Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 9


  1. Ora eu pergunto aqui qual é o objeto do puro desprendimento.
  2. Eu respondo assim: nem isto nem aquilo é o objeto do puro desprendimento.
  3. Ele repousa no nada absoluto, e eis porque é assim: o puro desprendimento situa-se no cume.
  4. Ora está no cume aquele em quem Deus pode agir segundo a sua absoluta vontade.
  5. Ora Deus não pode agir em todos os corações segundo a sua absoluta vontade, porque apesar de Deus ser omnipotente, ele no entanto só pode agir se encontra ou opera a disponibilidade.
  6. E eu digo "opera" por causa de S. Paulo, porque Deus não encontrou nele disponibilidade, mas preparou-o infundindo-lhe a graça.
  7. É por isso que eu digo: Deus age conforme encontra a disponibilidade.
  8. A sua operação é diferente no ser humano e na pedra.
  9. Nós encontramos uma comparação na natureza; quando se aquece um forno e quando se mete dentro uma massa de aveia, uma de cevada, uma de centeio e uma de trigo, há um mesmo calor no forno, e no entanto ele não atua da mesma forma nas massas; porque uma torna-se num bom pão, a outra é mais grosseira, a terceira ainda mais grosseira.
  10. E a culpa não é do calor, a culpa é da matéria que é diferente.
  11. Da mesma forma, Deus não opera da mesma maneira em todos os corações; ele opera segundo a disponibilidade e a receptividade que encontra.
  12. Se tal coração contém isto ou aquilo, pode haver no "isto ou aquilo" qualquer coisa que faz com que Deus não possa agir segundo o modo mais elevado.
  13. Para que o coração esteja disponível para o mais elevado, é preciso portanto que ele repouse no puro nada, e é essa também a maior possibilidade que pode ser.
  14. Como o coração desprendido se encontra no cume, é preciso que ele repouse no nada, porque é aí que se encontra a maior receptividade.
  15. Eis uma comparação na natureza. Quando eu quero escrever numa tabuinha de cera, por mais nobre que seja o que está escrito na tabuinha, ela não pode fazer com que eu não fique constrangido, por motivo de eu não poder escrever nela, e se no entanto eu quiser escrever, é preciso que eu apague e suprima o que está na tabuinha.
  16. E a tabuinha nunca está mais própria para a escrita que quando não tem nada escrito nela.
  17. Da mesma forma, se Deus deve escrever no meu coração segundo o modo mais elevado, é preciso que saia do coração tudo o que se pode nomear isto ou aquilo, e tal é o coração desprendido.
  18. Então Deus pode agir segundo o modo mais elevado, e segundo a sua vontade suprema.
  19. É por isso que o objeto do coração desprendido não é nem isto nem aquilo.


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