Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 47



Um ligeiro ensinamento desta obra sobre a pureza do coração, declarando como é que uma alma elevará o seu desejo a Deus duma maneira, e vós, pelo contrário, duma outra maneira aos seres humanos.
  1. Procura não teres surpresa nenhuma porque eu falei assim infantilmente e como que loucamente e abandonando a natural discrição, porque eu o fiz devido a certas razões, e a isso eu me senti levado, depois de muitos dias, me parece, por ti agora e igualmente por alguns outros dos meus amigos particulares em Deus, que da mesma forma sentem assim, pensam assim e falam assim.
  2. E eis uma das razões porque é que eu te disse e pedi para esconderes de Deus o teu desejo. É porque eu creio que ele chegará mais claramente ao Seu conhecimento, para teu proveito e para a realização do teu voto, com essa ocultação acima dita, do que por alguma demonstração que eu penso que tu possas fazer prova e dar. Depois, uma outra razão é que eu queria, com uma demonstração igualmente oculta, te tirar fora das brutalidades grosseiras do sentimento corporal para te levar à pureza e à profundidade do sentimento espiritual; e assim, por conseguinte e por fim, te ajudar a atar o nó espiritual do amor ardente entre ti e o teu Deus, na união espiritual e na conformidade da vontade.
  3. Isso, tu o conheces perfeitamente: que Deus é um Espírito; e a qualquer um que chegue a estar unido com Ele, acontecerá que será na verdadeira realidade e na profundidade do espírito, longe de todas as aparências ou imaginações corporais. A coisa segura, é que todas as coisas são conhecidas por Deus e que nada pode ser escondido do Seu conhecimento, quer as coisas corporais quer as coisas espirituais. Mas uma coisa tanto mais Lhe é manifestamente mostrada e conhecida, quanto mais ela é escondida nas profundezas do espírito; visto que Ele é Espírito, ela lhe é muito mais aberta do que qualquer outra coisa que de outra forma esteja misturada e enterrada em qualquer elemento corporal qual quer que ele seja. Porque todas as coisas corporais estão mais afastadas de Deus, segundo o curso natural das coisas, do que a coisa espiritual qualquer que ela seja. Por essa razão, acontece que enquanto o nosso desejo permanecer misturado com qualquer matéria corporal – como acontece quando nós nos tendemos com todo o nosso esforço de espírito e de corpo – acontece igualmente que ele está mais longe de Deus, e muito mais longe do que se ele viesse, devido a mais devoção e a mais inclinação, até à sobriedade, à pureza e à profundidade do espírito.
  4. E aqui tu podes ver e compreender qualquer coisa, em parte, da razão porque eu te pedi infantilmente que cobrisses e escondesses de Deus o movimento do teu desejo. Mas então, eu não te pedi para o esconderes todo completamente, o que seria pedir uma coisa louca e completamente impossível e seria o pedido de um louco. O que eu te peço, é que faças em ti esse movimento de o esconderes. E porque te pedi eu? Seguramente porque eu queria que tu o gerasses na profundeza do teu espírito, longe de toda a rudeza e grosseria de qualquer mistura corporal, a qual o faria muito menos espiritual, e muito mais afastado de Deus; mais ainda porque eu sei e conheço perfeitamente que quanto mais o teu espírito tem de espiritualidade, menos também ele tem de corporal, e portanto mais próximo ele está de Deus, mais ele Lhe agrada e mais claramente pode ele ser visto por Ele. Não que o Seu olhar possa alguma vez ser mais claro sobre uma coisa do que sobre uma outra, nem em um momento mais do que em um outro, porque Ele é eternamente imutável; mas porque tu Lhe comprazes mais assim na profundidade e pureza do espírito, porque Ele é um Espírito.
  5. E ainda uma outra razão porque eu te disse para fazeres em ti com que Ele não conheça o teu desejo, é que tu, e eu próprio e todos tal como nós somos, nós somos muito capazes de compreender e conceber corporalmente uma coisa que é dita espiritualmente, por forma a que talvez, se eu te tivesse pedido para mostrares e manifestares o movimento do teu coração a Deus, talvez tivesses tu querido Lhe dar uma demonstração corporal, quer em gesto ou em voz ou em palavra ou em qualquer outra expressão corporal grosseira, assim como acontece quando tu queres mostrar a um outro ser humano uma coisa que está escondida no teu coração; e assim a tua obra teria sido impura. Porque, é de uma maneira que uma coisa deve ser mostrada a um ser humano; e de uma outra maneira, a Deus.


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