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Mestre Eckhart – Esta é a vida eterna

Vocês devem ser um único Filho com Cristo, e vocês devem ser também uma única emanação com o Verbo eterno É tão verdadeiro que Deus se tornou ser humano, como é verdadeiro que o ser humano se tornou Deus As obras do ser humano devem viver, é preciso que elas provenham do seu ser próprio Vocês devem-se apropriar da justiça segundo ela é «a» justiça, assim vocês apropriam-se dela segundo ela é Deus Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Esta é a vida eterna

Mestre Eckhart – Esta é a vida eterna 1

Sermão 46 - Esta é a vida eterna Estas palavras estão escritas no Santo Evangelho. Nosso Senhor Jesus Cristo diz: «A vida eterna, é que tu sejas conhecido, o único verdadeiro Deus, e o teu Filho que tu enviaste, Jesus Cristo.» (Jo 17, 3). 1 Ora notem! Ninguém pode conhecer o Pai, senão o seu Filho único. Com efeito, este próprio diz: «Ninguém conhece o Pai, senão o seu Filho, e ninguém conhece o Filho, senão o seu Pai.» É por isso que, se o ser humano deve conhecer Deus, no que consiste a sua felicidade eterna, ele deve ser com Cristo um Filho único do Pai, e é por isso que, se vocês querem ser felizes, vocês devem ser um com o Filho, não muito filhos, mas um Filho. Vocês devem certamente ser diferentes segundo o nascimento corporal, mas no nascimento eterno vocês devem ser um, porque é a natureza que tem origem em Deus, e é por isso que só há uma emanação natural do Filho, não duas: uma única. E é por isso que, se vocês devem ser um único Filho com Cristo, vocês devem ser

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Como é que o ser humano deve chegar a ser um Filho único do Pai? Notem! O Verbo eterno não assumiu esta pessoa nem aquela pessoa, mas ele assumiu uma natureza humana livre, indivisa, que era simples, sem traços particulares, porque a forma simples da humanidade não tem figura. E é por isso que, quando a natureza humana foi assumida pelo Verbo eterno, simplesmente, sem figura particular, a imagem do Pai, que é o Filho eterno, tornou-se na figura da natureza humana. Porque é tão verdadeiro que Deus se tornou ser humano, como é igualmente verdadeiro que o ser humano se tornou Deus. E assim, a natureza humana é transfigurada pelo facto de que ela se tornou a imagem divina que é a imagem do Pai. E assim, se vocês devem ser um único Filho, é preciso que vocês se desprendam e separem de tudo aquilo que introduz em vocês uma diferença. Cada ser humano é acidental em relação à natureza humana, e é por isso que vocês se devem separar daquilo que é acidental em vocês, e se devem ace

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Vejam: o ser humano que é assim um Filho toma o seu movimento e a sua operação, e tudo aquilo que toma, no seu ser próprio. O Filho do seu Pai, deve o seu ser, o ser da eternidade, ao Pai, mas o seu ter, deve-o a si próprio. Com efeito, no seu ser e na sua natureza ele é um com o Pai. Eis porque o ser e a essência estão totalmente nele, tal como está dito: «Pai, como eu e Tu somos um, eu quero que eles sejam um.» E assim, da mesma forma que o Filho é um com o Pai, segundo o ser e segundo a natureza, tu és um com Ele, segundo o ser e segundo a natureza, e tu o tens todo em ti, como o Pai o tem em si; tu não o tens de Deus em vassalagem, porque Deus é o teu bem próprio. Em consequência, aquilo que tu assumes, tu o assumes no teu bem próprio, e as obras que tu não assumes no teu bem próprio, essas obras estão todas mortas diante de Deus. São as obras para as quais tu és movido para fora de ti por causas estrangeiras, elas não saem da vida, é por isso que estão mortas, porque

Mestre Eckhart – Esta é a vida eterna 4

Notem bem! Se vocês amam a justiça segundo o que a justiça é para ti ou em ti, vocês não amam a justiça segundo que ela é «a» justiça, e assim vocês não a consideram, e não a amam, na sua simplicidade, mas vocês consideram-na como dividida. Deus sendo a justiça, vocês não o consideram, e vocês não o amam, segundo que ele é simples. É por isso que vocês se devem apropriar da justiça segundo que ela é «a» justiça, e assim vocês apropriam-se dela segundo que ela é Deus. Assim portanto, onde a justiça opera, vocês operam, porque então vocês operam a justiça em todo o tempo. Sim, e se o inferno estivesse no caminho da justiça, vocês operavam a justiça e ele não seria para vocês uma pena, ele seria para vocês uma alegria, porque vocês seriam vocês próprios a justiça, e é por isso que vocês devem operar a justiça, porque na medida em que uma qualidade se eleva em direção ao universal, ela coincide com a simplicidade dessa universalidade e, nessa medida também, ela é mais simples. 1

