Mestre Eckhart – Esta é a vida eterna 2


  1. Como é que o ser humano deve chegar a ser um Filho único do Pai?
  2. Notem! O Verbo eterno não assumiu esta pessoa nem aquela pessoa, mas ele assumiu uma natureza humana livre, indivisa, que era simples, sem traços particulares, porque a forma simples da humanidade não tem figura.
  3. E é por isso que, quando a natureza humana foi assumida pelo Verbo eterno, simplesmente, sem figura particular, a imagem do Pai, que é o Filho eterno, tornou-se na figura da natureza humana.
  4. Porque é tão verdadeiro que Deus se tornou ser humano, como é igualmente verdadeiro que o ser humano se tornou Deus.
  5. E assim, a natureza humana é transfigurada pelo facto de que ela se tornou a imagem divina que é a imagem do Pai.
  6. E assim, se vocês devem ser um único Filho, é preciso que vocês se desprendam e separem de tudo aquilo que introduz em vocês uma diferença.
  7. Cada ser humano é acidental em relação à natureza humana, e é por isso que vocês se devem separar daquilo que é acidental em vocês, e se devem aceitar segundo a natureza humana livre, indivisa.
  8. E porque essa mesma natureza, segundo a qual vocês se aceitam e se tornam Filhos do Pai eterno, sendo assumida pelo Verbo eterno, vocês se tornam assim Filhos do Pai eterno com Cristo, pelo facto de que vocês se aceitam segundo a mesma natureza que se tornou Deus.
  9. Evitem portanto o vocês aceitarem-se de qualquer forma segundo a qual vocês são esta pessoa ou aquela pessoa, mas vocês aceitem-se segundo a natureza humana livre, indivisa.
  10. É por isso que, se vocês querem ser um único Filho, desprendam-se de todo «não» porque o «não» cria a diferença.
  11. Como? Notem! Porque tu «não» és esta pessoa, este «não» cria uma diferença entre ti e essa pessoa.
  12. E assim, se vocês querem ser sem diferença, separem-se do «não» (nada).
  13. Porque há na alma uma potência que está separada do «nada» (não) porque ela não tem nada de comum com nenhuma outra coisa; nada está nessa potência a não ser Deus sozinho, Ele projeta a sua luz pura nessa potência. 1

Notas
  1. O pregador explica em seguida como é que o ser humano pode chegar até lá. Nós já lemos diversas vezes e particularmente no sermão 24, São Paulo diz, um longo desenvolvimento sobre o tema que reencontramos aqui.

    O Verbo eterno não assumiu em si esta pessoa ou aquela pessoa, «ele assumiu em si uma natureza humana livre, indivisa, sem traços particulares que era simples sem imagem.»

    Nós encontramos frequentemente a palavra «figura, imagem» empregue por Mestre Eckhart com sentidos diferentes, em particular para designar os arquétipos das criaturas que Deus tem em si.

    Na frase acima, cada palavra é um pouco ambígua, mas o conjunto compreende-se no contexto. A natureza humana, que Cristo assumiu, é indivisa, a mesma para todas as pessoas, simples, sem imagem, quer dizer sem ter uma marca individual.

    O Verbo é a imagem do Pai, no sentido pleno da palavra, a sua reprodução integral, e pela sua incarnação ele tornou-se também a imagem da nossa natureza humana.

    Sem apelar, desta vez, ao famoso texto de Agostinho sobre a divinização do ser humano que ele gosta de citar, Eckhart conclui no mesmo espírito: «Porque é tão verdadeiro que Deus se tornou ser humano, como é igualmente verdadeiro que o ser humano se tornou Deus.»

    É preciso portanto que aquele que se quer tomar no Filho único do Pai evite assimilar-se individualmente, a esta pessoa ou àquela pessoa, mas que se separe de tudo o que em si próprio é «acidente». O pregador emprega, para designar este ser humano, os mesmos termos de que se serviu para o Verbo eterno: que ele se assuma «segundo a natureza humana livre, indivisa».

    O «não» cria toda a diferença. Eckhart joga com o duplo sentido deste termo: «não», tu não és essa pessoa, negação; e ao mesmo tempo, «não», quer dizer «nada», segundo um outro significado igualmente caro ao pregador. Duplo e único conselho: não te consideres segundo o teu próprio indivíduo e separa-te de todo o nada, quer dizer de tudo o que em ti é criado.

    Mestre Eckhart fala-nos logo depois, e não fortuitamente, daquilo que, na alma, está «separado do nada». Apesar de, aqui outra vez, lhe ter chamado «potência», nós reconhecemos a «pequena centelha», o «castelo», o «qualquer coisa na alma» que não tem nada de comum com o que quer que seja, onde Deus vive só. [  ]


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