Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 69



Como é que a afeição de um ser humano é maravilhosamente mudada em sentimento espiritual nesse nada, quando ele é concebido em parte nenhuma.
  1. Prodigiosamente é metamorfoseada a afeição humana em sentimento espiritual por esse "nada" quando ele é concebido em "parte nenhuma". Porque no primeiro instante que uma alma olha para lá, ela aí encontrará e verá todos os atos pecaminosos particulares que ela cometeu desde o nascimento, do corpo e do espírito, representados obscuramente ou secretamente. E para onde quer que ela se volte em roda, sempre ela os verá diante dos seus olhos: até que o tempo venha, em que, com muito duro e penoso trabalho, e muitos suspiros cruéis, e muitas lágrimas amargas, ela se veja em grande parte lavada neles. Por vezes parecer-lhe-á, durante esse trabalho, que está a olhar para lá como para o inferno, de tal forma lhe parecerá que ela desespera de alguma vez triunfar sobre essa pena, na perfeição do perfeito repouso espiritual. Até a essas profundas entranhas, há muitos que aí chegam; mas pela enormidade da pena que eles sentem e pela ausência de reconforto, então eles voltam para trás para a consideração das coisas corporais, procurando reconfortos carnais exteriores ao invés dos espirituais, mas que eles não teriam tido falta de ter se eles tivessem perseverado.
  2. Porque aquele que persevera sente por vezes qualquer reconforto, e tem qualquer espécie de perfeição: porque ele sente e vê que muitos dos seus pecados antigos são em grande parte, com a ajuda da graça, apagados. No entanto, ainda, ele se sente sempre no meio da pena, mas ele pensa que ela terá um fim, porque ela vai sempre diminuindo a pouco e pouco. E é por isso que ele não chama a isto de outra forma senão "purgatório". Por vezes, ele não encontra lá marcado nenhum pecado particular, mas então parece-lhe que o pecado é um bloco maciço completo do qual ele não sabe nunca do que é feito, mas no entanto (ele não é feito) de nada mais senão de si próprio; e então ele pode ser chamado aquilo que ele é: a base e a pena do pecado original. Por vezes, lhe parecerá estar no paraíso ou no céu, devido a diversas delícias maravilhosas e a numerosos reconfortos e consolações, alegrias e virtudes benditas que ele lá encontra. E por vezes, parecer-lhe-á que é Deus, devido à paz e ao repouso que ele lá encontra.
  3. Ah! Que ele pense aquilo que ele quiser; porque sempre e sempre ele encontrará uma nuvem de desconhecimento, a qual está entre ele e o seu Deus.


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