Mestre Eckhart – Simão Pedro, feliz és tu

Uma pessoa boa não deseja louvor, deseja apenas ser digna de louvor Não se deve abandonar a virtude por nada do mundo A beatitude depende de quatro fatores O núcleo da vida eterna reside mais no conhecimento que na vontade É preciso que se esteja morto para se contemplar Deus Se não existisse intermediário para a alma, ela veria Deus sem nenhum véu Na graça a alma é purificada, e levada para o alto, e preparada para a contemplação divina A alma que, com toda a sua força, se voltou sob a luz de Deus está inflamada e abrasada no amor divino Eckhart enumera seis pontos aos quais deve responder a pessoa para chegar à beatitude Deus dá à pessoa justa um ser divino, e nomeia-a com o mesmo nome que é próprio do seu ser Feliz a pessoa que lá chegou a receber, com o Filho, da mesma fonte de que o Filho recebe Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Simão Pedro, feliz és tu

Mestre Eckhart – Simão Pedro, feliz és tu 1

Sermão 45 - Simão Pedro, feliz és tu Nosso Senhor diz: «Simão Pedro, feliz és tu: não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no céu.» (Mt 16, 17). 1 São Pedro tem quatro nomes: ele chama-se «Pedro», ele chama-se «Bar Iona», ele chama-se «Simão» e ele chama-se «Cefas». Nosso Senhor diz: «Feliz és tu!» Todas as pessoas desejam a beatitude. Ora um mestre diz: todas as pessoas desejam ser louvadas. Ora Santo Agostinho diz: uma pessoa boa não deseja louvor, deseja apenas ser digna de louvor. Os nossos mestres dizem: no seu fundo e na sua especificidade, a virtude é tão pura, e tão cerceada, e tão desprendida de todas as coisas terrestres que absolutamente nada se pode misturar com ela sem sujar a virtude e a transformar em vício. Um único pensamento, ou qualquer procura do interesse próprio, e não é mais uma verdadeira virtude, ela torna-se num vício. Eis a essência da virtude. 2 Notas Segundo toda a verosimilhança, este sermão foi pronunci

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Um mestre pagão diz: aquele que pratica a virtude por qualquer outra coisa que a virtude - isso nunca foi uma virtude. Se ele procura o louvor ou qualquer outra coisa, ele vende a virtude. Devido à sua natureza, não se deve abandonar a virtude por nada do mundo. É por isso que uma pessoa boa não deseja louvor, deseja apenas ser digna de louvor. Uma pessoa não deve ficar afligida porque estão enfurecidos contra ela, deve afligir-se por merecer a fúria. 1 Notas O «mestre pagão» que ele cita a este propósito é Séneca, o qual ele nomeia numa passagem correspondente do seu comentário sobre São João. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Simão Pedro, feliz és tu 2

Mestre Eckhart – Simão Pedro, feliz és tu 3

Nosso Senhor diz: «Feliz tu és!» A beatitude depende de quatro fatores: que se tenha tudo o que tem o ser, que é agradável desejar e que traz uma satisfação; que o possuamos absolutamente sem partilha e com toda a alma; que seja tomado em Deus, no mais puro e mais elevado, despojado, sem véu, na primeira emanação e no fundo do ser; e que tudo isto seja tomado onde Deus ele próprio o toma: tal é a beatitude. 1 Notas O pregador enumera em seguida as quatro condições da beatitude no sentido pleno do termo: 1) que tenhamos tudo o que possui o ser, 2) que o possuamos sem partilha e com toda a nossa alma, 3) que o tomemos no que Deus tem de mais elevado, na primeira difusão, quer dizer em Cristo, e 4) no fundo do ser onde Deus ele próprio o toma, quer dizer na Divindade. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Simão Pedro, feliz és tu 3

