Livro da Vida Perfeita - Riqueza e orgulho espirituais


  1. Quando o ser humano percorreu todos os caminhos que o levam à Verdade, quando ele fez tantos esforços e teve tanto trabalho que ele crê ter realizado tudo - estar morto para si próprio e ter-se deixado a si próprio para se abandonar a Deus -, é então que o diabo semeia nele a sua semente.
  2. Dessa semente nascem dois frutos.
  3. O primeiro é a riqueza, o orgulho espirituais; o segundo, a falsa liberdade, a liberdade desordenada.
  4. Esses dois frutos são como dois irmãos que se encontram frequentemente e de boa vontade em conjunto.
  5. Isto começa assim: o diabo inspira ao ser humano a ilusão de que ele chegou ao mais alto, que ele está mesmo próximo do fim, que ele não tem mais necessidade das Escrituras nem de mais nada, que ele ultrapassou isso tudo.
  6. Eleva-se então nele uma grande paz, uma profunda satisfação: «Sim, exclama ele, eis-me agora acima de todas as pessoas! Eu sei, eu compreendo mais que toda a gente. Assim, é justo e equitativo que eu seja um deus para todas as criaturas: que elas me obedeçam, me sirvam e me sejam submissas.»
  7. Tal é a sua procura, tal é o seu desejo.
  8. Ele apropria-se de boa vontade desse direito sobre todas as criaturas, e em particular sobre as pessoas, porque está convencido de ser digno e de que cada um lho deve. Ele considera que todos os seres humanos são burros e bezerros.
  9. Tudo o que lhe pode proporcionar prazer e agrado - ao seu corpo, à sua carne, à sua natureza -, ele pensa que isso lhe é devido: ele o procura e o faz seu em todas as ocasiões.
  10. Tudo aquilo que se pode fazer por ele, ainda lhe parece pouco. Tudo o que é dele, acha que é perfeitamente indigno de si.
  11. Aqueles que lhe obedecem e o servem, ele considera-os com corações nobres e leais, cheios de verdade e generosos para com os pobres - mesmo que não sejam mais que ladrões e assassinos. Ele louva-os, procura-os e segue-os para toda a parte onde eles vão.
  12. Mas aquele que não obedece a esses orgulhosos e não os serve, aquele que não atua segundo a vontade deles, esse não recebe deles nenhum elogio, mas as criticas e os desprezos deles - mesmo que ele fosse tão santo quanto são Pedro.
  13. Uma tal riqueza, um tal orgulho espirituais consideram não ter necessidade nem das Escrituras, nem dos ensinamentos, nem de nada mais desse género.
  14. Também, só têm desprezo e troça pelas instruções, as regras, as leis, os mandamentos e os sacramentos da santa Igreja, assim como por todos aqueles que os respeitam e os observam.
  15. Vê-se por isto que estes dois irmãos estão sempre bem juntos.
  16. Como o orgulho espiritual acredita saber mais e compreender tudo melhor que toda a gente, ele pretende também falar e discorrer mais que os outros.
  17. Ele quer que só se escute e só se respeite aquilo que ele diz, aquilo que ele explica. As palavras e as explicações dos outros devem ser tidas por erróneas, ridículas e absurdas.

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