Nuvem de Desconhecimento – Capítulo 9



Que no tempo desta obra, a recordação da criatura mais santa que alguma vez fez Deus é mais prejudicial que proveitosa.
  1. E é por isso que esse movimento agudo do teu intelecto, que sempre te vem importunar quando tu te metes nesta obra, é sempre preciso que ele seja pisado com os pés; porque se tu não o pisas, é ele que te pisará. E assim, quando tu crês que estás no melhor, e imaginas permanecer nessa obscuridade, e que não tens no teu espírito nada mais que Deus sozinho, se tu observas com cuidado, tu encontrarás o teu espírito, não ocupado com essa obscuridade, mas antes com uma clara consideração de qualquer objeto por baixo de Deus. E sendo assim, seguramente essa coisa está por cima de ti nesse momento, e entre ti e o teu Deus. É por isso que, tem portanto o desejo de rejeitar semelhantes e claras considerações, mesmo se elas forem santas e mais favoráveis que nunca. Porque eu digo-te uma coisa: é que o mais proveitosos para a saúde da tua alma, e mais valioso em si, e mais agradável a Deus e a todos os santos ou anjos do céu, – sim! E de maior socorro para todos os teus amigos do corpo e do espírito, vivos ou mortos, – é esse "cego impulso de amor" para Deus n'Ele próprio, e um tal e secreto ardor nessa "nuvem de desconhecimento": e eu digo-te que é melhor para possuí-lo e tê-lo no teu sentimento espiritual, do que teres os olhos da tua alma abertos para a contemplação ou consideração de todos os anjos ou santos do céu, ou que ela esteja banhada em toda a alegria e na melodia da beatitude em que eles estão.
  2. E nota bem que tu não te deves espantar com isto: porque se tu pudesses tu próprio vê-lo tão claramente quanto é possível, pela graça, de o pressentir nesta vida, então tu pensarias como eu digo. Mas sabe bem e fica assegurado de que a clara visão, nunca a teremos nesta vida; o sentimento (dela), no entanto, podemos ter, pela graça, e com a permissão de Deus. E é por isso portanto que tu deves elevar o teu amor para essa nuvem; ou antes, para falar segundo a verdade, deixar Deus atrair o teu amor para essa nuvem; e procurar para ti, com o socorro da Sua graça, o esqueceres tudo o resto.
  3. Porque quando uma simples recordação de qualquer objeto por baixo de Deus, apesar de involuntária e não deliberada, já te afasta muito mais de Deus do que se ele se tivesse imposto, e te prejudica com isso porque ele te torna incapaz de ter, por experiência, o sentimento do fruto do Seu amor, – o que será então se tu te lançares voluntariamente e deliberadamente numa tal recordação ao contrário do teu propósito, e que obstáculo não vai ela aí meter? E visto que a recordação de qualquer santo em particular, ou de todos os objetos puramente espirituais, já é um semelhante obstáculo para ti, – o que será da recordação de qualquer ser humano vivendo na sua carne miserável, ou de qualquer outro objeto material ou mundano? E quanto não serás tu impedido nessa obra?
  4. Não é que eu queira dizer que uma semelhante ideia súbita e nua de qualquer bom e espiritual objeto por baixo de Deus, completamente involuntária e não deliberada, ou mesmo voluntariamente suscitada e escolhida com a intenção de aumentar a tua devoção, apesar dela ser prejudicial ao modo e à maneira desta obra, – não é que eu diga que ela seja por isso coisa má. Não! Deus não permitiria que tu a tomasses assim. Mas eu digo que, tão boa e santa que ela seja, pelo menos, nesta obra, ela faz mais impedimento que proveito. Para este tempo e este momento, quero eu dizer. E porquê? É porque aquele que procura Deus com perfeição, esse, para acabar, não vai parar e repousar na recordação de qualquer santo ou dum anjo do céu.


[ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ]


Início » Espiritualidade » Nuvem de Desconhecimento » Capítulo 9