Mestre Eckhart – Simão Pedro, feliz és tu 4

Ora ele diz: «Pedro», o que significa: «aquele que contempla Deus». Os mestres questionam se o núcleo da vida eterna reside mais no conhecimento ou na vontade. A vontade tem duas operações: o desejo e o amor. A operação do conhecimento é simples, é por isso que ela é superior; a sua operação consiste em conhecer, e ela nunca repousa antes de ter tocado sem véu naquilo que ela conhece. E assim ela precede a vontade, e dá-lhe a conhecer aquilo que ela ama. Todo o tempo que se desejam as coisas, não se têm. Quando se têm, amam-se, e o desejo desaparece. 1 Notas Eckhart aborda em seguida a interpretação dos nomes de São Pedro. Seguindo São Jerónimo, como ele o indica várias vezes nas suas obras latinas e no início do sermão alemão número 3, Agora sei verdadeiramente , Pedro quer dizer «conhecimento». Neste texto é mais explícito: Pedro significa «que contempla Deus». Eckhart regressa aqui, uma vez mais, à primazia na vida eterna da vontade ou do conhecimento. É

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Como deve ser constituído aquele que deve contemplar Deus? Ele deve estar morto. O Senhor diz: «Ninguém me pode ver e viver.» São Gregório diz: «Está morto aquele que está morto para o mundo.» Examinem vocês próprios como é um morto, e quanto pouco ele é afetado por tudo o que existe no mundo. Se se morre para este mundo, não se morre para Deus. Santo Agostinho pronunciava diversos tipos de orações. Ele dizia: «Senhor, tem piedade de mim, e mostra-me a tua face, e concede-me que morra, e concede-me que não morra para que eu te contemple eternamente.» Tal é o primeiro ponto: é preciso que se esteja morto se se quer contemplar Deus. É o primeiro nome: « Patrus ». 1 Notas Da contemplação de Deus no lado de lá, ele passa à contemplação de Deus neste mundo. Apoiando-se no versículo do Êxodo 33, 20: «Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá», ele refere-se a São Gregório que diz: «Está morto quem está morto para o mundo.»

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Um mestre diz: se não existisse intermediário, ver-se-ia uma formiga no céu. Um outro mestre diz: se não existisse intermediário, não se veria nada. Ambos dizem a verdade. Para que a cor que está na parede seja trazida até ao meu olho, é preciso que ela passe pelo crivo, e refinada no ar, e na luz, e ser assim espiritualmente trazida para dentro do meu olho. Igualmente, é preciso que a alma que deve contemplar Deus seja passada pelo crivo, e refinada na luz, e na graça. É por isso que o mestre tem razão que diz que se não existisse intermediário não se veria nada. O outro mestre tem razão também que diz que se não existisse intermediário ver-se-ia uma formiga no céu. Se não existisse intermediário para a alma, ela veria Deus sem nenhum véu. 1 Notas Da mesma forma que a cor da parede deve ser afinada no ar e na luz para chegar ao meu olho, é preciso que a alma seja afinada pela luz da graça para contemplar Deus. Eckhart faz aqui alusão às posições contrárias d

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O segundo nome «Bar Iona» significa «filho da graça» na qual a alma é purificada, e levada para o alto, e preparada para a contemplação divina. 1 Notas Eckhart detém-se pouco sobre o nome Bar Iona. Misturando várias etimologias, interpreta-o no sentido de «filho da graça». [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Simão Pedro, feliz és tu 7

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O terceiro nome é «Simão»; quer dizer «aquele que é obediente» e «aquele que é submisso». Aquele que deve ouvir Deus deve estar separado, longe dos outros. É por isso que David diz: «Eu me calarei e ouvirei o que Deus diz em mim. Ele anuncia a paz no seu povo, e aos seus santos, e a todos aqueles que estiverem voltados para Ele nos seus corações.» Feliz a pessoa que se aplica a ouvir o que Deus diz nela; ela deve submeter diretamente a sua obediência ao raio da luz divina. A alma que, com toda a sua força, se voltou sob a luz de Deus está inflamada e abrasada no amor divino. A luz divina brilha diretamente desde o alto sobre ela. Se o sol brilhasse diretamente sobre a nossa cabeça, poucas pessoas viveriam. Igualmente, a potência superior da alma, que é a cabeça, deveria estar igualmente elevada sob o raio da luz divina para que possa aí brilhar a luz divina de que eu frequentemente falei; ela é tão pura, e tão eminente, e tão elevada que todas as luzes são treva, e nad

