Mestre Eckhart – Mulher, vem a hora 11


  1. É por isso que ele diz: «Eis aqueles que o Pai procura.»
  2. Vejam, é assim que Deus nos escolhe, é assim que ele nos suplica, e Deus não pode esperar que a alma se afaste e se despoje da criatura.
  3. E é uma verdade certa e uma verdade necessária que Deus tem um tal desejo de nos procurar, como se verdadeiramente toda a sua Divindade dependesse disso, assim como é realmente. 1
  4. E Deus pode tão pouco passar sem nós como nós sem ele, porque mesmo se nós pudéssemos afastar-nos de Deus, Deus nunca poderia desviar-se de nós.
  5. Eu digo que não quero pedir a Deus para que ele me dê, também não quero louvá-lo por aquilo que ele me deu, mas eu quero pedir-lhe que ele me torne digno de receber e eu quero louvá-lo porque o seu ser e a sua essência o obrigam a dar.
  6. Aquele que quisesse privar Deus disso, privá-lo-ia do seu ser próprio e da sua própria vida. 2
  7. Que a verdade, de que eu falei, nos ajude a tornarmo-nos assim verdadeiramente Filho. Amém. 3

Notas
  1. No último parágrafo: «Eis aqueles que o Pai procura», Eckhart exprime-se ainda com mais audácia que previamente: «Deus escolhe-nos… suplica-nos, não pode esperar que a alma se afaste e se despoje da criatura.»

    Assim o quer a sua natureza que é toda bondade.

    «E é uma verdade necessária que Deus tem um tal desejo de nos procurar, como se verdadeiramente toda a sua Divindade dependesse disso...»; «como se...»; o que precede poderia não ser ainda mais que uma conjetura audaz, mas eis para onde aponta o «escândalo»: «assim como é realmente».

    Pode-se no entanto tentar explicá-lo na perspectiva eckhartiana.

    Já tínhamos lido: «Compete ao seu ser gerar o seu Filho na alma...» (Omne datum optimum), lugar comum nele, poder-se-ia dizer.

    «Ele gera-me enquanto ele e ele enquanto eu, e eu enquanto seu ser e sua natureza. Na fonte mais interior eu broto no Espírito Santo; é lá uma vida, um ser, uma operação.» (Iusti vivent in aeternum).

    «A raiz da Divindade, ele exprime-a absolutamente no seu Filho» (Hoc est praeceptum meum).

    E no sermão In diebus suis: «Deus está no fundo da alma com toda a sua Divindade» «Tudo o que Deus opera é um.»

    O nascimento do Filho na alma realiza-se assim no apagamento do Filho e na apropriação da essência divina única.

    O fundo da alma e a Divindade portanto não são mais que um.

    Se Deus fosse privado do fundo da alma, que só é dele no que ela tem de mais nobre, onde ele reside, ele seria portanto privado da sua Divindade. [  ]
  2. Assim, já não é «escandaloso» ler: «Eu não quero pedir a Deus para que ele me dê (desinteresse), mas eu quero pedir-lhe que ele me torne digno de receber (humildade) e eu quero louvá-lo porque o seu ser e a sua essência o obrigam a dar (reconhecimento da sua grandeza, adoração).» «Aquele que quisesse privar Deus disso, privá-lo-ia do seu ser próprio e da sua própria vida» (nova proposição no impossível. Ver também o que é dito acima). [  ]
  3. Esta tradução foi realizada a partir da tradução francesa de Jeanne Ancelet-Hustache, «Maitre Eckhart - Sermons 1-30 - Tome I», Éditions du Seuil, Paris, 1974, p. 216-222. [  ]


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