Mestre Eckhart – Ave, cheia de graça 9


  1. «In principio.» Por intermédio disso é-nos permitido compreender que nós somos um Filho único que o Pai eternamente gerou dentro da treva escondida da eterna impenetrabilidade, permanecendo interiormente dentro do princípio primeiro da pureza primeira que é uma plenitude de toda a pureza.
  2. Lá eu eternamente repousei e dormitei dentro do conhecimento escondido do Pai eterno, permanecendo interiormente sem expressão. 1
  3. Dentro desta pureza ele gerou-me eternamente como seu Filho único na mesma imagem da sua eterna paternidade, afim de que eu seja pai e gere aquele do qual eu sou gerado.
  4. Da mesma maneira que se alguém estivesse diante de uma alta montanha e gritasse: «Estás aí?» a ressonância e o eco responder-lhe-iam: «Estás aí?» Se ele dissesse: «Sai!» o eco responderia também: «Sai!»
  5. Sim, para quem, dentro desta luz, olhasse para um pedaço de madeira, esta tornar-se-ia num anjo dotado de intelecto e não somente dotado de intelecto, ela tornar-se ia um intelecto puro dentro da primeira pureza que é uma plenitude de toda a pureza.
  6. Assim faz Deus: ele gera o seu Filho único dentro da parte mais elevada da alma.
  7. Ao mesmo tempo que ele gera o seu Filho único em mim, eu gero-o por minha vez dentro do Pai.
  8. Não foi de outra forma quando Deus gerou o anjo quando ele próprio era gerado pela Virgem. 2

Notas
  1. Eis o «não», e o mestre exprime este mistério teológico em termos de uma grande poesia: «In principio... Lá eu eternamente repousei e dormitei dentro do conhecimento escondido do Pai eterno, permanecendo interiormente sem expressão.»

    Quer dizer, quando eu estava em Deus, ato puro, enquanto Ideia, dentro do «fundo» da Divindade, fazendo apenas um com ela.

    Todos os seres, o anjo e a madeira, só eram um, também eles, dentro desta inefável pureza.

    Como o pregador já disse mais acima e como nós leremos a propósito das hastes de erva, todas as coisas são idênticas dentro da Pureza primeira.

    Pela criação, como diz «um mestre», provavelmente S. Tomás em quem este pensamento já se encontra, Deus mostrou a sua generosidade graças à multiplicidade dos seres «afim de que a sua munificência seja tanto mais manifestada».

    O «não» significa portanto: eu não fui eternamente filho em Deus, eu dormitava dentro do Princípio primeiro. [  ]
  2. Depois do «não», eis o «sim».

    Apesar de ser este o próprio centro da doutrina de Mestre Eckhart que se encontra mais ou menos expressa em toda a sua obra, talvez ele nunca a tenha proposto com maior clareza e insistência como neste sermão 22: Nesta Pureza primeira, «ele gerou-me eternamente como seu Filho único na mesma imagem da sua eterna paternidade, afim de que eu seja pai e gere aquele do qual eu sou gerado».

    Deus «gera o seu Filho único na parte mais elevada da alma. Ao mesmo tempo que ele gera o seu Filho único em mim, eu gero-o por meu turno no Pai».

    O eco que responde em termos idênticos é o símbolo desta reciprocidade.

    «... enquanto intelecto "receptivo", o espírito do ser humano recebe o Filho, enquanto intelecto "agente", ele dá-o à luz por seu turno, em Deus.

    Nesta reciprocidade efetua-se a identidade do distinto.

    Tomas de Aquino já tinha copiado de Aristóteles algumas fórmulas de identidade bastante surpreendentes.

    "O pensante e o pensado", tinha dito Aristóteles, "são idênticos." Tomas de Aquino, no seu comentário sobre esta passagem, escreve: "No que concerne aos inteligíveis em ato, o pensamento e aquilo que ele pensa são idênticos..."

    No entanto, Tomas de Aquino não ousa tirar dessa lei reconhecida como universal as consequências últimas tocando o conhecimento de Deus. Será para isso necessário esperar por Mestre Eckhart» (Reiner Schürmann). [  ]


[ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ]


Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Ave, cheia de graça 9