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Eis porque o conhecimento natural não pode nunca ser suficientemente nobre para tocar ou apreender Deus sem intermediário, a menos que a alma não tenha nela estas seis caraterísticas de que eu falei. A primeira: que se esteja morto a toda a dissemelhança. A segunda: que se esteja bem purificado na luz e na graça. A terceira: que se tenham ultrapassado os intermediários. A quarta: que se escute a palavra de Deus no mais íntimo de si. A quinta: que se incline sob a luz divina. A sexta: é o que diz um mestre pagão: a beatitude consiste em viver segundo a potência superior da alma; ela deve levar todo o ser para o alto e tomar em Deus a sua beatitude. Lá onde o Filho, ele próprio, a toma na primeira emanação, nós também devemos tomá-la naquilo que Deus tem de mais elevado; nós também devemos então tender em direção ao que nós temos de mais elevado. 1 Notas Eckhart enumera seis pontos aos quais deve responder a pessoa para chegar à beatitude. Lá onde o Filho, ele

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«Cefas» quer dizer «cabeça». O intelecto é a cabeça da alma. Aqueles que fazem a asserção mais fruste dizem que o amor precede, mas aqueles que fazem a melhor asserção dizem expressamente - e é bem verdade - que o núcleo da vida eterna reside mais no conhecimento que no amor. E saibam porquê. Os nosso melhores mestres - eles não são numerosos - dizem que o conhecimento e o intelecto tendem diretamente para Deus, mas o amor volta-se para aquilo que ele ama e apodera-se lá daquilo que é bom, enquanto que o conhecimento apreende o porquê de qualquer coisa ser boa. O mel é, em si próprio, mais doce do que qualquer outra coisa que se possa fazer com ele. O amor toma Deus enquanto que Ele é bom, mas o conhecimento penetra mais alto, e toma Deus enquanto que Ele é ser. É por isso que Deus diz: «Simão Pedro, feliz és tu!» Deus dá à pessoa justa um ser divino, e nomeia-a com o mesmo nome que é próprio do seu ser. É por isso que ele diz em seguida: «Meu Pai que está no céu.»

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Entre todos os nomes, nenhum convém melhor (a Deus) que «aquele que é». Porque se alguém, para indicar uma coisa, dissesse: «é ...», isso pareceria uma absurdidade; mas se dissesse: «é madeira ou uma pedra», saber-se-ia o que ele entende com isso. É por isso que nós dizemos: o Seu nome próprio obtém-se desprendendo, afastando, despojando tudo até que nada reste senão o simples «é»: tal é a particularidade do Seu nome. É por isso que Deus diz a Moisés: «Diz: "aquele que é" enviou-me!» É por isso que Nosso Senhor designa os seus com o seu próprio nome. Nosso Senhor diz aos seus discípulos: «Aqueles que me seguem serão assentados à minha mesa no reino do meu Pai, eles comerão os meus manjares, beberão a bebida que o meu Pai preparou para mim; igualmente eu também a preparei para vocês.» Feliz a pessoa que lá chegou a receber, com o Filho, da mesma fonte de que o Filho recebe. É lá também que nós recebemos a nossa beatitude, lá onde reside a beatitude d'Ele,

Mestre Eckhart – Quando se completaram os dias

O Filho não é semelhante ao Pai, mas é o mesmo, é um com o Pai Na medida em que o ser humano está no interior, nessa medida ele é divino A Deus pertence a operação, à alma o desejo, assim como o poder de que Deus nasça nela, e ela em Deus Toda a nossa vida, e todo o nosso desejo, devem estar incluídos e suspensos em Deus, e inclinados para Ele O ser humano humilde recebe imediatamente o influxo da graça Nós nascemos e somos recreados constantemente na primeira imagem Que o ser humano esteja na paz, e esteja lá bem estabelecido Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Quando se completaram os dias

Mestre Eckhart – Quando se completaram os dias 1

Sermão 44 - E eis que um homem estava em Jerusalém São Lucas escreve no Evangelho: «Quando os dias se completaram, Cristo foi levado ao templo. E eis que em Jerusalém estava um homem chamado Simão, justo e temente a Deus: ele aguardava pela consolação do povo de Israel, e o Espírito Santo esta nele.» (Lc 2, 22 e 25). 1 «E eis que»: esta pequena palavra « et » designa em latim uma união, uma ligação, uma inclusão. O que está absolutamente ligado e incluso significa união. Com isto eu quero dizer que o homem está ligado a Deus, incluso n'Ele, unido a Ele. Os nosso mestres dizem: a união quer a similitude. Não pode existir união sem similitude. O que está ligado e incluso faz a união. O que está próximo de mim, quando eu estou sentado próximo, ou quando eu me encontro no mesmo lugar, não cria a similitude. Agostinho diz a este respeito: Senhor, quando eu me encontrava longe de ti, não era por causa da distância, mas antes pela dissimilitude em que eu me encontrava.

