Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 25



Que no tempo desta obra, uma alma perfeita não dá nenhuma consideração mais particular, a quem quer que seja, nesta vida.
  1. Eu não digo que o operário nesta obra considerará à parte qualquer ser humano que seja, amigo ou inimigo, parente ou estrangeiro; porque isso não é possível se a obra for realizada com perfeição, o que é no esquecimento completo de todas as coisas abaixo de Deus, assim como precisa e convém a esta obra. Mas eu digo que o operário será, pela eficácia desta obra, e tornar-se-á tão vigoroso nas virtudes e na caridade, que a sua vontade, quando ele depois descer ao comum, falando e orando pelo seu próximo – não que chegue ao ponto em que ele abandone completamente esta obra, o que não poderia acontecer sem grande pecado; mas abandonando a sua altura, o que por vezes requer e exige a caridade – eu digo que então a sua vontade irá toda tanto em particular para o seu inimigo, como para o seu amigo, para o estrangeiro como para o seu irmão. E mesmo, sim, algumas vezes mais para o seu inimigo que para o seu amigo.
  2. Na obra, no entanto, ele não tem vagar para ver quem é seu amigo ou seu inimigo, seu parente ou estrangeiro. No entanto, eu não digo que ele não sente por vezes – e mesmo muitas vezes, sim – uma mais íntima afeição por um, dois, ou três, do que por todos os outros: porque é legítimo que assim seja, e por muitas causas, as quais quer a caridade. E porque uma mais terna afeição deste género, também Cristo sentiu por João e por Maria, e por Pedro antes de numerosos outros. Mas o que eu digo, é que no tempo da obra, todos igualmente lhe são íntimos; porque então, ele não terá sentimento de causa, senão Deus apenas. Por forma que todos serão amados muito singelamente e simplesmente como ele próprio, por Deus.
  3. Porque todos os seres humanos foram perdidos em Adão e todos, que pelas obras querem testemunhar a sua vontade de salvação, são ou serão salvos pela força e virtude da Paixão de Cristo apenas. Ora, não da mesma maneira, mas como se fosse da mesma maneira, uma alma nesta obra disposta em perfeição, e em espírito unida a Deus assim como a própria obra o testemunha e o prova, nela age com todas as suas forças para fazer todos os seres humanos tão perfeitos nesta obra como ela é (perfeita) ela própria. Porque se um membro do nosso corpo se sente mal, os outros todos estão doentes e sofrem; e se um membro está bem, os outros todos estão felizes; e exatamente o mesmo se passa na vida espiritual dos membros da santa Igreja. Porque Cristo é a nossa cabeça, e nós somos os membros se nós estivermos na caridade: e quem quer ser perfeito discípulo de nosso Senhor, deve esforçar espiritualmente o seu ardor nesta obra para a salvação de todos os seus irmãos e irmãs na natureza, da mesma forma que nosso Senhor meteu o Seu corpo sobre a Cruz. E como é que Ele O fez? Não apenas para os Seus amigos e os Seus parentes e aqueles que Lhe eram caros muito particularmente, mas por toda a humanidade em geral, sem nenhuma consideração mais particular para com este ou aquele. Porque, todos e qualquer um, querendo deixar o pecado e pedir misericórdia, pela força e virtude da Sua Paixão, será salvo.
  4. E como foi dito da humildade e da caridade, igualmente também é preciso entender e compreender sobre todas as outras virtudes. Porque todas, elas estão verdadeiramente compreendidas nesse mesquinho ardor de amor, previamente alegado.


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