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A mostrar mensagens de junho, 2010

Livro da Vida Perfeita - O que é a união

« Vocês têm que abandonar e perder todas as coisas » (Mt 19, 21). Quando se diz isto - como o próprio Cristo disse -, não significa que o ser humano não deve ter nada, nem fazer nada. Enquanto vive, o ser humano deve fazer alguma coisa, e agir de uma maneira ou doutra. Não, é preciso compreender estas palavras de Cristo como se segue: «Tudo o que os seres humanos - ou as outras criaturas - podem, sabem, fazem ou não fazem, não é disso que depende a união.» « Mas o que é a união? » perguntar-se-á. Ser puramente, inteiramente, simplesmente um com a simples e eterna vontade de Deus. Nada mais. Ser completamente sem vontade: que a vontade criada se escoe, se funda e se aniquile na vontade eterna, de tal forma que a vontade eterna seja a única a querer, a fazer ou a não fazer. « O que é que pode servir e ajudar o ser humano a essa união? » Não podem ser as palavras, nem as ações, nem as regras. Nem nada daquilo que as criaturas podem, sabem, fazem ou não fazem. É preciso d

Imitação de Cristo - 3.4. Como é preciso andar na presença de Deus em verdade e em humildade

Cristo: Meu filho, anda na minha presença em verdade, e procura-me sempre na simplicidade do teu coração. Aquele que caminha na minha presença em verdade não temerá nenhum ataque, a verdade libertá-lo-á das calúnias e das seduções dos maus. Se a verdade te libertar, tu serás verdadeiramente livre, e pouco te importarão os vãos discursos das pessoas. Alma: Senhor, é verdade: que seja feito em mim, por graça, segundo a vossa palavra. Que a vossa verdade me instrua, que ela me defenda, que ela me conserve até ao fim na via da salvação. Que ela me liberte de todos os desejos maus, de todas as afeições desregradas, e eu caminharei na vossa presença com uma grande liberdade de coração. Cristo: A verdade, sou eu; eu ensinar-te-ei o que é bom, o que me é agradável. Recorda-te dos teus pecados com grande dor e um profundo arrependimento, e nunca penses que és alguma coisa por causa do bem que fizeres. Porque, sem a verdade, tu não passas de um pecador, sujeito a muitas paixõ

Livro da Vida Perfeita - Manifestar a Verdade

Eis no entanto que chega um "Adão" - ou um "diabo"... Tentando justificar-se ou encontrar uma desculpa, ele diz assim: « Cristo era, pelo que se diz, livre de qualquer eu e de qualquer amor próprio, etc. Ora é com muita frequência que ele fala de si próprio e que ele se glorifica disto ou daquilo! » Quando a Verdade quer ou realiza qualquer coisa, a sua vontade, o seu desejo e a sua ação não têm outro fim para além de fazer conhecer e compreender a Verdade. Era assim com Cristo: as suas palavras e os seus atos não tinham outro fim. E o que era o melhor e o mais útil e o que acontecia para esse fim, ele permanecia livre disso como de tudo o mais que pudesse acontecer. « Mas , dirás tu, havia então em Cristo um "porquê"? » Se tu perguntasses ao sol: «Porque é que tu brilhas?», ele responderia: «Tenho que brilhar, não posso fazer de outra forma. É a minha natureza e fazer isto é próprio de mim. Mas dessa propriedade e desse brilho eu permaneço livre

Imitação de Cristo - 3.3 Como é preciso escutar a palavra de Deus, e como muitos não a recebem como deviam

Cristo: Meu filho, ouve as minhas palavras, que são palavras cheias de suavidade, e que ultrapassam toda a ciência dos filósofos e dos sábios do mundo. « As minhas palavras são espírito e vida » ( João 6, 64), e não devem ser interpretadas em sentido humano. Não devem servir para tirar delas vã complacência, mas devem ser escutadas em silêncio, e recebidas com humildade profunda e amor ardente. Alma: E eu disse: « Felizes daqueles que vós instruís, Senhor, e a quem vós ensinais a vossa lei, afim de lhes suavizardes os dias maus » ( Salmos 94(93), 12-13) e afim de não os deixardes sem consolação sobre a terra. Cristo: Fui eu que, desde o princípio, instruí os profetas, diz o Senhor, e mesmo presentemente eu não deixo de falar com todos; mas muitos estão endurecidos e surdos à minha voz. A maior parte escuta o mundo em vez de escutar Deus. Gostam mais de seguir os desejos da carne do que obedecer à vontade divina. O mundo promete poucas coisas, e coisas que passam, e