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Os nossos melhores mestres dizem: uma imagem numa pedra ou numa parede, se a pudéssemos isolar do seu suporte, se a considerássemos enquanto que imagem, faria absolutamente um com aquilo de que ela é a imagem. Quando a alma penetra na imagem, (na alma) onde não há nada de estrangeiro, onde só está a imagem (divina) com a qual ela é uma única imagem, ela recebe um bom ensinamento. Quando se é introduzido na imagem onde se é semelhante a Deus, aí apreende-se Deus, aí encontra-se Deus. Onde existe uma divisão para o exterior, não se encontra Deus. Quando a alma penetra na imagem, e se encontra unicamente na imagem, ela encontra Deus na imagem, e pelo facto de que ela se encontra e encontra Deus, é uma única operação fora do tempo; lá ela encontra Deus. Na medida em que ela está no interior, nessa medida, ela é «um» com Deus, ele quer dizer: na medida em que se está incluído lá onde a alma é a imagem de Deus. Na medida em que o ser humano está no interior, nessa medida ele é

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Um mestre diz: toda a similitude tem por fim um nascimento. Ele diz ainda: a natureza nunca encontra o seu semelhante sem que um nascimento se siga. Os nossos mestres dizem: o fogo, tão forte quanto seja, nunca queimaria se ele não esperasse um nascimento. Tão seca quanto seja a madeira que aí se meta, se ela não se pudesse assimilar ao fogo, ela nunca queimaria. O fogo deseja nascer na madeira, por forma a que só aí haja um fogo, e que ele se mantenha, e permaneça. Se ele se apagasse e desaparecesse, não haveria aí mais fogo, é por isso que ele deseja ser mantido. A natureza da alma nunca traria nela a similitude se ela não desejasse que Deus nascesse nela; nunca ela chegaria à sua natureza, nunca ela desejaria aí chegar se ela não esperasse esse nascimento. Também, é essa a operação de Deus, e nunca Deus a operaria se Ele não quisesse que a alma nascesse n'Ele. Deus opera e a alma deseja. A Deus pertence a operação, à alma o desejo, assim como o poder de que D

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Vejam « ecce ». Esta pequena palavra « ecce » tem incluída em si todos os seus significados possíveis, é uma invariável. O verbo, é Deus, Deus é um Verbo, o Filho de Deus é um Verbo. Ele (Lucas) quer dizer que toda a nossa vida, e todo o nosso desejo, devem estar absolutamente incluídos e suspensos em Deus, e inclinados para Ele. É por isso que Paulo diz: «Eu sou aquilo que sou pela graça de Deus.» Ele diz ainda: «Eu vivo, mas não eu, é Deus que vive totalmente em mim.» O quê mais? 1 Notas « Ecce », essa palavra indeclinável, à qual portanto nada pode ser acrescentado, simboliza o Verbo de Deus, no qual devem ser incluídos o nosso desejo e a nossa vida. Este desenvolvimento culmina na frase de São Paulo que Mestre Eckhart traduz assim (ele cita sempre de memória): «Eu vivo, mas não eu, é Deus que vive totalmente em mim.» O pregador acrescenta esta exclamação: «O quê mais?» A «reportação» reteve-a: nem Eckhart, nem Agostinho, nem mesmo o profeta citado por int

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« Homo erat » Ele diz: «Vejam: um ser humano.» A palavra « homo », nós a aplicamos às mulheres e aos homens, mas os latinos não a querem empregar para as mulheres devido à fraqueza delas. « Homo » designa «aquilo que é perfeito» e «ao qual não falta nada». « Homo », o ser humano, significa «que é de terra», e significa «humildade». A terra é o elemento mais baixo, ela situa-se no centro, ela está completamente rodeada pelo céu, e recebe totalmente o influxo do céu. Tudo o que o céu opera, e derrama, é recebido no centro, no fundo da terra. Segundo uma outra acepção, « homo » quer dizer «humidade» e significa «aquele sobre o qual se derrama a graça», quer dizer que o ser humano humilde recebe imediatamente o influxo da graça. Neste influxo da graça, a luz do intelecto eleva-se imediatamente, então Deus irradia numa luz que não se pode dissimular. Qualquer um que fosse assim poderosamente envolvido por essa luz seria, com relação a um outro ser humano, de tal forma m

