Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 44



Como uma alma se disporá pela sua parte, afim de destruir todo o conhecimento e sentimento do seu próprio ser.
  1. Mas presentemente tu perguntas-me como é que tu poderás destruir esse nu conhecimento e sentimento do teu próprio ser. Porque talvez bem vais tu pensar que se isso fosse destruído, todos os outros impedimentos seriam destruídos; e se tu pensas assim, tu pensas exatamente verdadeiro. Mas a isso, eu te respondo e digo que sem uma graça muito particular, muito livremente dada por Deus, e para além disso, da tua parte, sem uma aptidão e capacidade plenamente concedidas para receber essa graça, esse nu conhecimento e sentimento do teu ser não podem de nenhuma forma serem destruídos. E essa aptidão ou capacidade não é outra coisa senão uma extrema e profunda aflição espiritual.
  2. Mas nessa aflição, importa e é necessário que tu tenhas e metas discrição, desta maneira: tu estarás atento, no tempo dessa aflição, e não demasiado rudemente esforçarás quer o teu corpo quer o teu espírito, mas pelo contrário tu ficarás completamente tranquilo sentado como que com o desejo de dormir, todo penetrado e mergulhado na aflição. Porque eis a aflição verdadeira, eis a perfeita aflição; e feliz aquele que lá consegue chegar! Todos os seres humanos têm motivos de aflições: mas mais do que todos e em particular, tem aquele que sabe e tem o sentimento daquilo que ele é. Todos os outros desgostos, por comparação a essa aflição, não passam de jogos ao lado da gravidade. Porque ele pode ter grande e grave aflição, porque não apenas ele sabe e sente aquilo que ele é, mas, e ainda, sabe e tem o sentimento que ele é. E quem nunca sentiu essa aflição, que ele se aflija então: porque nunca até aqui ele conheceu a aflição perfeita. A qual aflição, quando ela é obtida, purifica a alma não apenas do pecado mas também da pena que ela mereceu do pecado; depois ainda ela torna a alma capaz de receber essa alegria, a qual reergue o ser humano de todo o conhecimento e sentimento do seu ser.
  3. Bem concebida na verdade, essa aflição está toda plena dum santo desejo; e de outro modo, não haveria nunca nenhum ser humano que a pudesse acolher e suportar. Porque se não acontecesse que a sua alma fosse mesmo pouco alimentada por uma forma de reconforto pelo seu justo trabalho, não seria de outra forma capaz de suportar a pena que ele tem do conhecimento e do sentimento do seu ser. Porque tão frequentemente ele quer ter o conhecimento e o sentimento verdadeiros do seu Deus (tão pouco quanto se pode ter aqui) assim frequentemente ele sente que ele não o pode: porque sempre mais ele encontra o seu conhecimento e o seu sentimento como que ocupados e todos cheios do bloco maciço, horrível e fedorento, de si próprio; o qual ele deve sempre detestar e odiar e sempre rejeitar, se ele quer ser perfeito discípulo de Deus, e por Ele ensinado sobre o monte da perfeição; e tão frequentemente, isso, que ele vai quase até à loucura na sua aflição. É nesse ponto que ele chora e se lamenta, luta e combate, lança juramentos e gritos de execração; e, para dizê-lo resumidamente, parece-lhe ser tão pesado de carregar, um fardo tão pesado de si próprio, que nunca mais ele se inquieta com aquilo que lhe pode acontecer enquanto Deus não tenha ficado satisfeito e que ele não Lhe tenha agradado.
  4. E no entanto, no meio de toda essa aflição, ele não deseja nada deixar de ser: porque isso seria demência diabólica e ódio de Deus. Pelo contrário, agrada-lhe com efeito ser, e ele dá graças do profundo do coração a Deus pela excelência e pelo dom que Ele lhe fez desse ser: porque tudo o que ele deseja e não deixa de desejar, é o perder e deixar o conhecimento e o sentimento do seu ser.
  5. Essa desolação e esse desejo, pertence a cada alma o tê-los e o senti-los nela, quer seja duma maneira quer doutra: conforme se digna Deus de o explicar e ensinar aos Seus discípulos espirituais com o Seus bom prazer e segundo as aptidões e capacidades do corpo e da alma deles, o grau onde eles estão e o temperamento deles, até ao tempo em que, se Ele o permitir, eles poderão ser unidos a Deus em caridade perfeita – tanto quanto se pode aqui em baixo.


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