Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 75



De alguns sinais seguros, os quais um ser humano pode sentir, se ele for chamado por Deus para trabalhar nesta obra.
  1. Todos aqueles que lêem, ou ouvem ler, ou ainda falar, da matéria deste livro, e que a quando dessa leitura ou audição pensam que é uma coisa boa, e que lhes assenta: eles não são por isso chamados por Deus para trabalharem nesta obra, devido apenas a esse movimento de complacência sentido neles próprios durante o tempo e o momento da leitura. Porque pode muito bem acontecer que da curiosidade da inteligência natural lhes tenha vindo esse movimento, bem mais do que de algum chamamento da graça (de Deus).
  2. Mas se eles querem sentir de onde vem esse movimento, eles podem-no como se segue, se eles quiserem. E primeiro, que eles vejam se eles fizeram tudo o que estava neles previamente, a fim de se tornarem capazes duma purificação das suas almas perante o julgamento da santa Igreja e de acordo com o diretor espiritual deles. Se acontecer assim, tanto melhor; mas se eles o querem conhecer mais de perto, que eles vejam se esse movimento é sempre mais instante à recordação deles, e mais habitual do que qualquer outro em todas as formas de exercício espiritual. E se lhes parece que não há nenhum tipo de coisa que eles façam, corporalmente ou espiritualmente, que seja suficiente e satisfatória, perante o testemunho da consciência deles, a menos que seja esse insignificante ardor secreto de amor, de uma maneira espiritual, a capital e primeira de todas as obras deles: então, se tal é o sentimento deles, é esse um sinal de que eles são chamados por Deus para esta obra, e de outro modo seguramente que não.
  3. Eu não digo que ele deve sempre durar e habitar continuamente no espírito deles todos, aqueles que são chamados a trabalhar nesta obra. De forma nenhuma, porque não é assim. E num jovem aprendiz espiritual nesta obra, muitas vezes o sentimento imediato desta retira-se, por diversas causas e razões. Por vezes, é porque lhe é tirado (por Deus) afim de que ele não meta aí demasiada presunção e não se ponha a imaginar que está em seu poder, em grande parte, o tê-lo quando lhe agrada e como lhe agrada. E esta ideia não seria senão orgulho. Ora, quando é retirado (por Deus) o sentimento da graça, a causa é sempre o orgulho: não sempre o orgulho que estaria lá, mas o orgulho que poderia estar, se não fosse retirado esse sentimento da graça. E é assim que frequentemente, tais jovens loucos, imaginam que Deus é inimigo deles, quando precisamente Ele é amigo deles todo inteiramente.
  4. De nenhuma vez, Ele se retira devido ao facto da incúria e da negligência deles; e quando é assim, eles sentem depois disso uma dor muito amarga que os atinge muito gravemente e dolorosamente. Certas vezes, nosso Senhor quer prolongar essa espera, por um desígnio muito hábil, porque Ele quer, nessa espera, o crescimento deles, afim de que o regresso desse sentimento seja neles mais delicioso quando ele lhes for dado, e que eles sintam quanto longamente ele foi perdido. E é esse um dos mais prontos e dos mais soberanos sinais que uma alma pode ter, para reconhecer assim se ela é chamada ou não a trabalhar nesta obra: se ela sente depois uma semelhante espera e longa falta desta obra, que ela regresse a ela rapidamente como deve, e por nenhuma via nem meio rebuscado, e que ela possua então nela própria um grande fervor e um desejo impaciente de trabalhar e de obrar nesta obra, muito maior do que nunca antes. A tal ponto que muito frequentemente, eu creio, ela encontra uma alegria maior pouco depois deste impulso, do que ela tinha tido de tristeza com a sua perca.
  5. E se isto se passa assim, seguramente é um sinal autêntico, e verdadeiro e sem erro de que ela é chamada por Deus para trabalhar nesta obra, independentemente do que quer que ela tenha sido previamente ou do que ela seja presentemente.
  6. Porque não é nada daquilo que tu és, nem do que tu foste, que Deus observa com os olhos da Sua misericórdia; mas aquilo que tu tens desejo de ser. E São Gregório dá-nos testemunho de que todos os desejos santos crescem e aumentam com o retardamento deles e as demoras; e se eles desaparecem na demora e na espera, então é porque eles nunca foram desejos santos. Porque aquele que sente sempre uma alegria cada vez menor nos reencontros e nas novas apresentações dos desejos do seu antigo propósito, apesar de poderem ser desejos naturais em direção ao Bem, assim ele saberá que nunca foram desejos santos. Dos quais desejos santos fala santo Agostinho, o qual diz que a vida de todo o bom Cristão não é nada mais do que o seu desejo santo.
  7. Porta-te bem, amigo espiritual, com a benção de Deus e a minha! E eu peço ao Deus Todo-Poderoso que a paz verdadeira, o conselho santo e o reconforto espiritual em Deus por abundância da graça, estejam sempre contigo e com aqueles todos que O amam nesta terra. Amém.


[ Anterior ] [ Índice ] [ ◊ ]


Início » Espiritualidade » Nuvem de Desconhecimento » Capítulo 75