Mestre Eckhart – Permaneçam em mim! 4


  1. A quinta coisa, é que o ser humano nasce em todo o tempo em Deus.
  2. Como é que o ser humano nasce em todo o tempo em Deus?
  3. Tomem nota! Pelo desprender da imagem (de Deus) dentro do ser humano, o ser humano torna-se semelhante a Deus, porque, pela imagem, o ser humano é semelhante à imagem que é Deus, aquela que Deus é segundo a pureza da Sua essência.
  4. E quanto mais o ser humano é desprendido, mais ele é semelhante a Deus, e quanto mais ele se torna semelhante a Deus, mais ele está unido a Ele.
  5. É preciso portanto entender assim o nascimento perpétuo do ser humano em Deus: o ser humano com a sua imagem brilha na imagem que é Deus, aquela que Deus é segundo a pureza da sua essência, e com a qual o ser humano é um.
  6. É preciso portanto entender a unidade do ser humano e de Deus segundo a semelhança da imagem, porque o ser humano é semelhante a Deus segundo a imagem.
  7. É por isso que, quando se diz que o ser humano é um com Deus, e que em consequência dessa unidade ele é Deus, entende-se o ser humano segundo a parte da imagem pela qual ele é semelhante a Deus, e não segundo a sua natureza criada.
  8. Ao considerá-lo como Deus, não o consideramos segundo a sua natureza criada; ao considerá-lo como Deus, não negamos a sua natureza criada no sentido em que seria necessário sustentar essa negação pela aniquilação da sua natureza criada, é preciso bem pelo contrário entendê-la como uma asserção respeitante a Deus, pela qual se nega que haja, o que quer que seja, de criado em Deus.
  9. Porque Cristo, que é Deus e homem, quando é considerado segundo a sua humanidade, não tomamos em consideração a sua divindade, não que neguemos com isso a sua divindade, mas então não temos atenção a ela.
  10. E é assim que deve ser entendida a frase de Santo Agostinho quando ele diz: «Aquilo que o ser humano ama, ele o é. Se ele ama uma pedra, ele é uma pedra; se ele ama um ser humano, ele é um ser humano; se ele ama Deus - ora eu não ouso continuar, porque se eu digo que ele é Deus, vocês poderiam delapidar-me, mas eu reenvio-vos para a Escritura.»
  11. E é por isso que o ser humano, quando ele se une totalmente a Deus com amor, está desprendido das imagens, formado e transformado na conformidade divina, na qual ele é um com Deus.
  12. O ser humano possui isto quando permanece n'Ele. 1

Notas
  1. Em vários sermões, em particular no sermão 16b, Como um vaso de ouro maciço, Eckhart falou da imagem.

    A primeira imagem do Pai é o Filho, mas na alma humana também o Pai imprimiu a sua imagem: «Vocês devem saber que a imagem divina e simples que está impressa na alma, no mais interior da sua natureza, é aí recebida diretamente, e o que há de mais íntimo e de mais nobre na natureza divina é reproduzido muito verdadeiramente na imagem da alma...»

    Neste sermão aqui, Eckhart retoma esta mesma doutrina: a imagem divina que Deus colocou no ser humano pode ser mais ou menos recoberta pelas criaturas, mas na medida em que o ser humano se desprende do criado, «mais claro é nele o nascimento de Deus».

    Assim, a alma prepara, pelo desprendimento, o nascimento que Deus realiza: «o Pai desnuda e desprende a imagem divina, e brilha nela».

    O supremo ganho para o ser humano é que ele nasce em todo o tempo em Deus: o ser humano reproduz a sua própria imagem na imagem que Deus é segundo a pureza da sua substância.

    Eckhart tem bem o cuidado de precisar como se deve entender essa identidade.

    Ele distingue no ser humano o ser caráter de criatura, e esta imagem divina nele.

    Ele toma o exemplo de Cristo, do qual não se nega a divindade, quando é considerado na sua humanidade.

    Por várias vezes ele citou o texto de Agostinho, tantas vezes o seu recurso.

    Ele não vai aqui até ao fim da citação, como fez no sermão 38, onde Agostinho não receou invocar a autoridade do salmo 81: «Eu disse que vocês são deuses.»

    A frase que nós lemos aqui exprime a mesma audácia: «E é por isso que o ser humano, quando ele se une totalmente a Deus com amor, está desprendido das imagens (entendamos: as imagens das coisas criadas), formado e transformado na conformidade divina, na qual ele é um com Deus.»

    Esta realidade mística escapa, evidentemente, ao saber e à consciência psicológica do ser humano. Ela pertence ao domínio da fé. [  ]


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