Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 70



Que pela ultrapassagem e a cessação dos nossos sentidos corporais, nós começamos a chegar mais rapidamente ao conhecimento das coisas espirituais; como pela ultrapassagem e a cessação dos nossos sentidos espirituais, nós começamos a chegar mais rapidamente ao conhecimento de Deus, tanto quanto é possível, pela graça, aqui em baixo.
  1. E é por isso que tu deves trabalhar firmemente nesse "nada" e nessa "parte nenhuma", e deixar os teus sentidos corporais do lado de fora e tudo aquilo que eles fazem: porque eu digo-te verdadeiramente, esta obra não pode e não poderia ser concebida por eles.
  2. Porque pelos teus olhos, tu não fazes ideia de uma coisa, senão que ela é larga ou comprida, grande ou pequena, redonda ou quadrada, distante ou próxima, e que ela tem tal cor. E pelas tuas orelhas, nada senão o barulho ou qualquer tipo de som. Pelo teu nariz, nada senão o fedor ou o perfume. E pelo gosto, nada senão o azedume ou a doçura, o amargor ou a insipidez, a aprovação ou a repulsa. E pelo tocar, nada senão o quente ou frio, o suave ou o duro, o liso ou o rugoso. E verdadeiramente, essas qualidades e quantidades, Deus não as tem, nem nenhuma coisa espiritual. É por isso portanto, que tu deves deixar os teus sentidos externos e não deves trabalhar com eles, nem interiormente nem exteriormente; porque todos aqueles que se metem a ser operários espirituais interiormente, e que imaginam poder no entanto ouvir ou ver, sentir ou saborear, quer interiormente quer exteriormente, as coisas espirituais, esses estão seguramente na ilusão e fazem obra contra a natureza.
  3. Porque por natureza, os sentidos estão ordenados por forma a que com eles, os seres humanos possam ter conhecimento de todas as coisas corporais exteriores; mas de forma nenhuma eles conseguem chegar, com eles, ao conhecimento das coisas espirituais: pelas operações deles, quero eu dizer. Porque pela cessação e impotência deles, nós podemos, da maneira que se segue: quando nós lemos ou ouvimos falar de certas coisas, e de seguida compreendemos que os nossos sentidos exteriores não conseguem informar-nos nem aprender de forma nenhuma qual é a qualidade dessas coisas, então nós podemos verdadeiramente ficar seguros de que essas coisas são espirituais e não corporais.
  4. De maneira semelhante se passa com os nossos sentidos espirituais, quando nós trabalhamos no conhecimento de Deus Ele próprio. Porque um ser humano teria como nunca a compreensão e o conhecimento de todas as coisas espiritualmente criadas, contudo ele não pode nunca, pela obra dessa inteligência, chegar ao conhecimento duma coisa espiritual não criada, a qual não é outra coisa senão Deus. Mas pela impotência e cessação dessa inteligência, ele pode: porque a coisa diante da qual ela é impotente não é outra coisa senão Deus somente. E é por isso que São Dioniso disse: «o mais perfeito conhecimento de Deus é aquele no qual Ele é conhecido por desconhecimento.» E na verdade, quem quer que quiser olhar para os livros de São Dioniso, ele encontrará que as suas palavras afirmam, e confirmam claramente, tudo aquilo que eu disse e poderia dizer, desde o começo até ao fim deste presente tratado. Mas de outro modo eu não o citarei, nem a ele nem a nenhum outro Doutor, quanto a mim desta vez. Porque se antigamente, os seres humanos puderam pensar fazer ato de humildade não tirando nada das suas cabeças, que não fosse afirmado pelas Escrituras e as palavras dos Doutores, tornou-se hoje num rebuscar e num ostentar de habilidade erudita. Para ti, isso não serviria de nada, e é por isso que eu não o faço. Porque aquele que tem ouvidos, que oiça; e aquele que se sente inclinado a acreditar, que acredite: porque de outra forma eles não o farão.


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