Mestre Eckhart – Antigamente vocês eram trevas 4


  1. Quando se falou disto na Escola, alguns mestres disseram que Deus imprimiu a imagem na alma como aquele que pinta uma imagem na parede, e que se apaga. Isto foi contradito.
  2. Outros mestres falaram melhor e disseram que Deus imprimiu uma imagem permanente, como um pensamento que permanece nela.
  3. Como por exemplo: hoje eu tenho uma vontade, e eu tenho amanhã o mesmo pensamento, e eu retenho a imagem pela minha representação permanente.
  4. Eles disseram portanto que as obras de Deus são perfeitas.
  5. Se o carpinteiro fosse perfeito na sua obra, ele não teria necessidade de materiais: assim que ele pensasse nela, a casa estaria acabada.
  6. Tais são as obras de Deus: assim que Ele pensa nelas, as obras são completadas num «agora» presente.
  7. Veio o quinto mestre, ele foi o melhor a falar, e disse: não há devir (em Deus), é um «agora», um devir sem devir, um novo sem renovação: eis o devir que é o seu ser.
  8. Em Deus há uma subtileza na qual não pode haver renovação.
  9. Há também na alma uma subtileza tão pura e tão delicada que não pode haver nela renovação porque tudo aquilo que está em Deus é um «agora» presente sem renovação 1
  10. Eu queria falar de quatro coisas: da subtileza de Deus, e da subtileza da alma, e da operação em Deus, e da operação da alma, mas vou ficar por aqui. 2

Notas
  1. O pregador evoca em seguida um discurso de Escola: na Sorbonne? no studium generale de Colónia? Todos os mestres que se encontram lá reconhecem na alma humana a presença de Deus, com mais ou menos intensidade: para um, como uma pintura fugaz numa parede, para outro, uma imagem permanente.

    E esse quinto, que diz melhor, não seria Eckhart? É-nos permitido supô-lo, visto a citação ser anónima. Se ele não emitiu, ele próprio, essa opinião, ele fê-la sua: está certamente aí não apenas o seu pensamento, mas a sua maneira: «Não há devir, é um "agora", um devir sem devir, um novo sem renovação, e o devir é o seu ser.»

    Ele já nos disse no sermão 20a, Um homem tinha preparado um festim: «O que quer que Deus dê, isso foi sempre um devir; o seu devir é agora novo e total num "agora" eterno.»

    Neste sermão, o termo «kleinlicheit» é empregue quer para designar o fundo original em direção ao qual fluem e de onde refluem as Pessoas divinas (Divindade) como aquilo que, na alma, é vulgarmente designado por numerosos termos diferentes, e sobretudo «a centelha», ou «a pequena centelha», ou o «qualquer coisa na alma».

    O termo «klein» no alemão de Mestre Eckhart, e mesmo ainda hoje, cobre um campo semântico mais vasto do que o português correspondente «pequeno». Ele pode evocar qualidades de fineza, de delicadeza, de beleza (das Kleinod, a jóia). A tradução desta palavra por «subtileza», em vez de «imponderabilidade», segue a tradução que Josef Quint faz para o alemão moderno: «Subtilität».

    No final do sermão, o pregador informa-nos que tinha querido tratar ainda de outras questões, mas que fica por aqui. Por vez acontece-lhe acabar abruptamente, como aconteceu neste caso. [  ]
  2. Esta tradução foi realizada a partir da tradução francesa de Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 31-59 - Tome II», Éditions du Seuil, Paris, 1978, p. 126-130. [  ]


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