Mestre Eckhart - Sermão da Pobreza 6


  1. Quando eu estava na minha causa primeira, eu não tinha Deus, e eu era a causa de mim próprio; então eu não queria nada, eu não desejava nada, porque eu era um ser livre, eu conhecia-me a mim próprio, desfrutando da verdade. 1
  2. Eu queria-me a mim próprio, e não queria nada mais; aquilo que eu queria, eu era-o, e aquilo que eu era, eu queria-o; e lá eu estava desprendido de Deus e de todas as coisas, mas quando, pela minha livre vontade, eu saí, e recebi o meu ser criado, eu passei a ter um Deus, porque antes que existissem as criaturas, Deus não era "Deus", mas ele era aquilo que ele era.
  3. Mas quando passaram a existir as criaturas, e quando elas receberam o seu ser criado, Deus não era mais "Deus" em si próprio, ele passou a ser "Deus" nas criaturas. 2

Notas
  1. «Quando eu estava na minha causa primeira, eu não tinha Deus, e eu era a causa de mim próprio; então, eu não queria nada, eu não desejava nada, porque eu era um ser livre, eu conhecia-me a mim próprio, desfrutando da verdade.

    Eu queria-me a mim próprio, e não queria nada mais; aquilo que eu queria, eu era-o, e aquilo que eu era, eu desejava-o, e lá eu estava desprendido de Deus e de todas as coisas...»

    Para compreender este texto, e alguns dos que se seguem, é preciso regressar à distinção que Mestre Eckhart estabelece entre got (Deus trinitário e criador) e diu gotheit, a Divindade, abismo sem fundo, deserto, origem, que ele nomeia aqui causa primeira.

    «A distinção entre Deus e a Divindade respeita dois aspectos - exterior e interior - sob os quais as criaturas in via concebem a mesma realidade simples, opondo dois níveis na sequência dum erro de óptica inevitável aqui em baixo» (Vladimir Lossky).

    Eckhart trata aqui da existência eterna do ser humano, anterior à criação, quando ele ainda não era mais que uma ideia no ato puro, na Origem, o bullitio, o bulício anterior a tudo, para retomar a expressão que Mestre Eckhart emprega nas suas obras latinas.

    Mas quem a compreendeu melhor, e a explicou melhor, que um dos seus primeiros e mais fieis discípulos, Henrique Suso? Ele escreve no Livro da Verdade:
    «Verdade eterna, mas como é que as criaturas existem em Deus desde toda a eternidade?
    - Elas estavam lá como no seu exemplar eterno.
    - O que devemos entender por exemplar? - É a sua essência eterna enquanto ela permite à criatura atingi-la duma maneira participada. E nota que todas as criaturas são eternamente Deus em Deus, e não tiveram lá nenhuma diferença fundamental. Elas são a mesma vida, a mesma essência, o mesmo poder enquanto elas estão em Deus; elas são o mesmo Um, e nada de menos.» [  ]
  2. «Mas quando pela minha livre vontade, eu recebi o meu ser criado, eu tive um Deus, porque antes que existissem as criaturas, Deus não era "Deus"», bem pelo contrário: ele era o que ele era.

    Continuação do comentário de Henrique Suso:
       «Mas quando as criaturas saíram de Deus, tomando o seu ser próprio, cada uma passou a ter a sua substância particular diferente, com a sua própria forma que lhe dá a sua essência natural... E por essa difusão, todas as criaturas encontraram o seu Deus, porque quando a criatura compreende que ela é uma criatura, ela reconhece o seu criador e o seu Deus.» [  ]


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