sequer uma, quer seja dum pecador ou dum inocente. Porque, ela não é mais dada pela inocência nem ela é mais retida ou recusada pelo pecado. Presta bastante cuidado a que eu digo "recusada", e não "retirada". Atenção a este erro, eu te suplico: porque quanto mais os seres humano se aproximam da verdade, mais é preciso que eles se mantenham de guarda quanto ao erro. Eu não tenho intenção, a não ser boa e precisa: também, a menos de entender e compreender bem a coisa, deixa-a de lado até ao tempo que venha e to ensine Deus. Faz portanto assim, e não te vás ofender a ti próprio.
  3. Atenção ao orgulho, o qual blasfema contra Deus nos Seus dons, com efeito, e isoladamente endurece o pecador. Quanto a ti, sê humilde verazmente, e tu terás desta obra o sentimento que eu disse: do qual Deus faz dom livremente e não por resposta a qualquer mérito. Porque esta obra é tal e assim, que a sua presença torna uma alma capaz de a ter na sua possessão e de ter dela o sentimento. E esta capacidade, sem a obra, nenhuma alma a tem e também não a pode ter. É a própria obra que torna a alma capaz da obra, sem partilha; por forma que apenas aquele que tem e conhece o sentimento dessa obra é por isso mesmo capaz, e nenhum outro sem ser esse. E é tanto assim que, sem a obra, uma alma está como se estivesse morta e não pode nem aspirar a ela nem desejá-la. Tanto quanto tu a queres e a desejas, assim tanto tu a tens, e não mais, nem menos; no entanto, ela não é nem vontade nem tão pouco desejo, mas uma coisa que tu não sabes o quê, a qual (coisa) te atrai a querer e desejar o que tu não sabes o quê. Mas não te inquietes, eu te suplico, se o teu entendimento não chega até lá: pelo contrário, quer e deseja e segue para diante sempre mais, por forma a que tu sejas cada vez mais capaz e ainda sempre mais.
  4. E para me resumir em breve, deixa isso agir em ti e te conduzir onde lhe agrada. Deixa que isso seja o artesão e o operador, para não seres, tu, senão o paciente e aquele que se sujeita: tu só tens que olhar e deixar fazer. Não te envolvas, como se tu quisesses ajudar, com receio de tudo enredar. Para ti, não sejas nada senão a madeira, e que aquilo seja o artesão dessa madeira; não sejas senão a casa, e que aquilo seja o habitante dessa casa, o cultivador que reside lá. Sê e faz-te cego durante esse tempo, e rejeita todo o desejo e toda a ambição de conhecimento, os quais bens mais te farão obstáculo do que eles te podem ajudar. Que seja suficiente, para ti, o sentires-te movido e possuído no teu grado e assentimento por essa coisa que tu não sabes o quê e da qual tu não sabes nada, senão que nesse teu movimento tu não tens nenhum pensamento particular por nenhuma coisa abaixo de Deus, e que esse impulso nu é diretamente dirigido para Deus.
  5. E se as coisas forem assim, tu podes ter firme confiança de que é Deus, e Ele apenas, que move diretamente a tua vontade e o teu desejo, plenamente por Si próprio, não por vias intermediárias do Seu lado ou do teu. E não tenhas temor nem pavor, porque o diabo não pode chegar tão proximamente íntimo. Ele nunca pode, senão ocasionalmente e por vias distantes, chegar a mover a vontade de um ser humano, mesmo qualquer subtil diabo que alguma vez exista. E também, um bom anjo não pode mover a tua vontade suficientemente e sem vias; e, para dizer brevemente, nada nem ninguém senão Deus. E Deus apenas.
  6. Por forma que, tu poderás conceber um pouco por estas palavras aqui (mas muito mais claramente na prova e por experiência) que, nesta obra, os seres humanos não podem usar meios e vias, e que também eles não podem lá chegar por meios e vias. Não existe boa via que não dependa dela, mas ela não depende de nenhuma; e não existe nenhuma senão ela própria para lá chegar.


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