Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 3



Como deve ser empreendida a obra que diz este livro, da sua preeminência sobre todas as coisas.

  1. Eleva para Deus o teu coração num impulso de humildade e de amor; pensa n'Ele apenas, e não nos Seus bens 1. Assim, considera com repugnância todos os pensamentos que não sejam d'Ele 2. Por forma a que no teu entendimento e na tua vontade, não haja outra obra senão a Sua 3. E aquilo que tu tens de fazer, é esquecer todas as criaturas que Deus alguma vez fez, e mesmo as obras delas 4, a fim de que nem o teu pensamento nem o teu desejo não se levantem nem se inclinem para nenhuma delas, nem no geral nem no particular 5; deixa-as existirem e não te preocupes com elas. A obra da alma que mais agrada a Deus, é esta 6. Todos os santos e os anjos têm alegria neste trabalho e eles apressam-se a ajudar nele com todas as suas forças. Os demónios entram todos em furor quando tu te dedicas a ele, e eles esforçam-se tanto que eles podem conseguir que falhemos nele. Todos os humanos vivos sobre a terra são maravilhosamente assistidos por eles (os santos e os anjos), apesar de tu não saberes como. E as almas no purgatório, sim, são aliviadas das suas penas pela virtude desta operação. Tu próprio és purificado por ela e és tornado virtuoso mais que por qualquer outra obra. E no entanto, é a mais fácil de todas, quando com a graça a alma se sente levada até ela, e é o mais rapidamente feita. Mas de outra forma, ela é árdua, e é para ti como que um prodígio o realizá-la.
  2. É por isso que tu não te deves relaxar, mas deves trabalhar até à altura em que tu te sintas levado até ela (esta obra). Porque, nos começos, quando tu o fazes, não encontras nada a não ser uma obscuridade; e como se aí existisse uma nuvem de desconhecimento, tu não sabes o quê, exceto que tu sentes na tua vontade um impulso movido para Deus. Essa obscuridade e essa nuvem estão, o que quer que tu faças, entre ti e o teu Deus, e elas fazem com que tu não possas nem claramente O ver pela luz do entendimento na tua razão, nem O sentir na tua afeição pela doçura do amor. 7
  3. Portanto, prepara-te para estares nessa obscuridade tanto quanto tu possas, sempre mais suspirando por Aquele que tu amas. Porque se alguma vez o teu sentimento chegar a O conhecer ou se tu O vires, tanto quanto se pode aqui em baixo, sempre será na nuvem dessa obscuridade. E se tu tens vontade de te esforçares ativamente assim como eu te peço, eu tenho toda a confiança na Sua misericórdia que tu lá chegarás.

Notas
  1. A alma humana é constituída por três potências: 1) o Entendimento (ou Razão, ou Mente), 2) a Memória, e 3) a Vontade (ou Desejo). O "coração" (a Vontade ou Desejo) deve elevar-se para Deus num impulso de humildade e de amor. [ ]
  2. No Entendimento (ou Razão, ou Mente) considerar com repugnância todos os pensamentos que não sejam de Deus. [ ]
  3. No Entendimento (ou Razão, ou Mente) e na Vontade (ou Desejo) não deve haver outra obra senão a obra de Deus. [ ]
  4. A Memória deve esquecer todas as criaturas, e mesmo as obras das criaturas. [ ]
  5. A fim de que nem o teu pensamento (o Entendimento, ou Razão, ou Mente) nem o teu desejo (ou Vontade) não se levantem nem se inclinem para nenhuma das criaturas, nem no geral nem no particular. [ ]
  6. Portanto, a "obra" de que fala este livro consiste em: 1) o Entendimento (ou Razão, ou Mente) deve considerar com repugnância todos os pensamentos que não sejam de Deus, 2) a Memória deve esquecer todas as criaturas, e mesmo as obras das criaturas, e 3) a Vontade (ou Desejo) deve elevar-se para Deus num impulso de humildade e de amor. [ ]
  7. Essa obscuridade e essa nuvem estão, o que quer que tu faças, entre ti e o teu Deus, e elas fazem com que tu não possas nem claramente ver Deus pela luz do entendimento na tua razão (o pensamento na Mente), nem sentir Deus na tua afeição (o amor na Vontade ou Desejo) pela doçura do amor. [ ]



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