Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 3
- Os mestres também louvam mais a humildade do que muitas outras virtudes.
- Mas eu louvo mais o desprendimento do que qualquer humildade, e eis porquê: a humildade pode existir sem o desprendimento, enquanto que o perfeito desprendimento não pode existir sem a perfeita humildade, porque a perfeita humildade tende ao aniquilamento de si próprio.
- Ora o desprendimento está tão próximo do nada que não pode haver nada entre o perfeito desprendimento e o nada.
- É por isso que não pode haver desprendimento sem perfeita humildade.
- Ora duas virtudes sempre valeram mais do que uma.
- A segunda razão pela qual eu louvo mais o desprendimento do que a humildade, é porque a perfeita humildade se curva abaixo de todas as criaturas e que, curvando-se assim, a pessoa sai de si própria para ir em direção às criaturas, enquanto que o desprendimento permanece em si próprio.
- Ora sair de si não consegue ser suficientemente nobre por forma a que permanecer em si próprio não seja muito mais nobre.
- É por isso que o profeta David disse: Omnia gloria eius filiae regis ab intus, quer dizer: Toda a honra da filha do rei vem do interior.
- O desprendimento perfeito não considera de modo nenhum que se deve curvar abaixo de qualquer criatura, nem acima de qualquer criatura; ele não quer estar nem acima, nem abaixo, ele quer estar em si próprio, sem considerar o amor ou o sofrimento de quem quer que seja, ele não quer nem a igualdade, nem a desigualdade com criatura nenhuma, ele não quer nem isto nem aquilo; ele quer ser, e mais nada.
- Mas querer ser isto ou aquilo, ele não o quer, porque quem quer ser isto ou aquilo quer ser alguma coisa, enquanto que o desprendimento não quer ser nada.
- É por isso que todas as coisas estão à frente dele sem serem importunadas.
- Ora qualquer um poderia dizer: No entanto, todas as virtudes eram perfeitas em Nossa Senhora, portanto devia haver nela um desprendimento perfeito.
- Se no entanto o desprendimento é mais perfeito que a humildade, porque é que Nossa Senhora louvou a sua humildade, e não o seu desprendimento, quando ela disse: Quia respexit dominus humilitatem ancillae suae..., quer dizer: Ele considerou a humildade da sua serva - então porque é que ela não disse: Ele considerou o desprendimento da sua serva?
- Eu respondo dizendo que em Deus há desprendimento e humildade, na medida em que nós podemos falar das virtudes de Deus.
- Ora tu deves saber que a amável humildade fez com que Deus se inclinasse para a natureza humana, enquanto que o desprendimento permanecia imóvel em si quando Deus se fez homem, e da mesma forma se comportou quando Deus criou o céu e a terra, como eu te explicarei em seguida.
- E porque Nosso Senhor, quando ele se quis fazer homem, permaneceu imóvel no seu desprendimento, a Nossa Senhora sabia bem que ele desejava dela a mesma coisa e que, nessa circunstância, ele considerava a sua humildade e não o seu desprendimento.
- É por isso que ela permaneceu imóvel no seu desprendimento e se louvou da sua humildade, e não do seu desprendimento.
- E se ela tivesse mencionado nem que fosse com uma palavra o seu desprendimento, se ela tivesse dito: Ele considerou o meu desprendimento, o desprendimento dela teria sido perturbado e não teria sido tão total nem tão perfeito, porque assim ele teria saído de si próprio.
- Ora qualquer saída, por mais pequena que seja, não se pode dar sem prejuízo para o desprendimento.
- E assim, tu tens a razão de porque é que a Nossa Senhora louvou a sua humildade, e não o seu desprendimento.
- É por isso que o profeta disse: Audiam quid loquatur in me dominus deus, quer dizer: Eu me calarei e escutarei o que o meu Senhor e meu Deus me disser. É como se ele dissesse: Se Deus me quer falar, que ele venha até mim, eu não quero sair.
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