Livro da Vida Perfeita - O exemplo de Cristo

Tudo o que foi dito aqui da pobreza e da humildade é realmente assim na verdade: a vida e as próprias palavras de Cristo confirmam-no e provam-no. Cristo praticou e realizou todas as obras da verdadeira humildade. Vê-se na sua vida, e ele expressa-o também nas suas palavras: « Aprendam comigo , disse ele, que eu sou suave e humilde de coração » (Mt 11, 29). Ele não negligenciou nem desprezou as leis, os mandamentos, e as pessoas submetidas à Lei. Certo, ele disse que isso não era suficiente, que era preciso ir mais longe - e é bem verdade. São Paulo escreveu-o: « Cristo submeteu-se à Lei para libertar aqueles que estavam sob a Lei » (Ga 4, 4). O que quer dizer: «para os levar a algo de melhor e de mais elevado.» Cristo disse também: « Eu não vim para que me sirvam, mas para servir » (Mt 20, 28). Numa palavra, não se encontra nada mais na vida, nos atos e nas palavras de Cristo que a verdadeira pobreza, que a pura humildade, tal como acabamos de mostrar. Deve ser assim

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento

Introdução O desprendimento é a mais alta e melhor virtude O desprendimento é superior ao amor O desprendimento é superior à humildade O desprendimento é superior à misericórdia Deus dá-se ao espírito desprendido O que é o desprendimento? Deus sempre esteve e está no desprendimento imutável A "pessoa exterior" e a "pessoa interior" Qual é o objeto do desprendimento? Qual é a oração do coração desprendido? A nobreza e a utilidade do desprendimento O desprendimento é preferível a tudo O sofrimento e a humildade para chegar ao desprendimento Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Tratado do Desprendimento

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento

Introdução Este tratado está construído em quatro partes: O desprendimento é a mais elevada das virtudes. É superior ao amor, à humildade e à misericórdia, os quais têm alguma relação com as criaturas, enquanto que o desprendimento não tem nada a ver com as criaturas. O desprendimento cria a maior semelhança possível do ser humano com Deus, porque a natureza de Deus tem como fundamento o seu desprendimento imutável. Este desprendimento existiu e existirá desde toda a eternidade. Este desprendimento não foi perturbado nem pela criação, nem pela incarnação; também não é perturbado pelas orações e pelas obras dos seres humanos: com efeito, em Deus não há nada de novo. Tudo nele procede da eternidade, somos nós que somos transformados quando é projetado no tempo aquilo que foi eternamente previsto em Deus. Cristo e a sua Mãe ficaram, também eles, no desprendimento imutável. No próprio momento da Paixão, só sofria neles a "pessoa exterior", enquanto que a "pessoa i

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 1

Tratado do Desprendimento Eu li muitos escritos, tanto de mestres pagãos como de profetas do Antigo e do Novo Testamento, e procurei seriamente e com todo o meu zelo qual é a mais alta e melhor virtude pela qual o ser humano pode melhor e mais intimamente unir-se a Deus, e tornar-se por graça aquilo que Deus é por natureza, e pela qual o ser humano seja o mais semelhante à sua imagem quando ele estava em Deus, na qual não existia diferença entre ele e Deus, antes de Deus ter formado as criaturas. E quando eu penetro em todos esses escritos, tanto quanto pode a minha razão e quanto ela é capaz de o reconhecer, eu não encontro nada a não ser isto: o puro desprendimento acima de todas as coisas, porque todas as virtudes têm algo a ver com a criatura, enquanto que o desprendimento está liberto de todas as criaturas. É por isso que Nosso Senhor disse a Marta: Unum est necessarium , quer dizer: Marta, quem quer estar em paz e ser puro deve possuir uma coisa: o desprendimento.