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Em terceiro lugar: essa luz liberta do tempo e do espaço. «Houve um homem.» Quem lhe deu essa luz? A pureza. A palavra « erat » pertence muito particularmente a Deus. Na língua latina, nenhuma palavra é mais apropriada a Deus que « erat ». É por isso que João a emprega no seu evangelho, e diz tantas vezes « erat », «era», e ele entende com isso um ser puro. Todas as coisas acrescentam, « erat » não acrescenta nada, senão em pensamento, não num pensamento atributivo, mas num pensamento abstrato. A bondade e a verdade acrescentam, pelo menos em pensamento, mas o sentido de « erat » é o ser puro ao qual nada é acrescentado. Por outro lado, « erat » designa um nascimento, um perfeito devir. Eu vim agora, eu vinha hoje; se o tempo fosse suprimido no «eu vinha» e «vim», «vinha» e «vim» seriam reunidos em um, e seriam um. Quando «vinha» e «vim» são reunidos em um, nós somos procriados, e recriados, e reformados na primeira imagem. Eu já o disse frequentemente: tanto qu

Mestre Eckhart – Quando se completaram os dias 7

«Houve um homem.» Onde estava ele? Em Jerusalém. «Jerusalém» significa «visão de paz»; resumidamente, ele quer dizer: que o ser humano esteja na paz, e esteja lá bem estabelecido. Mas talvez ele queira dizer outra coisa. Paulo diz: «Eu desejo-vos a paz que ultrapassa todo o pensamento. Que ela guarde o vosso coração e o vosso intelecto.» 1 Peçamos a Nosso Senhor para que nós sejamos um tal ser humano, e estabelecidos nessa paz que Ele próprio é. Que Deus nos ajude a isso. Amém. 2 Notas Tudo o que está debaixo do sol envelhece e declina. Retomando o texto de Lucas, Eckhart diz: «O Espírito Santo estava nele: lá onde está o ser e onde está o devir.» Esta visão de paz simbolizada por Jerusalém evoca o ser humano estabelecido na paz, tal como ele estará um dia «em» Deus, ou, como São Paulo do qual ele cita o texto, Eckhart quer dizer ainda outra coisa? A paz que ultrapassa todo o pensamento, todo o sentimento, pertence talvez já aqui em baixo a este mundo «em Deus», numa

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te!

O intelecto é a parte superior da alma, pelo qual ela tem o mesmo ser que os anjos O tempo não afeta a natureza angélica, da mesma forma que o intelecto não é afetado pelo tempo A alma que possui Deus está todo o tempo fecunda Deus exerce toda a sua potência no seu nascimento, para que a alma regresse a Deus A alma não tem nada onde Deus possa falar a não ser o intelecto No intelecto é-se absolutamente jovem; quanto mais se age com essa potência, mais se está próximo do nosso nascimento Uma única obra que Deus opera na alma é melhor, e mais nobre, e mais sublime, que o mundo inteiro A graça é uma habitação e uma coabitação da alma em Deus A alma procria-se a si própria nela própria, e procria-se a partir dela própria, e procria-se de regresso a si Quando a alma vive naquilo que faz dela a imagem de Deus, ela procria, lá está a verdadeira união Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jovem, digo-te: Levanta-te!

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 1

Sermão 43 - Jovem, digo-te: Levanta-te! Lê-se no Evangelho que uma viúva tinha um filho único que estava morto. Então Nosso Senhor veio até ele e disse: «Eu digo-te, jovem, levanta-te!» E o jovem ergueu-se. (Lc 7, 12). 1 Por esta viúva, nós entendemos a alma. Porque o «homem» estava morto, o «filho» também estava morto. Pelo «filho» nós entendemos o intelecto que é o «homem» na alma. Porque ela (a viúva, quer dizer a alma) não vivia no intelecto, o «homem» estava morto, é por isso que ela era «viúva». 2 Nosso Senhor diz à mulher, perto do poço: «Vai a tua casa, traz-me o teu homem.» Ele queria dizer: como ela não vivia no intelecto, que é o «homem», ela não recebia a «água viva» que é o Espírito Santo; ele só é dado quando se vive no intelecto. O intelecto é a parte superior da alma, pelo qual ela tem o mesmo ser que os anjos, e está incluída com os anjos na natureza angélica. 3 Notas Este sermão 43 é o terceiro que tem por texto o versículo de Lucas 7, 12.

