Mestre Eckhart – Deus ama aqueles que perseguem a justiça 4


  1. Agora, um outro sentido.
  2. Prestem bem atenção a esta interpretação.
  3. Ela está completamente de acordo com a Escritura, se estivermos prontos para a abrir, para a desselar.
  4. É dito: «que perseguem a justiça», «na Sabedoria».
  5. O ser humano justo tem de tal forma necessidade de justiça que não pode amar nada mais que a justiça.
  6. Como eu disse frequentemente: se Deus não fosse justo, ele não prestaria atenção a Deus.
  7. A sabedoria e a justiça fazem um com Deus, e lá, amar a sabedoria e amar a justiça, são a mesma coisa, e se o diabo fosse justo, ele a amaria na medida em que ele fosse justo, e nem mais a espessura de um cabelo.
  8. O ser humano justo não ama em Deus nem isto nem aquilo, e se Deus lhe desse toda a sua sabedoria e tudo aquilo que Ele lhe pode oferecer, exceto a Ele próprio, ele não prestaria atenção a essas coisas, e não encontraria nelas sabor, porque ele não quer nada e não procura nada, porque tudo aquilo que ele faz ele age «sem porquê», da mesma forma que Deus age «sem porquê» e não tem «porquê».
  9. Deus e o justo têm a mesma forma de agir: «sem porquê», e da mesma forma que a vida vive por ela própria e não procura porque é que ela vive, é também «sem porquê» que o justo faz alguma coisa. 1

Notas
  1. «O ser humano justo não quer nada e não procura nada», é «sem porquê» que ele faz alguma coisa, da mesma forma que Deus age «sem porquê» e não tem «porquê».

    O ser humano deve realizar todos os seus atos no mais perfeito desinteresse, Eckhart não cessa de nos repetir com variadas imagens.

    No sermão 4, O melhor dom de Deus, ele comparou aquele que procura qualquer coisa ao mesmo tempo que Deus à pessoa que pega numa candeia para encontrar um objeto perdido, e quando encontra aquilo que procurava, deixa a candeia.

    Ele trata de «servos» e de «mercenários» aqueles que agem com vista a qualquer «porquê» (39, O justo vive na eternidade) e neste sermão vai mais longe ainda comparando-os a Judas.

    Eckhart desenvolveu muito particularmente este pensamento no sermão 26, Mulher, vem a hora. Todas as coisas que estão no tempo têm um «porquê».

    Não se passa o mesmo com as coisas espirituais: «Poderia dizer-se a uma pessoa boa: "- Porque procuras Deus? - Porque Ele é Deus! - Porque procuras a verdade? - Porque ela é a verdade!"»

    O segundo ato de acusação de Colónia reteve esta asserção (artigo 31). Mestre Eckhart respondeu com aquela altivez que ele adota geralmente com respeito aos seus juizes ignorantes: «É preciso dizer que, como inúmeras outras coisas, ela parece absurda às gentes limitadas (tardioribus); é no entanto uma verdade manifesta que a obra divina não é perfeita se o ser humano não a completa a partir do próprio Deus».

    Os juizes de Colónia não devem ter lido o sermão que nos ocupa aqui, onde a proposição se agravou ainda mais: não apenas é o ser humano que deve viver «sem porquê», «da mesma forma que Deus age "sem porquê" e não tem "porquê"».

    Este último membro da frase está perfeitamente correto: Deus não tem «porquê», Ele é porque Ele é.

    Não se passa o mesmo com aquilo que precede: Deus age «sem porquê». A teologia clássica admite perfeitamente que se coloquem estas questões: «Porque é que Deus criou o ser humano? Porque é que Deus se incarnou?» Mas ela responde que Deus o faz com um porquê: com vista à sua própria glória e afim de salvar os seres humanos.

    O budista zen Shizuteru Ueda estudou profundamente Mestre Eckhart, mostrando claramente o que separa este cristão do budismo:

    «Fieis ao pensamento de Mestre Eckhart nós devemos portanto dizer: Porque é que Deus se fez homem? - Sem porquê. Sem porquê, não é uma resposta a bem dizer. Aquele que replica sem porquê nega a própria questão colocada. Sem porquê, esta réplica não entra mais no esquema claro e distinto onde se procuram intenções e significados. "Porque é que Deus se fez homem? Sem porquê." Nada é explicado. Mas qualquer coisa se manifesta. Deus mostra-se Ele próprio no seu ser que não tem porquê. O interrogador encontra-se arrancado de qualquer posição de onde ele pudesse ainda pedir razões a Deus. O ser humano é arrancado do posto crítico onde ele pede contas a Deus pela sua ação no mundo, pelo seu ser, pela sua Incarnação. O ser humano é assim introduzido imediatamente no sem porquê, quer dizer em Deus.» (LVS, 1-71, p. 36-37).

    Apesar do seu conselho, Mestre Eckhart colocou a si próprio esta mesma questão: «Porque é que Deus se fez homem?» Ora ele respondeu não segundo a teologia tradicional, mas assim: «...Ele fez-se homem afim de te poder gerar como seu Filho único e não menos» (30, Prega a palavra). Isto é uma contradição com o «sem porquê» que ele preconiza.

    Eckhart disse-nos bastantes vezes que Deus obedece a uma necessidade da sua natureza ao amar-nos, Ele está «constrangido» a amar-nos. Ora a sua natureza é amor: «Todos os mandamentos de Deus vêm da bondade da sua natureza... Quem permanece na bondade da sua natureza permanece no amor de Deus e o amor não tem porquê» (28, Eu vos elegi). [  ]


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