Mestre Eckhart – Feliz o ventre que te trouxe 4


  1. E Cristo diz: «Aquele que escuta a palavra de Deus, e a guarda, esse é feliz.»
  2. Ora apliquem-se a compreender o sentido!
  3. O próprio Pai não escuta nada a não ser esse Verbo, Ele não conhece nada a não ser esse mesmo Verbo, Ele não diz nada a não ser esse mesmo Verbo, Ele não gera nada a não ser esse mesmo Verbo.
  4. Nesse mesmo Verbo, o Pai escuta, e o Pai conhece, e o Pai gera-se a Ele próprio, e também gera esse mesmo Verbo, e todas as coisas, e a sua Divindade até ao seu fundo, Ele próprio segundo a natureza, e esse Verbo com a mesma natureza numa outra Pessoa.
  5. Pois bem! notem o modo dessa Palavra!
  6. O Pai pronuncia segundo o modo do conhecimento, em fecundidade, a sua própria natureza, totalmente, no seu Verbo eterno.
  7. Ele não pronuncia voluntariamente o Verbo como um ato da vontade, como quando qualquer coisa é dita ou feita pela faculdade da vontade e que, nessa mesma faculdade, se pode também omitir caso se queira.
  8. Não é assim para o Pai, e para o seu Verbo eterno: quer Ele queira, ou não queira, Ele precisa de pronunciar esse Verbo, e gerá-lo sem cessar, porque eis o que é o Pai: toda a natureza do Pai, é a de ser naturalmente como a raiz (da Trindade), eis o que o Pai é n'Ele próprio.
  9. Vejam, é por isso que o Pai pronuncia esse Verbo em conformidade com a sua vontade, e não por um ato da vontade, e em conformidade com a sua natureza, e não por um ato da sua natureza.
  10. Nesse Verbo, o Pai pronuncia o meu espírito, e o teu espírito, e o espírito de todos os seres humanos, semelhante a esse mesmo Verbo.
  11. Nessa mesma Palavra, tu és e eu sou naturalmente filho de Deus, como esse mesmo Verbo.
  12. Porque, assim como eu disse precedentemente: o Pai só conhece esse mesmo Verbo, e Ele próprio, e toda a natureza divina, e todas as coisas, nesse mesmo Verbo, e tudo o que Ele conhece n'Ele é idêntico ao Verbo, e é o próprio Verbo naturalmente, na verdade.
  13. Quando o Pai te dá, e te revela, esse conhecimento, Ele dá-te a sua vida, e o seu ser, e a sua Divindade, absolutamente, verdadeiramente, na verdade.
  14. Nesta vida aqui, o pai segundo o corpo comunica à sua criança a sua natureza, mas ele não lhe dá a sua própria vida, nem o seu próprio ser, porque a criança tem uma outra vida, e um outro ser, que não o do pai.
  15. Eis a prova: o pai pode morrer, e a criança pode viver, ou a criança pode morrer, e o pai viver.
  16. Se ambos tivessem uma única vida e um único ser, era preciso necessariamente que os dois morressem ou vivem em conjunto, porque a vida e o ser dos dois seriam um. E não é assim.
  17. É por isso que cada um deles é estranho ao outro, eles estão separados um do outro quanto à vida, e ao ser.
  18. Se eu pego em fogo num local e o coloco noutro, ele fica separado apesar de ser igualmente fogo; este pode queimar e aquele pode apagar-se, ou este pode apagar-se e aquele pode queimar, e é por isso que ele nem é um nem é eterno.
  19. Mas, como eu disse precedentemente: o Pai do reino celeste dá-te o seu Verbo eterno, e nesse Verbo eterno Ele dá-te a sua própria vida, e o seu próprio ser, e a sua Divindade, absolutamente, porque o Pai e o Verbo são duas Pessoas, e uma vida, e um ser sem separação.
  20. Quando o Pai te acolhe nessa mesma luz, afim de que tu conheças e contemples essa luz, nessa luz, da mesma maneira que Ele se conhece a Ele próprio, e todas as coisas, segundo a sua potência paterna, nesse Verbo - esse mesmo Verbo, segundo o intelecto e a verdade, tal como eu disse - Ele dar-te-á o poder de gerar com Ele, a ti próprio, e todas as coisas, e Ele dá-te a sua própria potência, como a esse mesmo Verbo.
  21. Assim, com o Pai, na potência do Filho, tu geras sem descanso a ti próprio, e todas as coisas, num contínuo presente.
  22. Nessa luz, assim como eu disse, o Pai não conhece nenhuma diferença entre ti e Ele, nem nenhuma vantagem, nem mais nem menos, do que entre Ele e esse mesmo Verbo.
  23. Com efeito, o Pai e tu próprio, e todas as coisas, e esse mesmo Verbo, são um na luz. 1

Notas
  1. Primeiro, na sequência do prólogo, um dos seus temas favoritos: as relações do Pai com o Filho, e a alma humana.

    O Pai «pronuncia», exprime o seu Filho. Ele o faz, em conformidade com a sua vontade, mas não por um ato da sua vontade, quer dizer que Ele aquiesce plenamente ao seu ato, mas a sua natureza obriga-o a isso: Ele não poderia não o realizar.

    Ao mesmo tempo, Ele «pronuncia» o espírito de todos os seres humanos: «o Pai do reino celeste dá-te o seu Verbo eterno, e nesse Verbo eterno Ele dá-te a sua própria vida, e o seu próprio ser, e a sua Divindade... Ele dá-te o poder de gerar com Ele, a ti próprio, e todas as coisas, e Ele dá-te a sua própria potência, como a esse mesmo Verbo. Assim, com o Pai, na potência do Filho, tu geras sem descanso a ti próprio, e todas as coisas, num contínuo presente.»

    A luz na qual o Pai não conhece nenhuma diferença entre o seu Filho e a alma é a pequena centelha: «o Pai e tu próprio, e todas as coisas, e esse mesmo Verbo, são "um" na luz.»

    Estes são pensamentos com os quais, desde os seus primeiros sermões, Eckhart familiarizou os seus auditores e leitores. [  ]


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