Mestre Eckhart – Quando se completaram os dias 3


  1. Um mestre diz: toda a similitude tem por fim um nascimento.
  2. Ele diz ainda: a natureza nunca encontra o seu semelhante sem que um nascimento se siga.
  3. Os nossos mestres dizem: o fogo, tão forte quanto seja, nunca queimaria se ele não esperasse um nascimento.
  4. Tão seca quanto seja a madeira que aí se meta, se ela não se pudesse assimilar ao fogo, ela nunca queimaria.
  5. O fogo deseja nascer na madeira, por forma a que só aí haja um fogo, e que ele se mantenha, e permaneça.
  6. Se ele se apagasse e desaparecesse, não haveria aí mais fogo, é por isso que ele deseja ser mantido.
  7. A natureza da alma nunca traria nela a similitude se ela não desejasse que Deus nascesse nela; nunca ela chegaria à sua natureza, nunca ela desejaria aí chegar se ela não esperasse esse nascimento.
  8. Também, é essa a operação de Deus, e nunca Deus a operaria se Ele não quisesse que a alma nascesse n'Ele.
  9. Deus opera e a alma deseja.
  10. A Deus pertence a operação, à alma o desejo, assim como o poder de que Deus nasça nela, e ela em Deus.
  11. É a operação de Deus que a alma se torne igual a Ele.
  12. É necessário que ela espere que Deus nasça nela, e que ela seja mantida em Deus, e que ela deseje uma união, afim de que ela seja mantida em Deus.
  13. A natureza divina derrama-se na luz da alma, e ela aí é mantida.
  14. Com isso, Deus deseja nascer nela, e estar unido, e ser mantido nela.
  15. Como é isso possível? Não dizemos nós antes que Deus se mantém por si próprio?
  16. Quando Ele atrai lá a alma, ela descobre que Deus se mantém a Ele próprio, e lá ela fica, sem o qual ela nunca aí permaneceria.
  17. Agostinho diz: «Exatamente como tu amas, tu és: se tu amas a terra, tu tornas-te terrestre; se tu amas Deus, tu tornas-te divino.
  18. Se portanto eu amo Deus, tornar-me-ia então Deus? Eu não o digo, eu reenvio-vos para a Santa Escritura.
  19. Deus falou pelo profeta: Vocês são deuses, e filhos do Altíssimo».
  20. É por isso que eu digo: na igualdade, Deus dá o nascimento.
  21. Se a alma não se apercebesse, ela nunca desejaria aí chegar.
  22. Ela quer subsistir n'Ele; a sua vida está n'Ele.
  23. Deus tem a sua substância, a sua permanência no seu ser, e é por isso que as coisas não se passam de outro modo: é preciso que se despoje e separe tudo o que é da alma: a sua vida, as suas potências, a sua natureza, é preciso que tudo isso desapareça, e que ela permaneça numa luz pura onde ela é uma única imagem com Deus: lá ela encontra Deus.
  24. É a particularidade de Deus que nada de estrangeiro se insinue n'Ele, nada de trazido, nada de acrescentado.
  25. Tal é o primeiro ponto. 1

Notas
  1. Depois da assimilação da «imagem» da alma à «imagem» de Deus, uma outra aproximação que traduz a mesma realidade espiritual. Como o fogo deseja nascer na madeira, a alma aspira ao nascimento de Deus nela.

    Deus deseja também esse nascimento, e só o pode operar.

    «A natureza divina derrama-se na luz da alma, e ela aí é mantida.» Ela é mantida em Deus, e Deus é mantido nela.

    «Como é isso possível? Nós dizemos que Deus se mantém a Ele próprio.» Resposta: «Quando Ele atrai lá a alma, ela descobre que Deus se mantém a Ele próprio, e lá ela fica, sem o qual ela nunca aí permaneceria.»

    Eckhart cita mais uma vez Agostinho sobre a identidade no amor daquele que ama com aquele que é amado. Mas é preciso que a alma se despoje de tudo aquilo que ela é, afim de ser mantida na luz pura onde ela é uma única imagem com Deus. [  ]


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