Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 16



Que pela virtude desta obra, um pecador sinceramente voltado e chamado à contemplação chega mais rapidamente à perfeição que por qualquer outra obra; e que por ela, ele pode mais cedo ter de Deus o perdão dos seus pecados.
  1. Vê bem: ninguém iria pensar que haja presunção em ousar, apesar de ser o mais miserável pecador nesta terra, – mas depois de se ter convenientemente emendado, e depois de ter sentido em si o apelo desta vida chamada contemplativa, com o assentimento quer da sua consciência quer do seu diretor espiritual – em ousar tomar sobre si e ter um humilde impulso de amor para o seu Deus, pressionando secretamente essa "nuvem de desconhecimento", a qual está entre o ser humano e o seu Deus. Quando nosso Senhor, dirigindo-se a Maria, e na sua pessoa a todos os pecadores, lhe disse: «Os teus pecados estão perdoados», não fez isso apenas para a recordação dos seus pecados nem pela grade tristeza que ela tinha deles, nem também pela humildade que ela teria ganho ao olhar apenas para a sua miséria. Mas porquê então? Seguramente, porque ela tinha muito amor.
  2. Olha! Aqui os seres humanos podem ver o que uma pressão secreta de amor pode ganhar de nosso Senhor, diante de todas as outras obras nas quais o ser humano pode pensar. E no entanto, eu não nego que ela sentiu a maior tristeza e muito amargamente chorou pelos seus pecados, nem que ela ficou toda cheia de humildade com a recordação da sua miséria. E assim faremos nós, nós que somos e que fomos uns miseráveis e uns pecadores endurecidos: e que a duração de toda a nossa vida seja o deplorar horrível e maravilhoso dos nossos pecados, que nós sejamos completamente cheios de humildade à recordação da nossa miséria!
  3. Mas como? Certamente, como fez Maria. Ela, que no entanto não podia não sentir no seu coração a mais profunda tristeza com os seus pecados, – visto que ela os trazia, com efeito, com ela onde quer que ela ia durante toda a sua vida, ligados em conjunto como um fardo depositado e pesando secretamente na caverna do seu coração, por forma a que eles nunca fossem esquecidos – apesar de no entanto se poder dizer e afirmar segundo a Escritura: ela tinha no entanto uma mais profunda tristeza no coração, uma mais dolorosa aspiração e mais profunda impaciência, sim! e ela languescia muito mais – quase até à morte – com a sua falta de amor, apesar de ela estar plena de amor. E com isso tu não tens que te espantar, porque é a condição do amante verdadeiro, que quanto mais ele ama, mais lhe falta e mais aspira ao amor.
  4. E no entanto ela sabia bem, e ela sentia bem nela com uma rigorosa verdade, que a sua miséria era mais horrível que a de qualquer um, e que os seus pecados tinham posto, entre ela e o seu Deus que ela amava tanto, uma divisão; e portanto também que eram eles, em grande parte, que eram a causa de que ela sofresse tanto e languisse de tal forma com a sua falta de amor. Mas sobre isso, o quê então? Desceu ela para isso das alturas do seu desejo até aos abismos da sua vida pecadora? E pôs-se a escavar no horrível e fedorento lodo e no fumeiro dos seus pecados, para os tirar um a um, cada um com as suas circunstâncias, afim de ter arrependimento e de chorar sobre cada um deles? Nada disso! Certamente, ela não o fez. E porquê? Porque Deus lhe tinha dado, por Sua graça, e feito compreender dentro da sua alma que ela nunca chegaria ao fim assim. Porque desse modo, ela teria antes fortificado nela, com certeza, a sua aptidão de grande pecadora, bastante antes de ganhar por meio desse empreendimento o pleno perdão de cada um de todos os seus pecados.
  5. E foi por isso que ela suspendeu o seu amor e impaciente desejo nessa "nuvem de desconhecimento"; e ela aprendeu a amar aquilo, que nunca ela poderia ver claramente nesta vida pela luz do entendimento na razão, nem sentir positivamente no seu afeto pela doçura do amor. A tal ponto que muitas vezes ela não tinha mais com precisão a recordação de se ela tinha sido uma pecadora ou não. Sim, e muitas e muitas vezes, eu creio, ela estava tão profundamente entregue ao amor da Sua Divindade, que ela não tinha por assim dizer mais nenhum interesse na beleza do Seu precioso e muito santo corpo, no qual Ele habitava muito adoravelmente, falando e pregando diante dela; nem aliás a nenhum outro objeto, não mais corporal que espiritual. Tal é a verdade, ao que parece, segundo o Evangelho.


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