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 2

Os mestres louvam grandemente o amor, como fez S. Paulo quando disse: «Qualquer obra que eu realizo, se não tenho amor, não sou nada.» Quanto a mim, eu louvo o desprendimento mais do que qualquer amor. E primeiro por esta razão: o que o amor tem de melhor, é que ele me força a amar Deus, enquanto que o desprendimento força Deus a amar-me a mim. Ora é bem mais nobre forçar Deus a vir até mim que eu me forçar a ir até Deus, porque Deus pode mais intimamente inserir-se em mim, e melhor unir-se a mim, do que eu me posso unir a Deus. Que o desprendimento força Deus a vir até mim, eu provo-o assim: todas as coisas gostam de estar no lugar que lhes é natural e próprio. Ora o lugar natural e próprio de Deus é a unidade e a pureza, e é isso mesmo que o desprendimento provoca. Portanto, é necessariamente preciso que Deus se dê a um coração desprendido. Em segundo lugar, eu louvo o desprendimento mais do que o amor porque o amor força-me a sofrer todas as coisas por Deus, enquant

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Os mestres também louvam mais a humildade do que muitas outras virtudes. Mas eu louvo mais o desprendimento do que qualquer humildade, e eis porquê: a humildade pode existir sem o desprendimento, enquanto que o perfeito desprendimento não pode existir sem a perfeita humildade, porque a perfeita humildade tende ao aniquilamento de si próprio. Ora o desprendimento está tão próximo do nada que não pode haver nada entre o perfeito desprendimento e o nada. É por isso que não pode haver desprendimento sem perfeita humildade. Ora duas virtudes sempre valeram mais do que uma. A segunda razão pela qual eu louvo mais o desprendimento do que a humildade, é porque a perfeita humildade se curva abaixo de todas as criaturas e que, curvando-se assim, a pessoa sai de si própria para ir em direção às criaturas, enquanto que o desprendimento permanece em si próprio. Ora sair de si não consegue ser suficientemente nobre por forma a que permanecer em si próprio não seja muito mais nobre.

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Eu também louvo mais o desprendimento do que qualquer misericórdia, porque a misericórdia consiste em que a pessoa saia de si própria para se dirigir para as misérias do seu próximo, e que o seu coração fique perturbado. Com o desprendimento isso não acontece, ele permanece em si próprio, e não se deixa perturbar por nada. Porque sempre que uma coisa pode perturbar uma pessoa, esta não está tal como deve estar. Em resumo, quando eu considero todas as virtudes, eu não encontro nenhuma que seja tão isenta de defeito, e que una tanto a Deus, como o desprendimento. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Tratado do Desprendimento 4

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 5

Um mestre, chamado Avicena, disse que a nobreza do espírito que permanece desprendido é tão grande que tudo aquilo que ele contempla é verdadeiro, que tudo aquilo que ele deseja lhe é concedido, e que tudo aquilo que ele ordena lhe é obedecido. E tu deves saber em verdade: quando o espírito livre permanece num verdadeiro desprendimento, ele constrange Deus a vir ao seu ser, e se ele pudesse permanecer sem forma e sem nenhum acidente, ele tomaria o ser próprio de Deus. Ora Deus não pode dar isto a ninguém que não seja a ele próprio; é por isso que Deus não pode fazer mais nada pelo espírito desprendido que não seja dar-se a si próprio a ele. E o ser humano que permanece assim, num total desprendimento, é de tal forma levado para a eternidade que nada de efémero o pode mover, que não se submete a nada do que é carnal, e é dito morto para o mundo porque não tem gosto para nada de terrestre. Era o que pensava S. Paulo quando disse: «Eu vivo, mas no entanto eu não vivo: é Cristo

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Ora tu perguntarás o que é o desprendimento visto que ele é tão nobre em si mesmo? Tu deves saber aqui que o verdadeiro desprendimento consiste apenas em que o espírito permaneça tanto insensível a todas as vicissitudes da alegria e do sofrimento, da honra, do preconceito e do desprezo quanto uma montanha de chumbo é insensível a um vento ligeiro. Este desprendimento imutável conduz o ser humano à maior semelhança com Deus. Porque Deus é Deus devido ao seu desprendimento imutável, e é também do desprendimento que ele obtém a sua pureza, a sua simplicidade e a sua imutabilidade. E é por isso que, se o ser humano se deve tornar semelhante a Deus, na medida em que uma criatura pode ter uma semelhança com Deus, será pelo desprendimento. Este conduz o ser humano à pureza, da pureza à simplicidade, da simplicidade à imutabilidade; daí resulta uma semelhança entre Deus e o ser humano, mas é necessário que essa semelhança seja o efeito da graça, porque a graça desprende o ser huma

