Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 14



Que sem chegar primeiro à humildade imperfeita, é impossível a um pecador chegar nesta vida à virtude perfeita da humildade.
  1. Porque, apesar de eu lhe chamar humildade imperfeita, contudo, é tanta quanto eu tiver tido o conhecimento verdadeiro e o sentimento de mim próprio tal qual eu sou, que o mais rapidamente me será dada, com a causa perfeita, a virtude da humildade ela própria: e mais rapidamente que se todos os santos e os anjos do céu, e todos os homens e mulheres da santa Igreja sobre a terra, religiosos ou seculares de todos os graus, todos em conjunto se metessem a não fazer nada mais que rezar a Deus afim de que eu tenha a humildade perfeita. Sim, e mesmo então é impossível a um pecador de ter, ou de conservar tendo-a tido, essa virtude perfeita da humildade sem a outra.
  2. E é por isso que tu deves sangrar e suar tanto quanto tu possas e poderás, afim de ter, por ti próprio, o conhecimento verdadeiro e o sentimento daquilo que tu és. Porque então, eu penso que pouco depois tu terás uma experiência de Deus, o conhecimento verdadeiro e o sentimento daquilo que Ele é. Não tal como Ele é em Si próprio, porque isso ninguém pode, a não ser Ele próprio; nem ainda tal como tu O conhecerás na beatitude, juntamente com o corpo e a alma. Mas tal como é possível conhecê-l'O pela experiência, com a Sua permissão, por uma alma humilde e vivendo neste corpo mortal.
  3. E não penses, porque eu pus a esta humildade duas causas, uma perfeita e imperfeita a outra, que eu quero com isso te ver abandonar o trabalho devido à imperfeita humildade para te pôr inteiramente a querer a perfeita. Nada disso, seguramente: porque me parece que nunca tu a terás assim. Mas o que até aqui eu fiz, eu o fiz porque eu queria dizer-te e também que tu visses a excelência desse exercício espiritual e a sua precedência sobre os outros, físicos e espirituais, tal como pode ou poderia fazê-los o ser humano com a ajuda da graça. Como é também que esse amor íntimo, secretamente insistindo em pureza de espírito na obscura "nuvem de desconhecimento" que está entre ti e o teu Deus, verdadeiramente e perfeitamente contém nele a perfeita virtude da humildade, sem nenhuma particularidade ou clara consideração do que quer que seja por baixo de Deus. E ainda porque eu queria que tu conhecesses qual era a humildade perfeita, e que tu a colocasses como um sinal diante do amor do teu coração, e que tu fizesses assim para ti e para mim. Por fim, porque eu queria que, com esse conhecimento, tu te tornasses mais humilde.
  4. Porque acontece muitas vezes que a falta de conhecimento é a causa, na minha opinião, de muito orgulho. E talvez pudesse acontecer que, não conhecendo qual era a perfeita humildade, e tendo no entanto qualquer pequeno conhecimento e sentimento daquela a que eu chamo de humildade imperfeita, tu fosses imaginar ter já quase atingido a humildade perfeita: de tal forma, assim, que tu te enganasses a ti próprio, crendo estares numa total humildade quando tu estavas prisioneiro dum horrível e fedorento orgulho.
  5. E é por isso que tu te deves esforçar por trabalhar nesta humildade perfeita, porque ela tem uma qualidade tal que quem a possui, e durante todo o tempo em que ele a tem, não peca nada, e também não pecará muito depois.


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