Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 13



O que é a humildade em si própria; e quando ela é perfeita, e quando ela é imperfeita.
  1. Vejamos portanto primeiro a virtude da humildade: como ela é imperfeita quando ela tem por causa, misturada com Deus, qualquer outra razão, apesar de Ele ser a principal; e como ela é perfeita com Deus n'Ele próprio como único fim. E antes, é preciso saber o que é a humildade em si própria, se é que a coisa pode ser claramente vista e compreendida; sobre o quê, mais verdadeiramente poder-se-á conceber, na verdade do espírito, qual é a causa dela.
  2. A humildade não é em si própria nada mais que o verdadeiro conhecimento e o sentimento verdadeiro, para o ser humano, daquilo que ele é em si próprio. Porque seguramente, quem puder ver-se a si próprio na verdade e sentir aquilo que ele é, na verdade esse será humilde. E essa humildade tem duas causas, as quais estão aqui: a primeira é a sujidade, miséria e fragilidade do ser humano, nas quais ele caiu pelo pecado, e que lhe compete guardar o sentimento em todos os instantes que ele vive nesta vida, tão santo quanto ele possa ser. A segunda, é o sobreabundante Amor e a Perfeição de Deus em Si próprio, à consideração dos quais toda a natureza fica a tremer; e todos os grandes clérigos são uns loucos; e todos os santos e todos os anjos são cegos. De tal forma que, se não acontecesse que Ele temperasse, na sabedoria da Sua Divindade, a contemplação de cada um segundo a sua capacidade segundo a natureza e segundo a graça, eu não consigo dizer o que lhes aconteceria.
  3. A segunda dessas duas causas é perfeita; e a razão, é que ela durará para sempre e sem nenhum fim. Mas a primeira aqui por cima, é pelo contrário imperfeita; e porquê? é porque não somente ela cai quando acaba esta vida, mas ainda muitas vezes pode acontecer que uma alma neste corpo mortal, por abundância de graça em multiplicação do seu desejo – tão frequentemente e tão longamente quanto se digne Deus operar nela assim – pode ter subitamente e perfeitamente perdido e esquecido todas as ideias e todos os sentimentos do seu ser, sem mais nenhuma preocupação quer da sua santidade quer da sua miséria anterior. Mas, quer a coisa aconteça raramente ou frequentemente, a uma alma assim disposta, de todas as formas ela só persiste durante um instante muito breve, na minha opinião: mas durante esse instante ela é perfeitamente humilde, não tendo nenhuma ideia nem sentimento de uma causa, que não seja a principal. Enquanto que, cada vez que ela conhece e sente a outra causa misturada com esta, – e mesmo que esta fosse a principal – então a humildade é imperfeita.
  4. Mas sempre, no entanto, ela é boa; e é sempre necessário tê-la. E que Deus te preserve de a teres de forma diferente daquela que eu te disse.


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