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Ora tu deves saber que, desde toda a eternidade, Deus esteve e está ainda nesse desprendimento imutável. E sabe: quando Deus criou o céu e a terra e todas as criaturas, isso não mexeu mais com o seu desprendimento imutável, do que se nenhuma criatura alguma vez tivesse sido criada. Digo mais: todas as orações e as boas obras, que o ser humano possa realizar no tempo, perturbam tanto o desprendimento de Deus, como se nunca orações e boas obras tivessem sido realizadas no tempo; e Deus não é menos generoso, nem bem disposto para o ser humano, do que se este nunca tivesse rezado ou realizado boas obras. Digo ainda mais: quando o Filho, na divindade, se quis tornar homem, tornou-se e sofreu o martírio, sem que o desprendimento imutável de Deus fosse mais perturbado, do que se ele nunca se tivesse feito homem. Tu poderás dizer: Eu compreendo bem que todas as orações e todas a boas obras sejam perdidas porque Deus não as acolhe de tal modo que qualquer um o possa perturbar com ela

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Ora qualquer um poderia perguntar: Cristo estava também num desprendimento imutável quando disse: "A minha alma está triste até à morte"? E Maria, quando estava ao pé da cruz - e portanto fala-se muito da sua lamentação - como é que tudo isto se pode concordar com o desprendimento imutável? Aqui, tu deves saber o que dizem os mestres; dentro de cada ser humano estão duas pessoas diferentes; uma chama-se pessoa exterior, é o ser sensitivo; é servido pelos cinco sentidos, e no entanto a pessoa exterior atua pela potência da alma. A outra pessoa chama-se interior, é a interioridade do ser humano. Ora tu deves saber que um ser humano espiritual que ama Deus não faz apelo às potências da alma na pessoa exterior, a não ser quando os cinco sentidos têm absolutamente necessidade, e a interioridade não se volta para os cinco sentidos exceto na medida em que é o chefe e o guia dos cinco sentidos, e vigia sobre eles para que eles não se entreguem ao seu objeto segundo a anima

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Ora eu pergunto aqui qual é o objeto do puro desprendimento. Eu respondo assim: nem isto nem aquilo é o objeto do puro desprendimento. Ele repousa no nada absoluto, e eis porque é assim: o puro desprendimento situa-se no cume. Ora está no cume aquele em quem Deus pode agir segundo a sua absoluta vontade. Ora Deus não pode agir em todos os corações segundo a sua absoluta vontade, porque apesar de Deus ser omnipotente, ele no entanto só pode agir se encontra ou opera a disponibilidade. E eu digo "opera" por causa de S. Paulo, porque Deus não encontrou nele disponibilidade, mas preparou-o infundindo-lhe a graça. É por isso que eu digo: Deus age conforme encontra a disponibilidade. A sua operação é diferente no ser humano e na pedra. Nós encontramos uma comparação na natureza; quando se aquece um forno e quando se mete dentro uma massa de aveia, uma de cevada, uma de centeio e uma de trigo, há um mesmo calor no forno, e no entanto ele não atua da mesma forma na

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 10

Ora eu pergunto ainda: qual é a oração do coração desprendido? Eu respondo dizendo que a pureza do desprendimento não pode rezar, porque aquele que reza deseja obter qualquer coisa ou que Deus lhe retire qualquer coisa. Ora o coração desprendido não deseja nada e também não tem nada de que queira ser liberto. É por isso que ele está desprendido de qualquer oração, e a sua oração não é nada mais que estar conforme a Deus. Eis toda a sua oração. Neste sentido nós podemos citar o que diz S. Dioniso sobre as palavras de S. Paulo: "Todos correm para obter a coroa, e no entanto ela só é atribuída a um único"; todas as potências da alma correm para obter a coroa, e no entanto ela só é atribuída ao que é essência. Dioniso diz portanto: "Esta corrida não consiste em nada mais que em se afastar de todas as criaturas para se unir ao Incriado." E quando a alma chega a isso, perde o seu nome e Deus atrai-a a ele, de tal forma que ela não é mais nada em si, da mesm

