Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 7



Como o ser humano se guardará, nesta obra, contra todos os pensamentos, e particularmente contra aqueles saídos da curiosidade e da astúcia do espírito natural.
  1. E se qualquer ideia se eleva e continuamente se quer forçar acima de ti, entre ti e essa obscuridade, te questionando e dizendo: «O que procuras tu? E o que gostarias tu de ver?» Tu dirás, tu, que é Deus que tu queres possuir: «É Ele que eu desejo, Ele que eu procuro, e nenhum outro para além d'Ele.»
  2. E se ela te pergunta: «O que é Deus?» Diz-lhe, tu, que foi Deus que te fez, e resgatou, e que graciosamente te chamou para este grau. «E n'Ele, tu dirás, nula e para nada é a tua habilidade.» E é por isso que tu ordenas: «Para baixo, tu, vai-te para baixo.» E rapidamente tu pões-lhe o pé em cima com um impulso de amor, por muito santa que ela te pareça, e que ela te parecesse querer ajudar-te a procurá-l'O. Porque, talvez certamente, ela queria meter-te no espírito diversos, muito admiráveis e maravilhosos aspetos da Sua bondade, e afirmar que Ele é todo doçura e todo amor, todo graça e todo misericórdia. E se tu a quiseres escutar, ela não pede melhor; porque para terminar, e sempre mais te disputando assim, ela te distrairá, a ti, do amor, para te meter no espírito a Sua Paixão.
  3. E lá, ela te fará ver a maravilhosa bondade de Deus, e se tu a escutas, ela não espera mais nada que isso. Porque rapidamente depois, ela te mostrará a tua miserável vida antiga, e talvez, a pensar nela e a vê-la, te levará ao espírito qualquer lugar onde tu residiste nesse tempo antigo. De tal forma que para acabar, e antes que tu te tenhas apercebido, eis que estás lançado não sabes onde na dissipação. E a causa dessa dissipação, é que tu te prestaste de bom grado em primeiro lugar a ouvi-la, depois porque tu lhe respondeste, e porque tu a admitiste e recebeste, e porque tu a deixaste fazer o que ela quis.
  4. E no entanto, pelo menos, a coisa que ela dizia, parecia toda ela ser boa e santa. E mesmo tão santa, sim, que o homem ou a mulher que acreditassem atingir a contemplação sem tais numerosas e ternas meditações sobre a sua própria miséria, sobre a Paixão, a Bondade, a Excelência e a Perfeição de Deus, antes de lá chegarem, certamente se enganariam e falhariam o seu objetivo. Mas pelo menos, resta ao homem ou à mulher, que longamente se empregaram nessas meditações, de as deixarem portanto, e de as rejeitarem e de as afastarem para muito longe debaixo da "nuvem de esquecimento", se eles querem alguma vez penetrar e furar um dia a "nuvem de desconhecimento" que está entre eles e Deus.
  5. Também portanto, qualquer que seja o momento em que tu te dispões para esta obra, e qual o sentimento de aí seres chamado pela graça de Deus: eleva então o teu coração para Ele, com um movimento e um impulso de humildade e de amor, na ideia do Deus que te criou, e redimiu, e que graciosamente te chamou ao grau em que tu estás, não admitindo nenhuma outra ideia para além dessa única ideia de Deus. E mesmo essa, apenas se tu te sentires levado a ela: porque um impulso direto e nu para Deus é mais que suficiente, sem nenhuma outra causa que não seja Ele próprio.
  6. E que, se (optares por) esse impulso, convêm-te tê-lo como que dobrado e empacotado numa palavra, afim de mais firmemente aderires a ele, então que seja uma pequena palavra, e com muito poucas sílabas: porque quanto mais curta ela é, melhor ela está de acordo com a obra do Espírito. Tal palavra é a palavra: DEUS, ou ainda a palavra: AMOR. Escolhe aquela que tu quiseres, ou outra que te agrade, desde que seja curta de sílabas. E essa, agarra-a tão firme ao teu coração, que ela nunca se afaste, apesar do que aconteça.
  7. E essa palavra será o teu escudo e a tua espada, quer tu andes em paz ou em guerra. Com esta palavra tu baterás nessa nuvem e nessa obscuridade acima de ti. E com ela tu abaterás todo o tipo de ideias para debaixo da "nuvem do esquecimento". A tal ponto que, se qualquer ideia te importuna de cima e te pergunta o que tu gostarias de possuir, tu não lhe responderás com nenhumas palavras senão com apenas essa palavra. E se ela argumentar com a sua competência oferecendo-se para te explicar essa palavra muito sabiamente e te expor as suas qualidades ou propriedades, diz-lhe: que tu a queres guardar e possuir intacta na sua inteireza, e não quebrada ou desfeita.
  8. E se tu te queres manter firme nesse propósito, tem a certeza que nem mais um instante, ela permanecerá. E porquê? Porque tu não queres nem a deixas alimentar-se nas doces meditações sobre Deus, alegadas acima.


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