Mestre Eckhart – O meu homem, teu servo, está morto 2


  1. A pequena centelha do intelecto é a cabeça da alma, ela chama-se «o homem» da alma, é como uma pequena centelha de natureza divina, uma luz divina, um raio e uma imagem de natureza divina impressa (na alma).
  2. Nós lemos que uma mulher solicitou o dom de Deus.
  3. O primeiro dom de Deus, é o Espírito Santo; nele, Deus dá todos os seus dons, é «a água viva».
  4. «Aquele a quem eu a dou nunca mais terá sede.»
  5. Esta água é graça e luz, ela jorra dentro da alma, jorra interiormente, ela eleva-se e «lança-se até à eternidade».
  6. Então a mulher diz: «Senhor, dá-me dessa água.»
  7. Nosso Senhor diz: «Traz-me o teu homem.»
  8. Ela diz: «Senhor, eu não tenho.»
  9. Nosso Senhor diz: «Tu dizes a verdade, tu não tens; tu tens cinco, e aquele que tu tens agora não é o teu homem.»
  10. Santo Agostinho diz: porque é que Nosso Senhor diz: «tu dizes a verdade»?
  11. Ele quer dizer: os cinco homens, são os cinco sentidos; eles tiveram-te na tua juventude completamente segundo a sua vontade e o seu desejo.
  12. Agora, na tua velhice, tu tens um que não é o teu; é o intelecto ao qual tu não obedeces.
  13. Quando este «homem» está morto, as coisas vão mal.
  14. Quando a alma se separa do corpo, é muito mau, mas quando Deus se separa da alma, é imensamente mau.
  15. Da mesma forma que a alma dá a vida ao corpo, assim também Deus dá a vida à alma.
  16. Da mesma forma que a alma se derrama por todos os membros, assim da mesma forma Deus flui por todas as potências da alma, e penetra-as com esse fluxo, de tal forma que elas O derramam em bondade e em amor sobre tudo o que está ao seu redor, por forma a que tudo tenha conhecimento d'Ele.
  17. Assim, Ele flui constantemente, quer dizer para lá do tempo, na eternidade e na vida onde vivem todas as coisas.
  18. É por isso que Nosso Senhor diz à mulher: «Eu dou a água viva; quem beber dela nunca mais terá sede, e vive a vida eterna.» 1

Notas
  1. Podemos ficar surpreendidos por o pregador passar imediatamente para outro texto: Jesus e a Samaritana.

    A aproximação é devida à evocação do «homem» numa e na outra cena.

    Em conformidade com as tradições judaica, cristã, greco-latina, para só falar daquelas com as quais Mestre Eckhart está em contato intelectual, o «homem» tem o papel mais nobre, ele é a «cabeça» da alma, como ele diz aqui e como ele disse mais explicitamente ainda no sermão 20b: «Quando a alma se volta a direito para Deus com o seu intelecto, é um homem..., mas quando a alma se volta para as coisas inferiores, é uma mulher.»

    Eckhart faz aqui do homem não apenas uma metáfora do intelecto, mas da «pequena centelha do intelecto»; ela é «de natureza divina», «uma luz divina, um raio e uma imagem impressa de natureza divina».

    Ele falou-nos muitas vezes dela, não encontrando nada de demasiado alto para a evocar, «à imagem de Deus e da raça de Deus» dirá ele aos seus juizes de Colónia. Para não regressar aos termos discutidos de «incriada e de incriável». [  ]


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