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Aquele que quer reconhecer a nobreza e a utilidade do desprendimento perfeito, que considere as palavras que Cristo pronunciou sobre a sua humildade quando disse aos seus discípulos: "É necessário que eu vos deixe, porque se eu não vos deixo, o Espírito Santo não virá até vós." É como se ele dissesse: Vocês tiveram demasiada alegria com a minha presença, é por isso que vocês não podem receber a alegria perfeita do Espírito Santo. Rejeitem portanto as imagens e unam-se ao Ser sem forma, porque a consolação espiritual de Deus é subtil, é por isso que ela só se oferece àquele que rejeita a consolação carnal. [ Anterior ] [ Índice ] [ Seguinte ] Início » Espiritualidade » Mestre Eckhart » Tratado do Desprendimento 11

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 12

Notem bem, gentes de razão. Nada é mais alegre que aquele que se encontra no maior desprendimento. Nenhuma consolação segundo a carne e o corpo pode existir sem dano espiritual, "porque a carne deseja contra o espírito e o espírito contra a carne". É por isso que aquele que semeia na carne um amor desordenado recolhe a morte eterna, e aquele que semeia no Espírito um amor verdadeiro recolhe no Espírito a vida eterna. Quanto mais depressa portanto o ser humano foge das criaturas, mais depressa o Criador acorre para ele. Notem, vocês todos, gentes de razão. Visto que já a alegria, que poderia causar a presença de Cristo segundo a carne, nos impede de sermos acessíveis ao Espírito Santo, com bem mais forte razão o desejo desordenado da consolação passageira nos impede de acedermos a Deus. É por isso que o desprendimento é preferível a tudo, porque ele purifica a alma, clarifica a consciência, inflama o coração, desperta o espírito, acelera o desejo, faz conhecer Deu

Mestre Eckhart – Tratado do Desprendimento 13

Notem bem, vocês todos, gentes de razão. O animal mais rápido que nos conduz a esta perfeição é o sofrimento, porque ninguém saboreia mais a suavidade eterna que aqueles que estão com Cristo na maior amargura. Nada é mais amargo que sofrer, mas nada é duma suavidade mais melífica do que ter sofrido. Diante das gentes, nada desfigura tanto o corpo como o sofrimento, mas diante de Deus nada orna tanto a alma como ter sofrido. O fundamento mais sólido que pode sustentar essa perfeição é a humildade, porque aquele cuja natureza se arrasta aqui em baixo no rebaixamento mais profundo, a partir desse o espírito levanta voo para as alturas supremas da divindade, porque o amor traz o sofrimento e o sofrimento traz o amor. Que aquele que deseja chegar ao perfeito desprendimento procure portanto a perfeita humildade, e ele se aproximará assim da divindade. Que o supremo desprendimento, Deus ele próprio, nos ajude todos a chegar até lá. Amém. [ Anterior ] [ Índice ] [ ◊ ]

Imitação de Cristo - 3.2. A verdade fala dentro de nós sem ruído de palavras

Alma: « Falai Senhor, que o vosso servo escuta » (1 Reis 3, 9). « Eu sou o vosso servo; dai-me a inteligência, afim de que eu saiba quais são os vossos preceitos » ( Salmos 119(118), 125). « Inclinai o meu coração para as palavras da vossa boca; que elas caiam sobre mim como um suave orvalho » ( Salmos 119(118), 36; Deuteronómio 32, 2). Os filhos de Israel diziam antigamente a Moisés: « Fala-nos, e nós te escutaremos; mas que o Senhor não nos fale, porque podemos morrer » ( Êxodo 20, 19). Não é essa, Senhor, não é essa a minha oração; mas pelo contrário, eu imploro-vos como fez o profeta Samuel, com um desejo humilde, dizendo: « Falai Senhor, que o vosso servo escuta » (1 Reis 3, 9). Que Moisés não me fale, nem nenhum dos profetas, mas falai antes vós, Senhor meu Deus, vós que sois a luz de todos os profetas, e o espírito que os inspirou. Porque, vós só, sem eles, podeis penetrar toda a minha alma com a vossa verdade; mas sem vós, eles não podem fazer nada. Eles p