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 2

O tempo não afeta a natureza angélica, da mesma forma que o intelecto, que é o «homem» na alma, não é afetado pelo tempo. Quando não se vive nele, o «filho» morre. É por isso que ela era «viúva». Porquê uma viúva? Não há criatura que não tenha em si qualquer coisa de bom, e também qualquer coisa de deficiente que faz com que abandone Deus. A «viúva» era deficiente porque o seu poder de procriar estava morto, é por isso também que o seu fruto estava corrompido. 1 Notas A viúva era deficiente porque o seu poder de procriar estava morto, era por isso também que o seu fruto estava corrompido. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jovem, digo-te: Levanta-te! 2

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 3

«Viúva» quer dizer segundo um outro significado: «que é deixada» ou «que deixou». Assim, nós devemos deixar todas as criaturas, e nos desprendermos delas. O profeta diz: «Os filhos da mulher estéril são bem mais numerosos que os filhos daquela que é fecunda.» É assim da alma que procria espiritualmente; as suas procriações são bem mais numerosas: ela procria em cada instante. A alma que possui Deus está todo o tempo fecunda. As obras que Deus opera, é-lhe necessário que as realize todas. Deus está todo o tempo operante no agora da eternidade, e a sua operação é a de gerar o seu Filho: Ele gera-o todo o tempo. Deste nascimento saem todas as coisas. Também, sente Ele uma alegria tão grande com esse nascimento que Ele consome aí toda a sua potência. Quanto mais se conhece, mais o conhecimento é perfeito, mas mais também parece que tudo isso não é nada. Porque, Deus se gera a partir d'Ele próprio, n'Ele próprio, e gera-se de regresso em si. Quanto mais o nas

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 4

Deus exerce toda a sua potência no seu nascimento, e é preciso que seja assim, para que a alma regresse a Deus. E duma certa maneira, é inquietante que a alma se separe tão frequentemente daquilo onde Deus mete toda a sua potência, como Ele tem de fazer para que a alma reviva. Deus produz todas as criaturas num «dizer», mas para que a alma reviva, Deus pronuncia toda a sua potência no nascimento dela. Doutra maneira, é consolador que a alma aí seja reconduzida. Nesse nascimento ela torna-se viva, e Deus gera o seu Filho na alma, para que ela se torne viva. Deus pronuncia-se a si próprio no seu Filho. No dizer onde Ele se pronuncia no seu Filho, nesse dizer Ele fala na alma. É o apropriado, de todas as criaturas, o procriarem. Uma criatura que não procriasse, também não existiria. É por isso que um mestre diz: isso é um sinal de que todas as criaturas se originaram devido a um nascimento divino. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiri

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 5

Porque é que ele diz «jovem»? A alma não tem nada onde Deus possa falar a não ser o intelecto. Certas potências são tão indigentes que Deus não pode falar nelas. Sem dúvida Ele fala, mas elas não o ouvem. A vontade, enquanto vontade, não percebe de nenhuma maneira. O «homem» não designa outra potência que não seja o intelecto. A vontade só se volta para o exterior. 1 Notas Deus não pode falar nas potências inferiores. Ele fala, mas elas não o ouvem. Ele nem sequer pode falar na vontade, porque ela está toda voltada para o exterior. Ele expressa-se inteiramente no seu Filho, e nesse «dizer», Ele fala na alma, no intelecto. O intelecto é portanto apresentado aqui como o cume da alma. [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jovem, digo-te: Levanta-te! 5

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 6

«Jovem». Quer dizer que nenhuma das potências, que pertencem à alma, envelhecem. As potências que pertencem ao corpo, pelo contrário, degradam-se e diminuem. Quanto mais o ser humano conhece, melhor ele conhece. É por isso que ele diz: «Jovem». Os mestres dizem: É jovem aquilo que está próximo do seu começo. No intelecto é-se absolutamente jovem; quanto mais se age com essa potência, mais se está próximo do nosso nascimento. É jovem aquilo que está próximo do seu nascimento. A primeira emanação da alma é o intelecto, em seguida a vontade, em seguida todas as outras potências. 1 Notas Nesta parte, Eckhart dá ao «jovem» o papel de «homem» na alma, mas o facto dele ser jovem incita o pregador a falar da «juventude» das diversas «potências». Enquanto que as potências do corpo se degradam, «no intelecto, é-se absolutamente jovem: quanto mais se age com essa potência, mais se está próximo do nosso nascimento.» [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 7

Ora ele diz: «Jovem, levanta-te!» Que significa: «Levanta-te!»? «Levanta-te da obra (deixa a obra) e que a alma fique de pé em si própria!» Uma única obra que Deus opera na luz simples da alma é mais bela que o mundo inteiro e mais agradável a Deus que tudo aquilo que Ele alguma vez operou em todas as criaturas. Gentes insensatas tomam o mal pelo bem, e o bem pelo mal. Mas para aquele que compreende bem, uma única obra que Deus opera na alma é melhor, e mais nobre, e mais sublime, que o mundo inteiro. 1 Notas «Jovem, levanta-te!..., levanta-te da obra e que a alma se levante nela própria!... Uma única obra que Deus opera na luz simples da alma é mais bela que o mundo inteiro e mais agradável a Deus que tudo aquilo que Ele alguma vez operou em todas as criaturas.» [  ↑  ] [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Jovem, digo-te: Levanta-te! 7

Mestre Eckhart – Jovem, digo-te: Levanta-te! 8

Por cima desta luz está a graça; ela nunca desce no intelecto, nem na vontade. Se a graça viesse ao intelecto, era preciso que o intelecto e a vontade se elevassem acima deles próprios. Ora, não é possível, porque a vontade é tão nobre em si própria que ela não pode ser preenchida senão pelo amor divino. O amor divino realiza obras muito grandes. Ainda acima dele está uma outra parte: o intelecto; este é tão nobre em si próprio que ele não pode ser preenchido senão pela verdade divina. É por isso que um mestre diz: há, não se sabe o quê, de muito misterioso que está por cima: é a cabeça da alma. Lá, ocorre a verdadeira união entre Deus e a alma. A graça nunca realizou nenhuma obra boa porque ela nunca realizou nenhuma obra; sem dúvida, ela derrama-se a quando do exercício de uma virtude, mas a graça nunca realiza a união por intermédio de uma obra. A graça é uma habitação e uma coabitação da alma em Deus. Para isso, tudo aquilo que alguma vez se chamou de obra, ext

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Um mestre diz: a alma procria-se a si própria nela própria, e procria-se a partir dela própria, e procria-se de regresso a si. Ela pode operar maravilhas na luz natural, ela é tão poderosa que ela separa o que é um. O fogo e o calor são um. Se o intelecto os agarra, ele separa-os. A sabedoria e a bondade são um em Deus; se o intelecto se apodera da sabedoria, ele não pensa mais na outra. A alma procria, a partir dela própria, Deus a partir de Deus, em Deus; ela procria verdadeiramente a partir dela própria; ela faz isto afim de procriar Deus a partir dela própria, lá onde ela tem a cor de Deus; lá ela é uma imagem de Deus. 1 Notas O pregador fala de passagem das maravilhas operadas pela alma na luz natural, do intelecto na sua potência de abstração: ele pode separar o que é um, como o fogo e o calor, a sabedoria e a bondade de Deus. O movimento de procriação próprio da alma é descrito de duas formas: 1) uma vez a partir da alma: a alma procria, a partir dela própri

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Eu já o disse frequentemente: uma imagem, enquanto que ela é uma imagem e do que ela é a imagem, nada as pode separar. Quando a alma vive naquilo que faz dela a imagem de Deus, ela procria, lá está a verdadeira união; todas em conjunto, as criaturas não podem separá-las. Em desafio a Deus ele próprio, em desafio aos anjos, em desafio às almas e a todas as criaturas, eles não as podem separar lá onde a alma é a imagem de Deus! É a verdadeira união, lá reside a verdadeira beatitude. Alguns mestres procuram a beatitude no intelecto. Eu digo: a beatitude não reside nem no intelecto, nem na vontade, mas acima dos dois, a beatitude reside lá onde ela está enquanto tal, não enquanto que intelecto, e Deus reside lá enquanto que Deus, e a alma aí reside enquanto que ela é a imagem de Deus. A beatitude está lá onde a alma apreende Deus enquanto que Ele é Deus. Lá, a alma é a alma, e a graça é a graça, e a beatitude é a beatitude, e Deus é Deus. 1 Nós pedimos a Nosso Senhor que